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Passados 150 anos, a tabela de Mendeliev continua a crescer

Passados 150 anos, a tabela de Mendeliev continua a crescer

2019 foi declarado o Ano Internacional da Tabela Periódica, instrumento crucial para a Química

Por volta de 1740 o sueco Carl von Linné elaborou uma nomenclatura que não só permitia classificar os animais e plantas conhecidos como continha regras aplicáveis à integração de novos seres vivos. Passados cem anos, em plena revolução industrial, a química estava emancipada da alquimia medieval, funcionava como ciência experimental mas faltava algo de semelhante à lógica de Lineu.

Sabia-se que havia constituintes da matéria que não era possível decompor através dos processos químicos: os elementos. Podiam ser gases como o hidrogénio, metais como o ferro, halogéneos como o flúor. Como classificá-los?

Diversos cientistas procuraram resolver o problema, caso do alemão Lothar Mayer e do russo Dimitri Mendeliev. Os elementos eram organizados em linhas por ordem crescente de massa atómica, mas também em colunas agregando substâncias com propriedades semelhantes. O passo decisivo de Mendeliev foi ter deixado espaços por preencher, correspondentes a elementos não descobertos mas que, pela lógica de vizinhança, era expectável que existissem (gálio ou germânio). Ou trocar a ordem sugerida pelas massas atómicas, deslocando elementos para a coluna/família coerente com as suas características (telúrio e iodo).

O que é extraordinário é esta construção mental, surgida em 1869, ter sido anterior ao conhecimento da estrutura do átomo, enunciada, entre outros, pelo britânico Ernest Rutherford: um núcleo carregado positivamente, constituído por protões e neutrões (pesados mas sem carga), rodeado por uma nuvem de eletrões quase destituídos de massa mas de carga negativa.

À luz das observações doutro britânico, Henry Moseley, chegou-se ao conceito de número atómico (número de protões do núcleo) mais adequado à classificação dos elementos, até por um mesmo elemento poder apresentar diferentes massas atómicas (isótopos).

A tabela periódica foi sendo corrigida em função dos novos conceitos. Nos anos 30 chegou-se à versão padrão do americano Horace Deming, com 18 colunas. À medida que progredia o estudo da radioatividade e apareciam teorias como a mecânica quântica (que postulará a existência de subpartículas elementares como quarks, gluões, bosões, etc.), houve que fazer arranjos, como a criação de dois “anexos” para integrar as famílias dos lantanídeos e actinídios.

Com o desenvolvimento da física nuclear surgiram novos elementos, sempre radioativos e muitas vezes de curto tempo de vida, só identificáveis depois de criados em colisões de alta energia em aceleradores de partículas. Muitos são superpesados, isto é, o seu número atómico é superior ao do férmio (100). De resto, todos os elementos mais pesados do que o chumbo (82) são radioativos e tendem a decair e transformar-se noutros ao fim de períodos mais ou menos dilatados.

Durante a Guerra Fria e mesmo depois, a corrida entre americanos e soviéticos aos novos elementos foi tão disputada como a do espaço e houve dificuldade em harmonizar designações e atribuir a paternidade das descobertas. Foi já num quadro geral de desanuviamento que o Comité de Nomenclatura em Química Inorgânica registou, em 1997, os últimos quatro elementos descobertos e integrados na “gaveta” correspondente da tabela periódica: moscóvio (Mc115), livermório (Lv116), tenesso (Ts117) e oganesson (Og118).

Em pouco menos de 80 anos os cientistas acrescentaram 26 elementos aos 92 conhecidos, permitindo preencher a tabela periódica até à última casa do sétimo período, o que ajudou a construir um modelo fiável para a estrutura do núcleo atómico.

Segue-se a caça a isótopos desconhecidos, por exemplo do elemento 114, o fleróvio, um dos quais é provavelmente menos instável do que os conhecidos. Ciência esotérica? Talvez não: destas investigações resultam, não raro, conhecimentos inesperados que ajudam a resolver questões essenciais ao progresso.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RCardoso@expresso.impresa.pt

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