Barómetros

Portugueses não toleram corrupção, mas fecham os olhos à cunha

Portugueses não toleram corrupção, mas fecham os olhos à cunha
D.R.

Dados do recente barómetro publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos apontam o abuso de informação privilegiada como o ato mais socialmente mais condenável. “A corrupção tornou-se um assunto mais saliente porque há mais escrutínio”, assegura coordenadora do estudo

Embora seja vista como um ato medianamente corrupto, a ‘cunha’ é o cenário mais tolerado pelos portugueses. A conclusão é do mais recente barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), produzido pelo Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), que aponta o abuso de informação privilegiada, o puxar de cordelinhos e o tráfico de influência como três das situações mais consensualmente consideradas como corruptas.

“Aquilo que o estudo realça é, de facto, uma penalização, uma censura muito forte a quem detendo o poder, o utiliza no sentido indevido. Seja o tal puxar de cordelinhos, seja o tal abuso de informação”, analisa Margarida Mano. A presidente da associação Transparência Internacional Portugal diz que, por outro lado, “a benevolência para com a cunha tem uma contrapartida muito negativa”. “É como o normalizar, o branquear, daquilo que não são atitudes ilegais, mas que são impróprias e que vão colocar interesses particulares acima do interesse comum”, refere.

62,5

em cada 100 políticos são, para os inquiridos, corruptos. Logo a seguir são apontados os empresários (48,2) e as pessoas em geral (43,3)

De acordo com os autores do barómetro, a literatura sugere que a tolerância das pessoas face à corrupção “depende do tipo de prática e de comportamento em causa”, nomeadamente “se é praticado por um político ou não”, se resulta em “prejuízo do erário público” ou se o benefício é particular ou comunitário.

Integridade é o valor mais importante

Este barómetro avalia a sensação face ao nível de corrupção e não a quantidade de casos que existem, mas levanta preocupações a quem está na vida política ativa. “A perceção pública de que a política é desenvolvida por pessoas com essas características é penalizador de quem não gosta de ser confundido com essas práticas”, considera Eurico Brilhante Dias, deputado e dirigente do Partido Socialista (PS).

Ainda que entre cinco grupos sociais os inquiridos apontem os políticos como sendo os mais corruptos (62,5 em cada 100), os empresários são também destacados no topo da lista (48,2), seguidos da generalidade das pessoas (43,3). No entanto, há diferenças na forma como eleitores de esquerda e de direita olham para esta questão. “Os indivíduos que se posicionam mais à esquerda do espectro político tendem a expressar uma menor perceção de corrupção, comparativamente aos que se posicionam à direita ou ao centro”, lê-se no estudo.

63,7%

dos inquiridos recorre principalmente à televisão como fonte para a formulação da sua opinião sobre a corrupção em Portugal. Segue-se a imprensa escrita e online (55,2%) e os amigos (21,3%). As redes sociais surgem em quinto lugar com 9,9% das preferências

Outra das dimensões analisadas no inquérito trabalhado pela dupla de investigadores do ICS-UL, Susana Coroado e Luís de Sousa, foi procurar compreender quais são os atributos mais importantes nos políticos na perspetiva de um eleitor. Ora, logo após a orientação ideológica de um candidato (24,2%), a integridade (20,3%) e a capacidade de compromisso (16,6%) são as características mais relevantes.

Apesar de o barómetro evidenciar uma forte preocupação dos inquiridos sobre a corrupção, para Susana Coroado “o lado positivo” é que este assunto se tornou “mais saliente porque vivemos em democracia e há mais escrutínio do poder político e das instituições públicas”, mas também “uma justiça independente”.

Os investigadores quiseram ainda perceber como é que os inquiridos avaliam o efeito da corrupção nas suas vidas pessoais e profissionais. “Embora as pessoas estejam bastante sensibilizadas sobre a gravidade da corrupção, há uma tendência na opinião pública para se centrar mais nos efeitos coletivos da corrupção ao nível sistémico do que na identificação de experiências pessoais concretas”, escrevem.

Os números mostram que quase metade dos auscultados (49,6%) dizem que a sua vida não foi nem mais, nem menos afetada por este fenómeno no último ano. Para 36,5%, contudo, os atos corruptivos afetaram a sua situação pessoal, enquanto apenas 9,7% consideram não terem sido afetados.

Jovens insatisfeitos com a comunicação social

“As pessoas têm espírito crítico em relação à cobertura mediática destes temas”, assinala Susana Coroado, em referência à forma como os inquiridos encaram o papel da comunicação social no tratamento destes temas. Ainda que a maior parte (41,9%) se assuma satisfeita, 35,9% das pessoas não estão contentes com a informação mediática sobre corrupção em Portugal. Existe, porém, uma relação entre a idade dos inquiridos e o seu grau de satisfação.

“Continuo a acreditar que a esmagadora maioria [dos políticos] quer servir o país”, sublinha Eurico Brilhante Dias

A faixa etária entre os 18 e 34 anos conta com mais pessoas insatisfeitas (38,6%) do que satisfeitas (36%), enquanto acima dos 55 anos a tendência se inverte – 41,5% dos participantes dá nota positiva à comunicação social e 37,5% nota negativa. Nos adultos com idades entre os 35 e 54 anos, a satisfação é ainda mais expressiva (47,5% versus 33,1%).

Eurico Brilhante Dias realça, a este propósito, que os órgãos de comunicação social “têm um importante papel a desempenhar, escrutinando, mas distinguindo a condenação de quem é corrupto do [restante] conjunto dos políticos”. “Continuo a acreditar que a esmagadora maioria [dos políticos] quer servir o país”, sublinha.

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