Boris Johnson está mais preocupado com “um estúpido jogo de atirar culpas” do que em conseguir um acordo para o Reino Unido sair da União Europeia (UE). As palavras são de Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, que parece ter perdido de vez a paciência com o chefe do Governo britânico.
“Boris Johnson: não está em causa ganhar um estúpido jogo de atirar culpas. O que está em causa é o futuro da Europa e do Reino Unido, tal como a segurança e os interesses dos nossos povos. Não quer um acordo, não quer um adiamento, não quer uma revogação, quo vadis?”, escreveu Tusk na rede social Twitter.
Não é a primeira vez que Tusk põe o dedo na grande úlcera europeia chamada Brexit. Basta lembrar o dia em que “brincou” com a anterior primeira-ministra, Theresa May, publicando uma fotografia de um bolo no Instagram e utilizando como legenda a frase “sem cereja em cima do bolo”, para frisar que o Reino Unido não podia praticar cherry-picking (literalmente, apanhar cerejas), expressão idiomática usada por comentadores e políticos para descrever um acordo em que Londres escolhesse que vantagens da pertença à UE queria conservar após a saída, livrando-se de deveres como a livre circulação de pessoas.
As palavras duras de Tusk chegam depois do relato feito por Downing Street da conversa telefónica do primeiro-ministro britânico com a chanceler alemã, Angela Merkel, esta terça-feira de manhã. Segundo a informação facultada pelo Governo britânico à imprensa inglesa, Merkel terá dito a Johnson que um acordo “é mesmo muito pouco provável”. Em consequência, o próprio Governo de Johnson sublinha que “as conversações estão à beira do colapso”, escreve a Sky News.
Durante os 30 minutos de conversa, Johnson terá explicado a Merkel as suas propostas para um novo acordo, incluindo a mais controversa: o primeiro-ministro quer apagar do acordo a alínea que garante o “travão” à nova fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda no Norte. A UE mantém, desde o início das negociações, que esse mecanismo tem de existir, por isso a conversa nada mudou na perceção sobre as exigências mútuas. Johnson leu esta “nega” de Merkel como sinal de “pouco interesse por parte da UE em negociar”.
Se as negociações fracassarem, os deputados britânicos opositores de um Brexit sem acordo ficam diante de um grande dilema: ou confiam que a “lei Benn”, que impede o primeiro-ministro de retirar o país da UE sem acordo, vai ser honrada e é suficientemente robusta; ou apresentam uma moção de censura, empossam novo Governo e garantem que essa saída à bruta não acontece.
O problema é que isso já não poderá ser feito esta semana. O Parlamento fecha terça à noite (desta vez, legalmente) para preparar a nova sessão legislativa, inaugurada na próxima segunda-feira com o tradicional discurso da Rainha. Este é escrito pelo Executivo e delineia prioridades de ação. Seguem-se, normalmente, seis dias de debate, o que atrasaria qualquer moção de censura até à semana seguinte, já depois do Conselho Europeu de 17 e 18 de outubro, visto como a última oportunidade para ambas as partes de chegarem a acordo.
Na revista “The Spectator”, próxima dos conservadores, o jornalista James Forsyth descreve uma conversa com um conselheiro de Johnson — que já se especula ser o todo-poderoso cérebro do plano inicial do Brexit, Dominic Cummings — onde o “ponto crítico” das negociações fica igualmente claro. Essa fonte disse ao jornalista que “a UE pensa que iremos sempre voltar atrás, com novas propostas para novas negociações, mas isso não acontecerá com este Governo”. A solução é mais drástica, no entender deste membro do Governo do Boris: “Ou saímos sem acordo agora, dia 31 de outubro, ou saímos sem acordo depois de eleições”.
Ganha cada vez mais espaço no discurso do Governo britânico um tom de “Parlamento contra o povo”. Isto, claro, entre os que permanecem ao lado de Johnson. Outros têm-se afastado, desde os deputados que saíram do Partido Conservador este ano para fundar, com ex-trabalhistas, o partido Change UK, aos 21 deputados que o próprio primeiro-ministro expulsou do seu partido por terem votado a favor da “lei Benn”, que o obriga a pedir novo adiamento da saída da UE se não conseguir um acordo até 19 de outubro.
O último ex-militante dos conservadores a encontrar novo poiso foi Heidi Allen, que na segunda-feira aderiu aos Liberais Democratas, depois de ter passado pelo Change UK. Os liberais passam a ser 19, embora só tenham eleito 12 deputados nas legislativas de 2017, em grande parte por se assumirem como o partido que quer inequivocamente manter o Reino Unido na UE.
Cummings tem passado informações à imprensa com vista a uma escalada de tensão. A possibilidade de todas estas conversas e trocas de tweets serem propositadamente hiperbolizadas é apontada por Jenny Hill, jornalista da BBC: “Há que ter em conta que Angela Merkel raramente usa linguagem de confronto, que raramente é divulgada informação sobre as conversas que mantém e que a Alemanha não utiliza palavras que possam inflamar as tensões entre o Reino Unido e a UE”.
Segundo as informações que a jornalista da BBC partilhou no Twitter, o Governo alemão mantém-se disponível para negociar um acordo do Brexit porque a Alemanha não quer uma saída do Reino Unido sem acordo. “Falei com o presidente de uma associação alemã de exportadores e eles estão horrorizados com essa possibilidade.”
Por volta da hora de almoço de terça-feira, uma versão “oficial” da conversa de Merkel e Johnson acabou por ser divulgada no diário “The Guardian”, de forma algo diluída mas sem desmentir os relatos anteriores. “As negociações estão num ponto crítico”, foi a frase que a fonte escolheu para descrever o que se passa.
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