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“Forte nacionalismo e intolerância em relação aos que vêm de fora”. Um retrato do Reino Unido pela primeira-ministra escocesa

“Forte nacionalismo e intolerância em relação aos que vêm de fora”. Um retrato do Reino Unido pela primeira-ministra escocesa
Ken Jack

Depois da aprovação no Parlamento britânico do projeto de lei que evita a saída sem acordo, Nicola Sturgeon acredita que ainda é possível evitar uma saída abrupta ou uma saída de todo. A independência da Escócia mantém-se a principal reivindicação e a União Europeia “é cada vez mais favorável a isso”, garantiu a primeira-ministra escocesa

“Forte nacionalismo e intolerância em relação aos que vêm de fora”. Um retrato do Reino Unido pela primeira-ministra escocesa

Helena Bento

Jornalista

Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa, não tem dúvidas. “O Brexit acelerou o processo de rutura do Reino Unido.” Não que esse processo tenha começado apenas agora, mas a perspetiva de saída do Reino Unido da União Europeia fê-lo avançar e muito, disse a ministra em entrevista ao “El País”. “O Governo mostrou-se incapaz de levar em consideração as opiniões e sentimentos das quatro nações que formam o reino. E demonstrou indiferença em relação à Escócia”.

A possibilidade de o Reino Unido sair da UE sem acordo tornou-se mais remota depois de a oposição britânica e alguns conservadores terem conseguido a aprovação do Parlamento para fazer avançar o projeto de lei que evita a saída sem acordo (foi aprovado com 327 votos a favor e 299 contra), mas não desapareceu.

Nicola Sturgeon, por seu lado, confia que se vai conseguir evitar essa saída abrupta. “A situação é bastante imprevisível, mas a aprovação do projeto de lei por parte da Câmara dos Comuns veio afastar ainda mais essa possibilidade. Creio que ainda podemos evitar o não-acordo. Não foi para isso que a Escócia votou”.

Aliás, o maior desejo da primeira-ministro escocesa é que não haja Brexit de todo. E que a independência do país continue a ser uma hipótese válida, conforme referiu na entrevista ao jornal espanhol, expressando assim aquela que tem sido uma das suas principais reivindicações. “Em 2014, as instituições europeias mostraram-se desfavoráveis à independência, mas acho que a sua posição mudou muito desde então. Todas as reuniões e conversas que tive até agora assim o indicam. O Brexit ajudou a União Europeia a entender porque é que a Escócia quer a independência.”

Nicola Sturgeon vê com bons olhos a antecipação das eleições legislativas, que ainda não têm data marcada — Boris Johnson tentou marcá-las para 15 de outubro mas viu a sua proposta ser rejeitada pela oposição, prevendo-se uma nova tentativa na próxima segunda-feira. “A prioridade esta semana foi evitar a saída sem acordo mas sim, gostaria muito que houvesse eleições para acabar com este governo”. E coligar-se com os trabalhistas seria uma hipótese? A pergunta exige cautela. “É certo que Corbyn nunca se mostrou muito contra o Brexit nos últimos dois anos, e continuo sem saber o que ele pensa sobre o assunto, mas temos colaborado para evitar o pior cenário possível.”

E o pior cenário possível inclui, definitivamente, Boris Johnson. “Não sou fã dele. Já estive com ele presencialmente e ele comporta-se exatamente da forma como se comporta em público: é muito explosivo e não responde a nada de forma detalhada. Muita eloquência e pouca ação. Acho que está obcecado com o Brexit e quer que o Reino Unido deixe a União Europeia seja de que maneira for, e independentemente dos estragos que isso possa causar”, afirmou a primeira-ministra escocesa, considerando que se está a assistir “ao surgimento de um forte nacionalismo inglês”, que se reflete numa “intolerância insular em relação aos que vêm de fora”. Foi isso que causou o Brexit, disse ainda, tendo um “certo grupo de políticos aproveitado esse sentimento para contar uma série de mentiras à população durante a campanha para o referendo de 2016, como o facto de a UE ser a culpada de todos os nossos males e de estarem para chegar coisas maravilhosas.”

O primeiro-ministro britânico garantiu recentemente que se tem esforçado por chegar a um entendimento com a UE mas Nicola Sturgeon não acredita nisso. “Não está a fazer nenhum esforço nesse sentido.” Relativamente às comparações que têm sido feitas entre Johnson e Trump, a ministra escocesa vê nelas alguma validade. “Esta ideia de que um político britânico possa tomar o Presidente norte-americano como exemplo continua a ser muito estranha para mim, mas sim, há semelhanças, sobretudo nessa tendência para acreditar que o que se diz não tem consequências. Muito do que vemos hoje em dia em Boris Johnson veio do manual de instruções de Trump”, acrescentou.

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