Shamima Begum não se arrepende de ter fugido de casa em direção à Síria, onde casou com um holandês convertido ao islão e soldado do autoproclamado estado islâmico (Daesh). Shamima Begum conta que viu cabeças dentro de caixas, mas que não ficou incomodada. A mesma Shamima Begum, que tem agora 19 anos e que diz já não ser a rapariga tonta de há uns anos, quer regressar ao Reino Unido de onde fugiu. Quer voltar, explica, porque está grávida de nove meses. É a terceira gravidez. Os dois primeiros filhos morreram e não quer perder outro bebé.
“Tinha medo que ao ficar a criança que estou prestes a dar à luz morresse tal como os meus outros filhos”, explica Shamima ao jornal britânico “The Times”. E o ficar de que fala era junto ao campo de batalha, em Baghuz, no leste da Síria. Deixou a região há uns meses, o marido foi detido pelas autoridades governamentais e o seu bebé pode nascer a qualquer momento. Vive num campo de refugiados no norte do país. Não quer que o filho nasça ali. “Esta é a verdadeira razão pela qual quero regressar ao Reino Unido, porque sei que, pelo menos no que diz respeito à saúde, vão tomar conta dele.”
A criança é a maior preocupação. “Faço tudo o que for preciso para conseguir ir para casa e viver descansada com o meu filho.” É o terceiro parto que vai ter, os dois primeiros filhos morreram: uma menina com um ano e nove meses e um menino que aos oito meses sucumbiu a uma doença provocada pela má nutrição da criança. Levou-os ao hospital. “Não havia medição disponível nem médicos suficientes”, conta. “[Perdê-los] foi um choque, aconteceu do nada e foi tão difícil.”
Shamima fala à publicação britânica com uma burqa vestida, mas levanta o véu que lhe tapa o rosto. Apesar do desejo de voltar ao Reino Unido, não está arrependida de ter deixado o país em fevereiro de 2015. Dentro de dias, a 17, assinala-se o quarto aniversário da sua fuga.
Disse aos pais que ia passar o dia com as amigas Amira Abase, 15 anos, e Kadiza Sultana, de 16 anos. As três dirigiram-se ao aeroporto de Gatwick, em Londres, embarcaram num voo com destino à Turquia. Chegaram à Síria. Quando do desaparecimento, as autoridades suspeitavam que as jovens haviam fugido com o objetivo de se tornarem noivas da jiad. A teoria foi confirmada por Shamima que, uma vez em Raqqa, “se candidatou para casar com um homem entre os 20 e 25 anos e que falasse inglês”. Dez dias depois estava casada com um holandês de 27 anos e convertido ao islão.
“Era uma vida normal. O que mostram nos vídeos de propaganda é a vida normal. Uma vez por outra há bombas e essas coisas. Mas nada mais que isso”, diz. O casal viveu na capital do califado, que só seria recuperada no final de 2017 pelas Forças Democráticas Sírias. Fugiu depois para Baghuz, parte do pouco território que ainda resta dominado pelo grupo radical.
Num dos episódios que recorda na entrevista, lembra que por várias vezes viu cabeças em caixas. “Não me incomodou de todo”, refere. E explica: “Eram de soldados capturados no campo de batalha, inimigos do islão. Só pensava no que eles fariam a uma mulher muçulmana, se tivessem a oportunidade”.
Há duas semanas, o casal deixou a zona de batalha. Ela foi levada para o campo de refugiados, ele entregou-se. Diz que o estado que encontrou se deixou corromper, que é opressivo. Shamima está em conflito: “nem acredito que eles mereçam a vitória”.
“Já não sou a mesma rapariga tonta de 15 anos que fugiu de Bethnal Green [a escola onde estudava] há quatro anos. Não me arrependo de ter vindo.”
Shamima pode regressar?
Confrontado com o pedido de Shamima, o ministro da Segurança, Ben Wallace, assegurou numa entrevista à BBC Radio4, esta quinta-feira, que “não vai pôr em perigo a vida dos britânicos para ir buscar terroristas ou ex-terroristas de um estado falhado”. “As acções têm consequências”, insistiu.
Para Wallace, quando as jovens fugiram, estavam conscientes “daquilo em que se estavam a meter”. “É um grupo terrorista, um dos piores que alguma vez existiu no mundo, que matou pessoas e é responsável pela morte de dezenas de cidadãos britânicos”, acrescentou.
Shamima quer voltar. Também a amiga com que fugiu, Kadiza Sultana, já havia pedido para regressar pouco após ter chegado à Síria. Na entrevista agora publicada, Shamima conta que Sultana morreu num ataque aéreo em 2016 e que as restantes jovens continuam a viver no que resta do território do Daesh.
“Há duas semanas, ouvi umas mulheres contarem que elas estavam vivas em Baghuz. Mas com todos os bombardeamentos, não posso assegurar que sobreviveram. Elas são fortes e respeito a decisão delas. Elas escolheram ficar. Se sobreviverem aos bombardeamentos e à batalha, devem ter vergonha de mim quando souberem que fugi”, diz Shamima ao “The Times”.
Atualmente, devido a questões de segurança, não há diplomatas britânicos em território sírio. Quem deseje regressar, lembrou o ministro britânico, tem sempre de o fazer através dos serviços consulares na Turquia ou no Iraque.