Boris Johnson mentiu, acusa em tribunal o ex-primeiro-ministro John Major
Ex-governante afirma no Supremo Tribunal que objetivo da suspensão do Parlamento foi impedir o trabalho de supervisão da atividade governativa pelos deputados
Ex-governante afirma no Supremo Tribunal que objetivo da suspensão do Parlamento foi impedir o trabalho de supervisão da atividade governativa pelos deputados
Editor da Secção Internacional
John Major não acredita nas razões dadas por Boris Johnson para suspender o Parlamento do Reino Unido. O Supremo Tribunal britânico ouviu hoje os argumentos do ex-primeiro-ministro conservador (1990-97), num processo que questiona a legalidade da decisão do seu atual sucessor.
Houve “motivos ulteriores”, garante o antigo governante. A seu ver, Johnson quis impedir os deputados de exercerem o devido escrutínio da ação governativa, num momento crucial para o processo de saída da União Europeia. A suspensão, em vigor desde 9 de setembro, só termina a 14 de outubro, duas semanas antes do prazo legal para o ‘Brexit’.
Através do seu advogado, Major considerou que a duração da interrupção dos trabalhos parlamentares (cinco semanas) é excessiva para a explicação dada por Johnson: a preparação do discurso da rainha, prática anual de início da sessão legislativa, em que o monarca lê um texto preparado pelo Governo a indicar o que tenciona fazer no ano seguinte.
O Supremo está a avaliar, em sede de recurso, duas decisões diametralmente opostas das justiças inglesa a escocesa. A primeira considerou a suspensão do Parlamento um assunto político que deve ficar fora da alçada dos tribunais. A segunda decretou que a decisão fora ilegítima, já que os motivos indicados por Johnson a Isabel II para solicitar a suspensão não correspondiam à verdade. O primeiro-ministro quis, escreveram os juízes, “abafar” a função de escrutínio dos deputados. Precisamente a acusação que faz Major.
Se a primeira tese vingar, avisou o ex-primeiro-ministro, qualquer chefe de Governo poderia encerrar o Parlamento de forma discricionária, “por qualquer motivo”. Major exemplifica: um primeiro-ministro poderia suspender a sessão parlamentar se os deputados legislassem para limitar ao Executivo esse mesmo poder, impedindo a lei de ser promulgada pela rainha; um primeiro-ministro que fosse contra a existência de forças armadas poderia suspender o Parlamento pouco antes da caducidade da respetiva lei orgânica, o que levaria à desmobilização dos corpos militares; ou mesmo antes da votação de uma moção de censura, caso o primeiro-ministro presumisse que ia perder, para evitar ter de se demitir.
Outro argumento de Major é que nos julgamentos em primeira instância o Governo de Johnson não apresentou qualquer testemunha que corroborasse a ideia de que a suspensão se destina apenas a preparar o discurso da rainha. Ora, o primeiro-ministro tem o dever “de explicar todos os factos e o raciocínio subjacente à decisão contestada”, alega o homem que sucedeu a Margaret Thatcher à frente do Partido Conservador e do Executivo. Se não o faz, “a única explicação concebível é que os verdadeiros motivos, se revelados, prejudicariam o seu caso”.
Durante a manhã desta quinta-feira os magistrados ouviram pareceres dos governos regionais escocês, galês e norte-irlandês. Os representantes do Governo britânico contra-alegarão à tarde.
Um dos advogados por detrás do processo lançado na Escócia está convencido de que Johnson não pretende, caso perca o processo no Supremo, reconvocar imediatamente o Parlamento. Jolyon Maugham cita documentos do Governo, que este não divulga em público, segundo os quais a suspensão do Parlamento (em vigor desde 9 de setembro) duraria até 14 de outubro, como previsto.
Um dos causídicos do Governo neste processo, Lord Keen, assegurou que Johnson “tomaria todas as medidas necessárias para cumprir qualquer determinação do tribunal”. Os documentos citados por Maugham indicam, porém, que a reabertura do Parlamento não é uma certeza, a não ser que o Supremo a ordene expressamente, e que Johnson poderá mesmo repetir a decisão de suspender os trabalhos, presumivelmente invocando argumentos lícitos.
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