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“Porque é que Hitler odiava os judeus?” Tudo o que se sabe sobre o ataque em Nova Iorque

“Porque é que Hitler odiava os judeus?” Tudo o que se sabe sobre o ataque em Nova Iorque
Stephanie Keith/Getty Images

O ataque ocorreu na noite de sábado em Nova Iorque na casa de líder religioso durante uma cerimónia judaica e há várias novidades. Se, até há uns dias, o suspeito podia ser considerado inimputável devido à “esquizofrenia que lhe foi diagnosticada há duas décadas”, a descoberta pela polícia de um caderno seu com suásticas e estrelas de David veio complicar-lhe a vida. O seu histórico de Internet, que mostra que, em tempos, quis perceber porque é que “Hitler odiava judeus”, ou onde é que havia “templos judaicos” ou “sionistas” perto de si, ou quais as “empresas importantes que foram fundadas por judeus na América”, também não ajudou

“Porque é que Hitler odiava os judeus?” Tudo o que se sabe sobre o ataque em Nova Iorque

Helena Bento

Jornalista

O ataque e respetivos detalhes

Uns minutos antes das 22h, de sábado (03h de domingo em Portugal), um homem com um lenço sobre o rosto invadiu a casa de um líder religioso judeu, o rabino Chaim L. Rottenberg, em Monsey, Nova Iorque, onde dezenas de pessoas se tinham reunido para as celebrações do festival judaico Hanukkah. De acordo com várias testemunhas, assim que entrou o atacante disse que não seria permitido a ninguém sair daquela casa e, de imediato, exibiu a faca que trazia escondida consigo e começou a atacar todos os que lhe estavam mais próximos. As vítimas tentaram defender-se, atirando peças de mobília contra o atacante e barricando-se numa sinagoga num terreno adjacente à casa. Ao fim de menos de dois minutos, o atacante abandonou a residência, entrou num carro e dele se perdeu o rasto, mas não por muito tempo. Um dos presentes na cerimónia, Josef Gluck, conseguiu correr e sair de casa a tempo de tirar uma fotografia com o seu telemóvel à matrícula do carro do atacante, permitindo à polícia encontrá-lo ainda naquela noite, em Harlem, menos de duas horas depois do ataque, com o corpo coberto de sangue e o carro a cheirar a lixívia.

As vítimas: quantas e quem eram

Ao jornal norte-americano “Washington Post”, uma das testemunhas do ataque afirmou que foi um “milagre” o atacante não ter aparecido “mais cedo”, com a cerimónia a meio e a casa ainda cheia. Mas mesmo sem mortos o incidente da noite daquele sábado não será esquecido: cinco dos convidados para a cerimónia ficaram feridos e foram transportadas para hospitais nas imediações. No domingo, dois continuavam internados, um deles em estado crítico devido a ferimentos na cabeça. Foram avançadas notícias de que um dos feridos é filho do rabino Chaim L. Rottenberg, que abrira as portas de sua casa para a celebração judaica, mas a polícia ainda não confirmou essa informação. O que se sabe, sem dúvida, é que todos os judeus presentes fazem parte da comunidade hassídica (ultra-ortodoxa) de Monsey, no Condado de Rockland, a cerca de 48 quilómetros da cidade de Nova Iorque.

Grafton E. Thomas, 37: o suspeito do ataque

Depois de encontrado pela polícia com restos de sangue e sentado ao volante de um carro com um cheiro intenso a lixívia, o suspeito do ataque foi identificado como sendo Grafton E. Thomas, residente em Greenwood Lake (onde vivia, ao que tudo indica, com a mãe desde 2001, já depois de ter vivido em Brooklyn, a cerca de 32 quilómetros de Monsey, onde se deu o ataque). Um nome que, quando introduzido nas bases de dados das autoridades norte-americanos, deu origem a todo um mundo de correspondências, como as suas sete detenções desde 2001, por “roubo, ferimentos a um animal da polícia e crimes relacionados com substâncias ilícitas”, conforme avançou o “Washington Post”, citando fontes oficiais na área da segurança. Mas há mais: em 2018, o suspeito terá sido acusado de “posse de arma e ameaças a agentes da autoridade”, revelou o “New York Times”. No último domingo, Grafton E. Thomas foi acusado de tentativa de homicídio e roubo e declarou-se inocente. Foi libertado mediante o pagamento de uma fiança, fixada no valor de cinco milhões de euros, mas em breve voltaria a ser ouvido.

