Enquanto no Reino Unido se arrasta a novela do braço-de-ferro entre Governo e Parlamento, em Bruxelas, a Comissão Europeia soma novo capítulo aos planos de contingência. Em caso de um Brexit sem acordo a 31 de outubro, poderão vir a ser mobilizados 600 milhões de euros do Fundo de Solidariedade da União Europeia.
A proposta legislativa apresentada esta quarta-feira permite que parte do dinheiro destinado a fazer face a catástrofes naturais em 2020 possa ser utilizado para cobrir o desastre político e os "pesados encargos financeiros que um cenário de saída sem acordo pode impor aos Estados-Membros".
Irlanda, França ou Holanda estão entre os países que mais poderão ser afetados por um Brexit caótico, mas todos os 27 poderão candidatar-se ao Fundo e receber algum dinheiro desde que preencham as condições e critérios. A Comissão de Jean-Claude Juncker alarga, assim, o âmbito de aplicação desde instrumento, mas segundo fontes comunitárias a alteração não viola a base jurídica de um fundo que não foi criado para fazer face à saída de um país membro.
As mesmas fontes garantem, ainda, que mesmo que a totalidade dos 600 milhões de euros viesse a ser utilizada, sobrariam outros 600 milhões no Fundo de Solidariedade para fazer face a eventuais catástrofes naturais, como incêndios ou cheias. Até agora, "muito raramente" se gastou esse valor num ano. No caso de 2019, sobrou um montante significativo que passa para 2020 e ajuda a compor o bolo total.
Apoio para desempregados do Brexit caótico
O único país que não poderá recorrer a este dinheiro é o Reino Unido. Ainda que saia e decida continuar a contribuir para o Orçamento Comunitário em 2020 - o que lhe daria acesso a outros Fundos Europeus do atual quadro comunitário - teria o acesso vedado a este envelope específico, tal como ao Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização.
No caso deste último, o montante previsto é menor - ronda os 180 milhões - mas poderá ser mobilizado para apoiar "os trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes que sejam despedidos em resultado de um cenário de saída sem acordo", diz um comunicado do executivo comunitário. Uma vez mais haverá condições a cumprir.
"Para estarmos totalmente preparados para um eventual Brexit sem acordo, apresentamos as propostas legislativas necessárias", afirmou esta quarta-feira a porta-voz da Comissão Europeia Mina Andreeva, rejeitando, no entanto, alimentar a ideia de que o Brexit caótico é hoje mais provável do que nunca e que, por isso, são necessárias mais medidas financeiras como as que agora foram apresentadas.
"É melhor prevenir do que remediar", justificou. Antes, tinha voltado a repetir que Bruxelas continua "disposta a trabalhar de forma construtiva com Boris Johnson e a analisar as propostas concretas que ele possa ter", desde que estas respeitem o que está no Acordo fechado com a sua antecessora, Theresa May. "Pode haver voltas e mais voltas nos desenvolvimentos políticos em Londres, mas a nossa posição é estável", garantiu ainda.
Faltam oito semanas para o adeus do Reino Unido à União Europeia. Se a data não for adiada, ou não for aprovado o Acordo, a saída caótica pode concretizar-se. A Comissão Europeia lança, por isso, um último apelo para que cidadãos e empresas se preparem e se informem sobre os planos de contingência preparados a nível nacional e europeu.
Planos de contingência também para pescas e agricultura
Esta quarta-feira, a Comissão Europeia atualizou, ainda, os planos de contingência criados para uma eventual saída caótica em março, que não veio a acontecer. No caso das pescas, Bruxelas propõe, agora, o acesso mútuo às águas dos dois blocos em 2020. Já os agricultores europeus, poderão recorrer aos instrumentos já existentes de apoios em caso de um Brexit não amigável.
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