“O povo de Hong Kong não vai parar de lutar”. Novo protesto junta 1,7 milhões, dizem organizadores
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As estimativas da polícia apontam para uma adesão inicial de 128 mil pessoas. Pelo 11º fim de semana consecutivo, os manifestantes voltaram este domingo às ruas. A chefe do Executivo “tem de responder às exigências dos manifestantes”, refere organizador do protesto. “Se continuar a fazer orelhas moucas, estará a instigar manifestações mais radicais”
A entidade organizadora da manifestação deste domingo em Hong Kong, a Frente Civil dos Direitos Humanos, estima em 1,7 milhões o número de pessoas que se concentraram no Victoria Park em protesto contra o projeto de lei de extradição. “Hoje foi pacífico, que é exatamente o que Carrie Lam pediu”, disse Jimmy Sham Tsz-kit, um dos organizadores, referindo-se à chefe do Executivo daquela região administrativa especial. As estimativas da polícia apontam para uma adesão inicial de 128 mil pessoas.
Pelo 11º fim de semana consecutivo, os manifestantes desafiaram a chuva torrencial, uma proibição da polícia e ameaças do Governo chinês e voltaram às ruas. Em causa está ainda a proposta, já abandonada mas não retirada completamente, que prevê a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições, designadamente a China continental, onde os críticos alegam não haver garantias de um julgamento justo. Foi este diploma que começou por levar as pessoas às ruas mas os manifestantes rapidamente alargaram as suas exigências.
“Lam tem de responder às cinco exigências dos manifestantes para mostrar aos habitantes de Hong Kong que a expressão pacífica e racional é ouvida, aceite e atendida. Se continuar a fazer orelhas moucas, estará a instigar manifestações mais radicais”, prosseguiu aquele organizador, citado pelo jornal de língua inglesa “South China Morning Post”. “As exigências dos manifestantes foram sempre claras: remover a definição de protestos como motins, retirar completamente a proposta de lei de extradição, retomar o processo de sufrágio universal genuíno, investigar a brutalidade policial através de uma comissão independente e amnistiar todos os manifestantes envolvidos nos protestos desde junho”, recorda a advogada Angeline Chan ao Expresso.
“A participação gigantesca não é inédita mas tem significado”
“Este domingo fizemos mais um protesto massivo. Foi apenas no Victoria Park porque as autoridades não autorizaram uma marcha. Trata-se de uma anomalia que vem do período colonial”, critica Chan. “Quando queremos exercer a nossa liberdade de reunião ou expressão através de uma marcha, que é um direito constitucionalmente garantido, precisamos de pedir uma licença à polícia. De qualquer modo, a polícia não nos deu essa autorização para marchar. No entanto, os manifestantes alinharam-se para entrar e para sair, portanto houve, de facto, uma marcha”, refere. De acordo com a polícia, só foi autorizada uma manifestação dentro do Victoria Park porque os organizadores não poderiam garantir a segurança pública após a violência de protestos recentes.
“Houve momentos nas duas últimas semanas em que pensei que o movimento estava a perder o seu apoio popular. A marcha deste domingo provou o contrário”, comenta Rachel Lao, também advogada em Hong Kong, em declarações ao Expresso. “A participação gigantesca não é inédita mas tem significado. É preciso ter em conta que isto acontece após mais de dois meses de protestos e apesar dos crescentes avisos de Pequim”, sublinha.
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Vídeo mostra polícia e Forças Armadas chinesas em treino conjunto
Na véspera, as manifestações antigovernamentais terminaram de forma relativamente pacífica, não tendo sido disparado gás lacrimogéneo pela polícia, escreve o “Morning Post”. O jornal de Hong Kong refere ainda que a Frente Civil irá pedir uma apreciação judicial da proibição da marcha e já solicitou autorização para uma outra, a 31 de agosto. A imagem internacional de Hong Kong tem sido afetada pelos protestos em curso, particularmente na sequência das recentes interrupções de serviços no aeroporto. O Governo de Lam já admitiu que a instabilidade está a provocar danos na economia da região.
Antes da manifestação de domingo, o “Diário do Povo”, o jornal oficial do Partido Comunista Chinês, noticiou a existência de um vídeo que alegadamente mostrava elementos da polícia e das Forças Armadas chinesas a realizarem um treino conjunto na cidade vizinha de Shenzhen. Apesar destes vídeos de propaganda e de a possibilidade ser repetidamente levantada pelos meios de comunicação oficiais de Pequim, não há, até ao momento, indicação de que militares chineses venham a entrar em Hong Kong.
“Onde há pessoas, há esperança”
Após quase três meses de protestos consecutivos, o que resta aos manifestantes? “Os estudantes voltam à escola a partir de setembro mas já se fala de protestos escolares e estou certa de que isso irá acontecer”, afiança Angeline Chan. “Este movimento não mostra quaisquer sinais de abrandar ou esmorecer, a menos que o Governo dê uma resposta substantiva às cinco exigências que os manifestantes têm feito repetidamente”, conclui a advogada.
A colega de profissão Rachel Lao lamenta que o Executivo não tenha respondido a qualquer exigência dos manifestantes no comunicado de imprensa da última noite. “Estou pessoalmente sensibilizada e orgulhosa da nossa unidade na marcha. As várias táticas antigovernamentais adotadas pelos manifestantes nas últimas semanas não nos dividiram, uniram-nos”, contrapõe. E remata, dizendo: “Onde há pessoas, há esperança. Não sabemos como isto irá acabar mas uma coisa é certa: o povo de Hong Kong não vai parar de lutar.”
A 1 de julho de 1997, a antiga colónia britânica passou para a administração chinesa sob o modelo “um país, dois sistemas”, que prevê um conjunto de liberdades, incluindo a liberdade de protesto e um sistema judicial independente, que não são gozadas na China continental. A chefe do Executivo de Hong Kong, apoiada por Pequim, já acusou os manifestantes de porem em causa aquele modelo.