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Testemunha essencial no caso Watergate diz que Mueller “traçou um mapa” para a investigação a Trump

Testemunha essencial no caso Watergate diz que Mueller “traçou um mapa” para a investigação a Trump
Chip Somodevilla/Getty

Uma das testemunhas mais importantes de todo o processo Watergate, escândalo que levou Nixon a demitir-se, foi ao Congresso norte-americano explicar de que forma o caso de Trump e o que vem escrito no relatório de Robert Mueller, se compara ao que se passou em 1973

Testemunha essencial no caso Watergate diz que Mueller “traçou um mapa” para a investigação a Trump

Ana França

Jornalista da secção Internacional

John Dean, uma das testemunhas que mais contribuiu para a queda de Richard Nixon no seguimento do escândalo do Watergate, testemunhou perante o Congresso norte-americano na segunda-feira e disse que o relatório redigido pelo procurador especial Robert Mueller “é como um mapa” para os deputados que queiram investigar mais a fundo os atos do Presidente dos Estados Unidos no que diz respeito ao alegado conluio com os russos e às acusações de obstrução à justiça.

No relatório apresentado em abril, quase dois anos depois de terem começado as investigações, não apresenta um caso de responsabilidade criminal contra Donald Trump - o que levou o Presidente a dizer-se ‘totalmente exonerado’ - mas Dean não vê as coisas da mesma forma, juntando-se às dezenas de democratas que também ainda não desistiram de utilizar o relatório como prova daquilo que consideram ser a conduta imprópria de Trump.

No seu testemunho perante o Comité de Supervisão Judiciária da Casa dos Representantes, Dean descreveu alguns paralelos entre o relatório de Mueller e aquela levada a cabo pelos investigadores do congresso para desvendarem o possível envolvimento de Nixon no roubo aos escritórios do Partido Democrata (que ficavam no edifício Watergate, em Washington).

Um dos exemplos que Dean partilhou com os congressistas para reforçar o paralelo entre a forma de agir de ambos os presidentes foi o do afastamento de Michael Flynn, o ex-conselheiro de Trump para a Segurança Nacional acusado de mentir ao FBI sobre uma reunião com o embaixador russo nos Estados Unidos. Na altura, segundo se lê no relatório, Trump pediu ao então diretor do FBI, James Comey (também ele afastado por Trump mais tarde) para “deixar Flynn ir”. Da mesma forma, quando Nixon soube do envolvimento da sua equipa de reeleição na invasão do Watergate, instruiu o seu chefe de gabinete, H.R. Haldeman, para que convencesse a CIA e o FBI a não investigarem o caso e deu como razão, segundo Dean “umas justificações falsas sobre a segurança nacional”. As palavras de Nixon eram "surpreendentemente parecidas com as proferidas pelo presidente Trump", acrescentou.

Um outro caso que lembra os tempos de Nixon é o afastamento de James Comey. Antes de decidir demiti-lo, Trump ligou-lhe várias vezes para conseguir alguma forma de garantia de que ele próprio não era objeto da investigação à ingerência russa nas eleições presidenciais de 2016 e para lhe pedir que viesse publicamente dizer que Trump era inocente. Foi despedido a 3 de maio de 2017 por se ter recusado a dizê-lo no Congresso. Para Dean, o afastamento de Comey é “um eco do despedimento do procurador especial Archibald Cox" durante um episódio conhecido como “Massacre de Sábado à Noite”, um sábado de outubro de 1973 quando Nixon pediu a dois procuradores-gerais para que despedissem o procurador-especial e ambos se recusaram, tendo preferido a demissão. O terceiro aceitou mas, 11 dias mais tarde, um novo procurador-especial foi escolhido e a investigação continuou. “Demitir o diretor do FBI, tal como a tentativa de Nixon em interferir na investigação de reduzir a investigação de Cox, acabou por levar à nomeação de um procurador-especial, Robert Mueller”, disse Dean.

Uma das áreas em que o relatório de Mueller mais se foca é nas constantes tentativas de Trump em bloquear o normal fluxo de informação entre departamentos de investigação do Estado. Depois de o “New York Times” ter noticiado que o filho de Trump se encontrou com cidadãos russos com ligações ao Kremlin, escreveram os procuradores no relatório, o Presidente tentou impedir a divulgação de emails que detalhavam os seus preparativos para a reunião. Mais tarde, Trump escreveu uma declaração falsa à imprensa, assinada pelo seu filho mas ditada pelo próprio Trump, no qual escrevia que a reunião tinha sido sobre a questão da adoção de crianças. Tal como ele, Nixon pediu aos seus conselheiros que escrevessem uma declaração falsa aos jornalistas, na qual se lia que os ladrões presos no complexo Watergate “não estavam sob ordens nem tiveram consentimento da Casa Branca” para invadir os escritórios democratas. As gravações revelaram que Nixon sabia que estava a escrever um depoimento falso.

Por último, a questão dos perdões que Trump ia “abanando” em frente às testemunhas de Mueller para evitar que elas colaborassem com a sua investigação, o que também constitui um indício de obstrução à justiça. Michael Flynn, Paul Manafort (antigo diretor da campanha de Trump) e Michael Cohen (ex-advogado de Trump agora preso), são os três nomes que Trump quis perdoar ou de alguma forma favorecer legalmente para que eles não tivessem medo de “recusar falar” já que posteriormente poderiam ser perdoados pelo Presidente. Durante o processo do Watergate, Nixon também explorou essa possibilidade para impedir “a total colaboração” das testemunhas da acusação. Mais tarde, segundo Dean, Nixon confessou-lhe que sabia que essa forma de agir era incorreta e pouco digna. A Casa dos Representantes listou esta questão dos perdões como uma das razões que levaram ao início do processo de destituição de Nixon. O ‘impeachment’ nunca aconteceu porque Nixon se demitiu.

Donald Trump já reagiu à intervenção de Dean - mas não reagiu bem: “Não posso acreditar que eles tenham trazido o John Dean, o desonrado conselheiro da Casa Branca de Nixon, que é um colaborador pago da CNN", escreveu o Presidente no Twitter. “Não houve conluio e não houve obstrução! Os democratas querem apenas uma reviravolta que nunca conseguirão!”

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