Desmantelada “a maior, mais ambiciosa e prolífica” rede de escravatura moderna no Reino Unido
WEST MIDLANDS POLICE
Prometiam-lhes casa e um trabalho a olhu nu irrecusável, mas quando chegavam ao Reino Unido, vindos da Polónia, percebiam que tinham sido enganados. Dormiam em quartos sujos, em colchões sujos, com lençóis sujos, em casas sem casa de banho, e quase todo o dinheiro que ganhavam, em trabalhos pesados em centros de reciclagem, fábricas e quintas, servia para enriquecer o grupo de crime organizado. Fez-se justiça esta semana, com a condenação dos seus membros a penas de prisão, pelos crimes cometidos contra mais de 400 vítimas
A juíza do tribunal de Birmingham que ditou as sentenças considerou-a “a maior, mais ambiciosa e prolífica” rede de escravatura moderna alguma vez desmantelada no Reino Unido e as práticas e os métodos a que recorreram durante anos não deixam dúvidas sobre a descrição.
O grupo de crime organizado, de que faziam parte pelo menos 18 polacos, recrutava outros polacos através da Internet — em muitos casos, antigos prisioneiros, sem-abrigo e pessoas com problemas de álcool — com promessas de trabalho irrecusáveis a olho nu, que, na prática, não correspondiam senão a trabalho servil em centros de reciclagem de lixo, quintas e fábricas de produção animal.
Os membros do grupo controlavam as contas bancárias das vítimas (foram identificadas 92, o mais novo com 17 anos e o mais velho, do sexo masculino, com 60, mas a polícia acredita que eram mais de 400, não tendo sido possível encontrá-las, ou porque deixaram entretanto o país ou porque estavam demasiado assustadas para prestar depoimento) e confiscavam-lhes quase todo o dinheiro, tendo os trabalhadores apenas direito a 20 libras (cerca de 22 euros) por semana.
WEST MIDLANDS POLICE
Além disso, obrigavam-nos a viver em condições degradantes em casas abandonadas nas cidades de West Bromwich, Smethwick e Walsall: havia ratos por todo o lado, os quartos eram demasiado pequenos para acomodar tanta gente, os colchões, lençóis e mantas apresentavam marcas de sujidade (assim se vê nas fotografias divulgadas) e não havia uma única casa de banho, tendo muitas vezes os trabalhadores de tomar banho em canais. Quando uma das vítimas morreu, por razões ou desconhecidas ou por revelar, o grupo escondeu os seus pertences e os seus documentos de identificação para que a rede não fosse descoberta.
Rede foi denunciada por duas vítimas em 2015
Isso mesmo acabaria, no entanto, por acontecer em 2015, depois de dois dos trabalhadores terem fugido e denunciado a situação à organização Hope for Justice, que tem sede em Manchester e a missão de combater o tráfico humano e a escravidão moderna. As autoridades iniciaram uma investigação, que terminou esta semana, com a condenação de 18 membros do grupo por tráfico, conspiração e lavagem de dinheiro, a penas que vão dos três aos 11 anos de prisão.
Além de recrutar polacos em situação descrita como “vulnerável”, o grupo de crime organizado chegou a contar com a colaboração de um funcionário de um dos centros de emprego de Worcester, que criaria falsas ofertas de emprego para candidatos que acabavam enleados na rede de escravatura. Citado pela BBC, o líder da investigação policial considerou os atos dos membros do grupo “repugnantes” e sublinhou a “pobreza e miséria” a que as vítimas foram submetidas ao longo de vários anos.
Também revelou que muitas delas, quando se recusavam a trabalhar, “eram violentadas ou ameaçadas de violência”, sendo-lhes dito que, se não colaborassem, as suas famílias na Polónia seriam atacadas. A alguns foi dito, aliás, que seriam levados para “a floresta” para cavar as suas próprias sepulturas. Nick Dale, que conduziu a investigação, disse ainda que o grupo negou a ida ao hospital a um trabalhador que teve um acidente, tendo o seu braço ficado com lesões permanentes.