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Parlamento Europeu não dispensa ‘backstop’ irlandês no acordo do Brexit

Parlamento Europeu não dispensa ‘backstop’ irlandês no acordo do Brexit
HENRY NICHOLLS/ reuters

Eurodeputados vetarão acordo que não salvaguarde a livre circulação entre as Irlandas, revela documento divulgado por “The Guardian”. Resolução a debater para a semana também critica Londres por dificultar estatuto de residente permanente para os cidadãos da UE

Parlamento Europeu não dispensa ‘backstop’ irlandês no acordo do Brexit

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

O Parlamento Europeu recusar-se-á a ratificar um acordo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE) se este não incluir uma cláusula de salvaguarda (conhecida por backstop) para evitar repor a fronteira entre as Irlandas, revela “The Guardian”. O diário britânico adianta, com base no texto de uma resolução a ser votada na semana que vem e a que teve acesso, que os eurodeputados irão também criticar o tratamento dado pelo Governo britânico aos cidadãos dos 27 que vivem no Reino Unido.

Redigida pelos maiores grupos políticos europeus (populares, sociais-democratas e liberais), a resolução critica o Executivo de Boris Johnson por “insistir que o backstop tem de ser retirado do acordo de saída, sem até agora ter apresentado propostas legalmente viáveis que possam substituí-lo”.

O documento a ser discutido salienta também um “ambiente hostil” criado por Londres em relação aos cidadãos de outros países da UE. Tem crescido o número de candidatos a residente permanente oriundos dos 27 que obtêm como resposta que não têm esse direito automático: de 32% para 42% dos aspirantes ao longo deste ano.

O Parlamento Europeu preferiria um regime de atribuição automática desse estatuto, cabendo do Governo britânico fundamentar as rejeições. A ministra do Interior de Johnson, Priti Patel, é considerada da ala dura e forte defensora do controlo da imigração.

“Os cidadãos comunitários continuam sujeitos a uma intolerável incerteza e enfrentam uma atitude displicente por parte do Ministério do Interior”, afirmou ao jornal londrino a eurodeputada liberal Luisa Porritt, para quem os 27 “têm razão em escandalizar-se com a forma como o Governo desprezou os seus direitos e o Estado de Direito”.

O impossível quebra-cabeças irlandês

Devido ao Brexit, a fronteira (hoje invisível e atravessada por milhares de pessoas todos os dias) entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (independente e membro da UE) ganha novo significado. Doravante essa linha de 500 quilómetros será a única separação terrestre entre a UE e o Reino Unido.

Dado que Londres decidiu abandonar também o mercado único e a união aduaneira e exige controlar a imigração comunitária, e uma vez que para os 27 é inaceitável dividir as liberdades de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, ou há uma solução futura que a obvie ou volta a ter de haver infraestrutura física e controlos na fronteira irlandesa. O backstop estipula que caso essa solução não surja até ao final de 2020 (período de transição do Brexit), o Reino Unido terá de ficar em alinhamento regulatório com a UE e a Irlanda do Norte sujeita a regras do mercado único.

Este aspeto contribuiu para o chumbo por três vezes do acordo negociado entre Bruxelas e May. A ala mais eurocética do seu Partido Conservador considera que esta solução mantém os britânicos demasiado unidos à UE. E o Partido Unionista Democrático (DUP), de quem dependia o Executivo minoritário, considera que estas disposições separam demasiado a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido.

Bruxelas não tem problemas com o backstop. Os 27 estariam, no limite, dispostos a limitá-lo à Irlanda do Norte em vez de alargá-lo a todo o Reino Unido (era, de resto, a sua proposta inicial). O que é certo, lê-se no texto divulgado, é que “não consentirá um acordo de saída sem backstop”.

Trata-se de proteger não só a integridade do mercado único e a livre circulação na ilha irlandesa como o respetivo processo de paz, de que a inexistência prática de fronteiras é um ponto forte. Recorde-se que só há 21 anos o acordo de Sexta-feira Santa pôs fim a décadas de confronto sangrento entre protestantes unionistas e católicos partidários da reunificação das Irlandas.

Os governos de May e Johnson deram sinais de não querer manter todas as regulamentações comunitárias, o que em teoria favorece o seu esforço de obter acordos comerciais com países terceiros após o Brexit. Isto, argumentam os eurodeputados “põe em causa quão próxima pode ser a futura relação económica entre o Reino Unido e a UE”. Proteger os consumidores, os trabalhadores e o ambiente é, dizem, imprescindível.

Londres quer contornar Bruxelas

Neste contexto, informa o Politico.eu, o Reino Unido tem abordado bilateralmente vários países da UE para tentar lançar as bases de acordos comerciais, sem passar por Bruxelas. A medida visa, sobretudo, o cenário de um Brexit sem acordo. Nenhum Estado-membro pode negociar acordos comerciais com o Reino Unido fora do âmbito da UE.

O jornal digital avança que o negociador-chefe dos 27 para o Brexit, Michel Barnier, não apreciou o gesto de Londres, que vê como tentativa de “dividir para reinar”. Um porta-voz do Ministério da Saída da UE desmente essa versão e explica que o Reino Unido atua em duas vertentes: negociar para alterar o acordo de May e conseguir acordos bilaterais para proteger os direitos dos cidadãos caso essa negociação acabe por fracassar.

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