O tortuoso caminho que levou à morte do general Soleimani
SOHAIL SHAHZAD/EPA
A eliminação do general iraniano Qassem Soleimani pelos Estados Unidos, esta sexta-feira, junto ao aeroporto de Bagdade, foi o ponto culminante de uma semana de tensão crescente, iniciada a 27 de dezembro, com um ataque de foguetes a uma base iraquiana, no qual foi morreu um cidadão norte-americano. Mas a confrontação começou seis meses antes
Investigador do Instituto de história contemporânea
O ataque com drone que causou a morte ao major-general Qassem Solaimani, comandante da Força Al-Quds, e a Abu Mahdi al-Muhandis, líder da milícia Kata’ib Hezbollah, culminou uma semana de tensão crescente, iniciada a 27 de dezembro. Nesse dia, um ataque com foguetes atingiu a base K-1, onde uma força iraquiana envolvida no combate ao Daesh era apoiada por técnicos norte-americanos.
O ataque causou a morte a um cidadão norte-americano. Dois dias depois, o Pentágono lançou ataques aéreos contra cinco bases das milícias Kata’ib Hezbollah no Iraque e na Síria, que causaram a morte a 25 militantes. Seguiram-se manifestações populares e um ataque contra a embaixada norte-americana em Bagdade, no dia 31.
A administração norte-americana não tardou a atribuir a orquestração do ataque às milícias pró-Irão que o general Qassem coordenava como comandante da Al-Quds, e Trump recorreu ao Twitter para uma ameaça velada que se revelou premonitória “O Irão irá ser inteiramente responsabilizado por vidas perdidas, ou danos incorridos, a qualquer das nossas instalações. Eles vão pagar um GRANDE PREÇO! Isto não é um Aviso, isto é uma Ameaça. Feliz Ano Novo!”
Estava criado o cenário para a morte do militar iraniano, mas, na realidade, o enfrentamento entre os Estados Unidos e o Irão começou seis meses antes, sem que tenha sido possível controlar a escalada.
No dia 20 de junho, um drone Global Hawk norte-americano foi abatido por uma bateria antiaérea iraniana quando sobrevoava o Estreito de Ormuz, desencadeando uma tempestade de ameaças do Presidente Trump na sua conta de Twitter que incluíam o bombardeamento das baterias envolvidas no incidente. Nesse mesmo dia, o Pentágono levou a cabo um ataque cibernético contra sistemas militares iranianos e Trump voltaria ao Twitter para anunciar que teria dado ordens para anular um ataque militar contra o Irão, quando faltariam apenas dez minutos para o seu início.
O episódio marcou um ponto de viragem nas relações entre os Estados Unidos e o Irão e ao longo dos meses seguintes sucederam-se novos incidentes, que ameaçavam descambar em conflito aberto. A 4 de julho, forças britânicas capturaram o petroleiro iraniano Grace-1 ao largo de Gibraltar, acusando-o de estar envolvido em contrabando; no mês seguinte foi a vez de o Irão capturar o petroleiro inglês Stena Impero, por alegadamente quebrar regras marítimas. A situação levou ao envio de navios norte-americanos para o Golfo Pérsico e a ameaça de retaliações caso o Irão tentasse fechar o estreito de Ormuz, mas o ataque seguinte acabou por ser muito distinto e foi dirigido contra um dos principais aliados dos EUA na região.
Refinaria saudita atingida
FAYEZ NURELDINE
No dia 14 de setembro, a Arábia Saudita viu a sua principal refinaria petrolífera ser atingida por uma vaga de drones e mísseis de cruzeiro, que causaram danos extensos e levaram a uma quebra de 50% da produção. O ataque foi formalmente reclamado pelos Houthis no Iémen, mas atribuído ao Al-Quds, que fornece o tipo de armamento utilizado na operação.
Trump voltou a ameaçar o Irão com ataques aéreos, mas o uso da força foi evitado e o Pentágono respondeu com novos ataques cibernéticos, um sinal de relativa fraqueza que pode ter encorajado a Força Al-Quds a correr riscos no Iraque, onde as milícias que controla aumentaram de forma exponencial os ataques contra bases onde se encontram militares e civis norte-americanos que apoiam o exército iraquiano no combate ao Daesh. Atingir um cidadão norte-americano tornou-se uma mera questão de tempo, e o tempo esgotou-se no dia 27 de dezembro, com o ataque contra a base K-1.
Desta vez os Estados Unidos optaram por uma ação direta que selou o destino do major-general Qassem Solaimani, o rosto visível da Força Al-Quds, que os Estados Unidos acusam de estar por trás de inúmeros atentados por todo o Médio Oriente. A morte de Solaimani representa o fim do cérebro que levou ao desenvolvimento de uma extensa rede de milícias por toda a região. Contudo, a máquina que ajudou a criar continua bem ativa e possui uma temível capacidade militar. Das milícias Kata’ib Hezbollah e Asa’ib Ahl al-Haq no Iraque, às forças paramilitares que controla na Síria, ou mesmo através de aliados como o Hezbollah libanês e os Houthis no Iémen, o Irão mantém a capacidade de retaliar onde menos for esperado - e a morte de Solaimani não deverá mudar o seu rumo.