Internacional

Democratas ameaçam forçar audição do procurador-geral dos EUA sobre o relatório Mueller

William Barr, procurador-geral dos EUA.
William Barr, procurador-geral dos EUA.
Win McNamee

William Barr, o responsável por um resumo de quatro páginas que trazia conclusões favoráveis a Trump, não quer ser submetido a uma ronda de perguntas feitas por advogados do Comité Judiciário. Democratas divididos sobre 'impeachment' tentam trazer o processo - e a pressão sobre o Presidente - para a televisão

Os democratas norte-americanos e o procurador-geral, William Barr, estão numa relação complicada. A semana começa com uma troca de ameaças entre as duas partes que poderá mesmo pôr em risco a realização de uma audição, marcada para esta quinta-feira, em que Barr deveria ir à Câmara dos Representantes para falar sobre o relatório de Robert Mueller.

A discórdia começou quando Barr, responsável por apresentar os resultados da investigação daquele procurador-especial sobre as suspeitas de conluio entre Donald Trump e a Rússia, escreveu um resumo de quatro páginas que deixou os democratas no mínimo insatisfeitos. No documento, tal como na conferência de imprensa que deu, Barr defendeu por diversas vezes que não há provas de conluio ou de obstrução à Justiça da parte do Presidente, sublinhando as partes mais favoráveis da investigação para Trump - e desvalorizando as mais negativas.

Agora, os democratas querem ouvir Barr e, conforme conta o jornal "The New York Times", questionar o procurador sobre as conversas que manteve com Mueller e Trump sobre o relatório. Mas Barr resiste aos moldes que estão a ser propostos para a audição - e ameaça mesmo não aparecer. Tudo porque os membros do Comité Judiciário da Câmara dos Representantes, de maioria democrata, querem acrescentar às normais rondas de cinco minutos de perguntas atribuídas a cada membro uma ronda extra de 30 minutos de questões colocadas por advogados.

Barr discorda deste formato: segundo argumentou uma porta-voz do Departamento de Justiça citada pelo mesmo jornal, "o procurador-geral concordou em ser ouvido no Congresso. Por isso, devem ser os membros do Congresso a questioná-lo". Os democratas defendem a opção, já utilizada nos processos que exploraram motivos para destituição de Richard Nixon ou Bill Clinton: "A testemunha não vai dizer ao Comité como conduzir a sua audição, ponto", disse à CNN o líder do Comité Judiciário, o democrata nova-iorquino Jerrold Nadler. E ameaçou: "Se não aparecer teremos de o intimar, e teremos de usar os meios que forem necessários para o intimar".

Outro ponto em que os membros daquela Câmara e o procurador não estão de acordo é relativamente às partes do processo que foram 'censuradas' e apareceram tapadas na versão final que veio a público: se os democratas exigem uma sessão de perguntas à porta fechada, Barr diz temer fugas de informação e propõe recebê-los, em alternativa, no Departamento de Justiça para que consultem os trechos em causa.

“Estou lixado”

O relatório em que Mueller trabalhou durante meses para descobrir se a campanha de Trump trabalhou ou não em conluio com os russos para influenciar os resultados das eleições, assim como se o Presidente tentou obstruir a investigação, deu azo às interpretações mais diversas. Os republicanos quiseram ver o copo meio cheio e Trump, que quando soube da investigação concluiu que esse seria o fim da sua presidência ("Estou lixado", exclamou, segundo o próprio relatório), escreveu, triunfante, no Twitter: "Game Over". A satisfação deveu-se ao facto de Mueller não ter concluído que houve indícios criminais a apontar ao Presidente. No entanto, vista a versão completa do relatório e não apenas o resumo de Barr, há conclusões bem mais negativas para Trump: nele descreve-se que houve "esforços para retirar o procurador-especial da investigação (...), tentativas de usar o poder para limitar o alcance da investigação; contactos diretos e indiretos com testemunhas potencialmente para influenciar o seu testemunho". Já quanto às relações com a Rússia, admite-se que a campanha Trump ficou satisfeita com o 'hacking' e com o facto de poder dele "beneficiar eleitoralmente" contra Hillary Clinton.

O espectro de interpretações que é possível fazer e que ficam a pairar no ar pode perceber-se melhor tendo em conta excertos do relatório completo, como este: "Se estivéssemos confiantes, após uma investigação detalhada dos factos, de que o Presidente não cometeu uma obstrução da Justiça, dizê-lo-íamos. Mas com base nos factos e nas normas legais aplicáveis, não poderemos chegar a essa conclusão". Os democratas, divididos sobre a hipótese de tentar iniciar um processo de destituição (sendo que há eleições já no próximo ano), apostam assim num inquérito televisivo que pressione os principais protagonistas ligados a Trump e que possivelmente traga novas pistas.

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