VOX, O GUARDIÃO DAS ESSÊNCIAS
O conflito na Catalunha e a exumação dos restos de Franco foram autênticos brindes para a explosão de apreço em relação ao Vox
Albert Rivera (do Cidadãos, C’s) deu o tom há poucos dias ao protagonizar um anúncio televisivo no qual aparecia com um adorável caniche ruivo, que apresentava como a sua “arma secreta” para o fundamental debate de segunda-feira, dia 4, entre os cinco líderes que aspiram a ganhar as eleições de 10 de novembro. A imagem e as palavras de Rivera tornaram-se virais nas redes sociais.
Não tardou a responder-lhe o Vox, partido que é o mais genuíno representante em Espanha da corrente ultradireitista que se instalou na Europa: daí a pouco publicou uma fotografia do seu líder, Santiago Abascal (43 anos), junto de um feroz tigre, e outra do secretário-geral, Javier Ortega Smith (51 anos), montando um brioso cavalo com grande desenvoltura. O episódio reflete a atitude com que querem ver-se contemplados pelos cidadãos estes novos atores políticos: são os mais machos, os mais autênticos, os mais valentes. São os verdadeiros depositários do patriotismo e da hispanidade.
O Vox parece destinado a ser a verdadeira surpresa nas eleições gerais de domingo. Nasceu em 2014 como resposta à deriva centrista e contemporizadora do Partido Popular (PP, centro-direita), então presidido por Mariano Rajoy. Abascal e um grupo de amigos propuseram-se recolher o crescente descontentamento de muitos cidadãos face ao crescimento, cada vez mais desafiador, do independentismo catalão. Espanha parecia ser, com Portugal, o único país europeu imune ao contágio das correntes racistas, xenófobas e ultranacionalistas que se instalavam na maioria dos países do continente.
Após um começo titubeante e vários fracassos em eleições regionais, municipais e europeias, o Vox participou nas eleições regionais da Andaluzia em dezembro de 2018, onde ganhou 12 lugares no Parlamento local. O Vox fez-se credor da sua parte de mérito em desalojar o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, social-democrata) da governação da Andaluzia ao fim de 36 anos consecutivos e converteu-se na chave para a formação de um novo governo regional graças a um acordo com o PP e o Cidadãos.
A Andaluzia foi a caixa de ressonância mais eficaz para a difusão das mensagens do Vox e a catapulta para a apresentação nacional do seu projeto, que obteve o apoio de 10,26% dos eleitores nas legislativas de 28 de abril deste ano. Isso proporcionou-lhe 24 deputados no Parlamento nacional, tendo as eleições regionais de maio feito do Vox partido-chave para a formação de governos em comunidades autónomas tão importantes como Madrid.
Perante o confronto eleitoral do próximo domingo, Abascal e as suas hostes contam com o favor das sondagens, que lhe vaticinam até 44 deputados, conseguidos à custa dos seus rivais do espectro da direita política, PP e C’s, e até de alguns sectores descontentes do PSOE. Vários analistas políticos afirmam que, se houve vencedor no decisivo debate televisivo da noite de segunda-feira, dia 4, foi Abascal.
O dirigente ultradireitista conseguiu exprimir as suas mensagens com nitidez, sem impedimentos nem manipulações, e as suas fórmulas para tirar Espanha da crise institucional de que padece devido à situação na Catalunha soaram como aquilo que são, drásticas e excessivas, sim, mas claras e compreensíveis. É certo que o desafio nacionalista catalão, a atitude dos governantes de Barcelona e os gravíssimos distúrbios nas ruas que se seguiram à sentença condenatória do Tribunal Supremo derivada do processo separatista de outubro de 2017 foram um maná caído do céu para o crescimento do Vox.
Como diz o politólogo Fernando Vallespín, que acompanhou de muito perto a evolução dos factos catalães, os distúrbios em Barcelona e noutras cidades foram um verdadeiro “brinde” para o Vox. “Um nacionalismo exacerbado suscita o seu contrário”, explica Vallespín. “O radicalismo chama o radicalismo de sinal inverso.”. E acrescenta: “Uma campanha apresentada como choque de identidades nacionais só pode beneficiar a direita”.
Abascal realizou uma pré-campanha de grande proximidade. Não desdenha os comícios e o apoio das massas, mas manobra muito bem as redes sociais e prefere percorrer com a sua furgoneta e rodeado de um pequeno grupo de apoio as povoações e cidades de toda a Espanha. Completou assim mais de 20 mil quilómetros nas últimas semanas, dando solidez às suas qualidades de bom orador e às suas mensagens simples e claras: o sistema autonómico em que se organizou o Estado espanhol é o culpado do desperdício de entre 60 mil e 90 mil euros anuais e implicou que se entregasse a dirigentes indesejáveis a gestão de temas tão sensíveis como a educação e a saúde, o que torna imprescindível uma recentralização imediata.
Na Catalunha, onde se produz, segundo Abascal, “um golpe de Estado permanente”, é preciso intervir na autonomia, deter o presidente regional Quim Torra e, por extensão, ilegalizar todos os partidos nacionalistas com aspirações de autodeterminação, com especial referência para o Partido Nacionalista Basco (PNV). É preciso suprimir as prestações sanitárias gratuitas aos imigrantes em stiuação ilegal e devolver sem contemplações aos seus países de origem as pessoas que pretendam entrar em Espanha sem a devida autorização.
O Vox e os seus dirigentes declaram-se opostos às políticas de género impulsionadas pelos últimos governos, brandem um discurso negacionista das alterações climáticas, não sentem embaraço em desdenhar a legislação que favoreça o coletivo LGTBI e declaram-se antieuropeístas. Da mesma forma que a situação na Catalunha implicou um notável impulso para a posição do Vox nas sondagens, a exumação dos restos do ditador Franco resultou num incentivo para reunir em torno deste partido político os nostálgicos do franquismo, que ainda os há.