Os sírios que Portugal tem acolhido não esquecem o passado, mas só voltam se tudo mudar
Os gritos das gaivotas nazarenas abafam a voz frágil da síria May Kabuk. Com vergonha do seu português, um pouco débil, fala baixinho. Está a tentar enumerar os problemas da vida, o que lhe leva o sono por estes dias. Diz que a sua família de sete pessoas gasta cinco a seis botijas de gás por mês e que nisso, na luz e na água voam €350 do salário mínimo que ganha; que o novo turno da noite como ajudante de limpeza e logística do Centro Hospitalar da Confraria da Nossa Senhora da Nazaré vai tornar mais difícil ver as filhas; que a pandemia fechou o restaurante onde trabalhava o cunhado, Jasem; que as meninas estão a crescer e cada vez precisam de mais coisas.
May é muita gente. Chegada da síria em 2016, tem 31 anos e, aconteça o que acontecer, não pode voltar. “O meu pai quer roubar-nos, temos de esperar muito tempo para ir ver a avó”, diz Shahd, 13 anos, filha de May. Parece claro que o ex-marido mete medo a toda a família. Os miúdos falam dele, capazes como são de transformar o mal num vilão de BD que podem destruir com sabres incandescentes e amizades superpoderosas.
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