Polícia de Hong Kong declara protestos ilegais mas manifestantes não desistem. “A marcha tem de continuar”
Protestos no Aeroporto Internacional de Hong Kong, esta sexta-feira, dia 26 de julho de 2019.
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A polícia não autorizou a manifestação marcada para esta sábado, que vai terminar precisamente no local onde dezenas de manifestantes pró-democracia foram atacados recentemente de forma muito violenta, invocando razões de segurança, mas ao mesmo tempo é acusada de violar a lei
Os protestos não foram autorizados pela polícia de Hong Kong, que alegou razões de segurança, mas, ao que tudo indica, vão acontecer na mesma. Estão marcados para esta sábado, em Yuen Long, no noroeste, onde no domingo passado dezenas de manifestantes pró-democracia foram atacados numa estação de metro. “A marcha tem de continuar”, afirmou Michael Mo, signatário do pedido de autorização submetido à polícia. Max Chung, outro signatário, anunciou que vai recorrer da decisão e que, apesar da resposta negativa, tenciona marchar, nem que o faça sozinho. “Isto não é um protesto. Estou só a informar-vos do que pretendo fazer. Não irei apelar a outros para se juntarem à minha caminhada”.
O pedido de autorização foi submetido há alguns dias e a resposta da polícia não tardou. Foram dadas várias justificações para a rejeição, a começar pela suspeita não justificada de que os manifestantes “vão acabar por entrar em confronto com os habitantes de Yuen Long, representando um risco não só para estes habitantes, como para os próprios manifestantes”, lê-se num documento citado pelo jornal online “Hong Kong Free Press”. A polícia refere que os organizadores do encontro “recusaram-se a alterar o seu itinerário, apesar dos pedidos que lhes foram dirigidos nesse sentido, e a dar informações sobre eventuais apoios durante o percurso, não tendo ainda conseguido provar que a manifestação será suficientemente vigiada, de modo a garantir a segurança”.
Mas há mais. De acordo com a polícia, a manifestação irá “criar sérios obstáculos nas estradas, não tendo os organizadores apresentado quaisquer estimativas de participação”. O local escolhido para o encontro, um parque com baloiços num dos bairros de Yuen Long, “não é o mais adequado” (além de “não ter sido pedida autorização” ao departamento que gere o local), e, “dado o ambiente dos últimos dias, “será impossível para os organizadores controlar os participantes”. “Mesmo que a polícia estabelecesse determinadas condições, continuaria a ser impossível garantir a segurança pública.”
Marcha irá terminar na estação de metro onde foram atacados dezenas de manifestantes no domingo passado
A decisão da polícia acabou por ser influenciada por alguns pareceres que foi recebendo, incluindo de um comité da região de Shap Pat Heung, a sul de Yuen Long, que numa carta dirigida às autoridades disse “opor-se fortemente” à marcha marcada para sábado. “Têm circulado informações online que dão conta de que os manifestantes vão atacar aldeias. Se a polícia permitir a sua realização, será responsável por todas as consequências”, afirmou o presidente desse comité, Ching Chan-ming.
Ataque a manifestantes em Yuen Long deixou pelo menos 45 pessoas feridas.
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As autoridades apontam irregularidades à organização mas a mesma queixa é-lhes dirigida. Em declarações ao “Hong Kong Free Press”, o advogado Au Nok-hin invocou um artigo específico da lei de Hong Kong que estará a ser violado pela recusa em autorizar a manifestação. O advogado disse ainda ser “raro” a polícia opor-se desta forma a um evento desta natureza e recordou casos anteriores em que se tentou encontrar um consenso. A polícia, acrescentou, deveria, como tem acontecido até aqui, ter sugerido alternativas e definido o que considera ou não aceitável.
Polícia de Hong Kong alvo de queixa na comissão contra a corrupção
A marcha está marcada para as 15h (9h em Lisboa) e terminará na estação de metro de Yuen Long, precisamente no local onde foram atacados os manifestantes no domingo passado. Pelo menos 45 pessoas ficaram feridas e a polícia anunciou ter já detido 11 suspeitos. Foi criticada a inércia das forças de segurança, que só chegaram ao local quando o pior já tinha acontecido, e a sua possível ligação aos atacantes, e as autoridades de Hong Kong têm sido diariamente pressionadas no sentido de investigar e punir estes membros de organizações de crime organizado.
A Frente Civil de Direitos Humanos, de que fazem parte 48 organizações não-governamentais e grupos políticos, e o Partido Trabalhista, apresentaram uma queixa à Comissão Independente contra a Corrupção de Hong Kong, contra o comissário e outros quadros superiores da polícia, acusando-os de “má conduta”. Também o deputado democrático Andrew Wan e o seu partido apresentaram uma denúncia contra a polícia, que saberia “de antemão do ataque e não fez nada para evitá-lo”. Um conselheiro distrital de Yuen Long disse ter alertado a polícia sobre a ameaça de um ataque, e que esta lhe terá respondido, no próprio dia, que tinha um “plano”.
Os pedidos para que o Governo dê uma resposta mais robusta ao assunto multiplicam-se, e são feitos sob a forma de palavras e apelos, mas também convocando mais e mais manifestações, a ter lugar no aeroporto de Hong Kong (marcado para esta sexta-feira), num dos principais hospitais da região, assim como em Yuen Long. Mais de 23 grupos, incluindo funcionários públicos, professores, médicos e enfermeiros, e deputados, divulgaram comunicados a condenar o ataque e a apelar ao governo para agir.