Com a exumação de Franco faz-se campanha política em Espanha
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O corpo do ditador Francisco Franco é retirado amanhã do Vale dos Caídos. Passados 44 anos, Espanha tenta emendar a história recente do país. O PSOE poderá tirar dividendos políticos nas eleições de dia 10 de novembro, ao mesmo tempo que afasta a sombra da Catalunha da atenção mediática
Enquanto a Catalunha ainda recobra dos tumultos dos últimos dias, Madrid já tem os olhos postos no Vale dos Caídos. Quinta-feira marca o dia que Pedro Sanchéz prometeu em junho de 2018, pouco depois de ter tomado o lugar de Mariano Rajoy na liderança do país. A exumação do ditador espanhol Francisco Franco, enterrado num monumento nacional (que ele próprio mandou erigir), vai acontecer. De nada serviram os processos judiciais que os descendentes de Franco colocaram, no embate com a controversa Lei da Memória Histórica aprovada em 2007.
Quando faltam pouco mais de quinze dias para 10 de novembro, data das quartas eleições legislativas espanholas no espaço de dois anos, não podia cair no colo de Pedro Sanchéz melhor “ativo político”. “A exumação [de Franco] é um tema que a esquerda espanhola tem claro, mas a direita está mais dividida. A curto prazo, pode ajudar os interesses do Governo, afastando temas menos convenientes, como a Catalunha, da agenda”, diz Pablo Simón, politólogo e professor de ciência política na Universidade Carlos III de Madrid, ao Expresso.
Desde que foi conhecida a sentença dos líderes independentistas, o PSOE tem vindo a cair nas intenções de voto. (No sentido contrário, o Vox, partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascal, subiu a um surpreendente terceiro lugar em algumas sondagens.) Todavia, com a exumação, Pedro Sanchéz conseguirá agora “capitalizar eleitorado indeciso” e alfinetar os partidos à direita - PP e Ciudadanos - que não têm uma posição clara sobre o tema, garante o politólogo espanhol.
Rodolfo Irago, antigo diretor de comunicação do PSOE, nos tempos de Alfredo Pérez Rubalcaba, tem a mesma opinião que Pablo Simón. E diz que apesar de contestada, a decisão de mover o corpo de Franco foi uma escolha acertada. “É algo que não poderíamos ter feito há 40 anos, mas que seria preciso fazer em algum momento. Não podíamos ter um monumento nacional com ditador lá dentro”, afirma.
À esquerda do PSOE, Juan Carlos Monedero fala mesmo na exumação como uma “necessidade democrática”.“Não faz sentido haver um mausoléu a Franco”, diz Monedero, um dos ideólogos do movimento 15M e antigo líder do Podemos, em declarações ao Expresso.
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Vox: “um ataque à transição democrática”
Na realidade espanhola, o Vox é o único partido em contraciclo. Ao Expresso, Juan Pflüger, diretor de comunicação do Vox, garante que o partido mais do que contra a exumação de Franco, está contra a “Lei da Memória Histórica”. “Cada vez que há umas eleições, o PSOE saca algo da Lei da Memória Histórica para dispersar atenções do que é realmente importante debater. Por exemplo, a maioria dos jornais não está agora [terça-feira, dia 22 de outubro] a debater a emergência social que se passa na Catalunha”, atira.
Pflüger defende ainda que a exumação de Franco, de acordo com a legislação espanhola, é ilegal. “Mover um corpo de um sítio para outro, sem a autorização da família e dos responsáveis locais é profanação”, diz. Esta exceção, garante, abre caminho a outros casos. “O fundamental não é ser Franco. Podia ser qualquer outra pessoa ou até o líder Pablo Iglesias [fundador do PSOE], que não abdicaríamos da nossa posição. Este é um ataque à transição democrática espanhola e ao pacto de 1978, que pode afetar a ordem que se instituiu no país para sair da ditadura.”
A exumação do corpo do ditador ocorrerá na presença de familiares e da ministra da Justiça espanhola, numa cerimónia silenciosa e sem direito à entoação de músicas - algo que chegou a ser exigido; após o procedimento, os restos mortais do ditador serão transportados, de helicóptero, para o cemitério de Mingorrubio, onde se encontra o panteão da família.
A comunicação social não terá direito à captação de imagens; há mais de duas semanas que a capela, no Vale dos Caídos, onde se encontra Franco, está fechada ao público e é guardada por um grande contingente policial.