Porque é que fez o que fez?

No domingo, o governador do Estado de Nova Iorque, Andrew Cuomo, considerou o ataque um ato de “ódio” e “terrorismo doméstico”, e um dia depois, em entrevista à NPR, o “mayor” de Nova Iorque, Mayor Bill de Blasio, falou em antissemitismo, fenómeno este que, afirmou, “está a crescer em todo o país e toma formas cada vez mais violentas”. Mas é preciso considerar outros aspectos. Segundo Wendy Paige, reverenda que conhece e vê frequentemente Grafton E. Thomas na sua igreja, este “não é um terrorista, antes um homem com problemas de saúde mental a que o sistema nunca soube dar resposta”. E por problemas de saúde mental deve entender-se esquizofrenia, doença que terá sido diagnosticada ao suspeito “há duas décadas”, conforme disse Paige numa entrevista posterior ao “New York Times”. “Não houve quem apresentasse uma solução real para lidar com a doença. Todos aqueles a quem Thomas pediu ajuda disseram-lhe: ‘Vai para casa e liga-nos se acontecer alguma coisa’”.

A defesa do suspeito optou pela mesma via, referindo, em comunicado divulgado no domingo, que Thomas “tem um longo historial de doença mental e internamentos”. Um dos advogados, Michael Sussman, negou que o suspeito tenha “um historial de antissemitismo” ou seja sequer “membro de grupos de ódio”. Nesse mesmo e-mail que chegou à redação de um jornal americano, o advogado afirmou que “os atos de que Grafton E. Thomas é acusado, se é que os cometeu mesmo, refletem de forma trágica a sua profunda doença”, sendo prova disso o “tratamento que recebeu antes de ser libertado”.

Quais as novidades?

Grafton E. Thomas está claramente em maus lençóis: na segunda-feira, o “New York Times” noticiou que o suspeito foi presente a tribunal novamente e acusado de crimes de ódio federais, depois de a polícia ter encontrado um caderno seu com suásticas e estrelas de David desenhadas por si e palavras como “cultura nazi” escritas em várias páginas, e de o seu histórico de pesquisas na Internet ter revelado que, em termos, quisera perceber porque é que “Hitler odiava judeus” ou onde é que havia “templos judaicos” perto de si ou “sionistas” ou quais as “empresas importantes que foram fundadas por judeus na América”.

Isso mesmo revelou o “New York Times”, acrescentando que o ataque de sábado é apenas o mais recente de vários incidentes semelhantes que têm ocorrido nos bairros de judeus ultra-ortodoxos. De acordo com Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla inglesa), uma organização norte-americana que denuncia e combate o racismo e o antissemitismo, 2018 foi um dos três anos desde que é reunido este tipo de informação, há 40 anos, em que houve mais ataques antissemitas. E na cidade de Nova Iorque, o número de crimes de ódio contra judeus aumentou 23% este ano, segundo dados cedidos pela polícia.

Precisamente por causa disso, o “mayor” de Nova Iorque anunciou um reforço policial nas ruas dos bairros judeus ou com judeus e em eventos específicos, e a instalação de câmaras de segurança nesses mesmos bairros, mas as medidas foram criticadas por várias comunidades judaicas, que temem ainda mais rancor e ódio e divisões em meios “já de si vulneráveis”. “O objetivo deveria ser apostar em soluções que garantam a segurança de todas as comunidades e não responder à violência antissemita colocando em causa os direitos das comunidades negra e latina”, afirmou a organização Jews for Racial & Economic Justice no Twitter.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

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