5 Décadas de Democracia

Como melhorar as políticas de imigração e emigração no país?

Como melhorar as políticas de imigração e emigração no país?
PATRICIA DE MELO MOREIRA/GETTY

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até março, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em janeiro, o foco da análise recai sobre as migrações, os desafios e as oportunidades que representa para Portugal

São os movimentos de entrada e saída do país que pintam o retrato dos fluxos migratórios em Portugal, onde viviam, no final de 2022, 781.247 estrangeiros com autorização de residência, mais do dobro do que o registado em 2015.

Ainda assim, o saldo migratório português é positivo porque, em sentido contrário, todos os anos há cidadãos nacionais que escolhem a emigração como caminho profissional ou académico. Segundo dados do Observatório da Emigração, cerca de 30% das pessoas nascidas em Portugal com idade entre 15 e os 39 anos moram no estrangeiro – desde 2001, saíram do país, em média, 75 mil pessoas por ano. O pico terá sido atingido, de acordo com estimativas do “Atlas da Emigração Portuguesa”, em 2013 com 120 mil portugueses a abandonarem o território nacional.

70%

dos emigrantes portugueses que saíram do país em 2021 tinha idade entre os 15 e os 39 anos. Pouco mais de 20% das pessoas tinham entre 40 e 64 anos

Os números mostram ainda que existem, hoje, mais de 2,3 milhões de portugueses emigrados em várias regiões do mundo – França lidera a tabela com mais de 604 mil portugueses emigrados, seguida da Suíça com 214 mil e do Luxemburgo com 73 mil. Em 2022, porém, Espanha foi o destino de eleição para os cidadãos que atravessaram a fronteira e recebeu 11 mil portugueses.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Os fluxos migratórios geram impactos, positivos e negativos, na economia nacional, na coesão territorial e na demografia. Neste último ponto, como explica o investigador Pedro Góis, especialista em migrações da Universidade de Coimbra, “sempre que a imigração se retrai mantendo-se constante a emigração, a população total decresce”. “Entre 2011 e 2014, saíram do país mais do dobro das pessoas que entraram, uma tendência que começou a inverter-se em 2015. Desde 2019, os imigrantes representam mais do dobro dos emigrantes. Este padrão inconstante de entrada e de saída de migrantes nas últimas décadas impossibilita a existência de políticas migratórias viradas para apenas um dos fluxos populacionais”, acrescenta.

Ainda assim, o presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD), Paulo Machado, considera que a imigração “impacta muito pouco” a estrutura demográfica nacional, embora se verifique um aumento do número de nascimentos de crianças com mãe estrangeira. “Mas esse número de nascimentos ainda não se traduz numa alteração substancial da situação [de envelhecimento populacional]. Já a emigração impacta extraordinariamente a nossa estrutura”, aponta.

Em causa está o “garrote” que a emigração representa para o envelhecimento da população em Portugal, já que quando se registam saídas de jovens (segundo o Observatório da Emigração, 30% dos cidadãos em idade fértil são emigrantes) “isso vai envelhecer a estrutura demográfica”. No entanto, este fenómeno tem um duplo efeito alcançado no momento de regresso ao país, normalmente feito em idade mais avançada e, por isso mesmo, com novo impacto negativo no índice de envelhecimento.

Porém, as consequências alastram-se a outros domínios da sociedade. Um deles é a especialização dos recursos humanos em Portugal, que apesar de ter, reconhecidamente, a geração mais qualificada de sempre, todos os anos verifica uma saída constante de portugueses com o ensino superior. Em sentido contrário, a imigração é maioritariamente dirigida a atividades económicas de menor valor acrescentado e que não requerem qualificações académicas.

“Por exemplo, uma das posições que foi referida neste fim-de-semana pelo partido que estava a fazer a sua convenção era de que iriam alterar a lei no sentido de que ninguém se poderia fixar em definitivo no país sem saber a língua e sem conhecer a nossa história. É um disparate absoluto por uma razão simples: a lei já exige isso”, afirma Paulo Machado, presidente da Associação Portuguesa de Demografia

A resposta do país às questões migratórias tem sido, consideram os especialistas, parca face aos desafios que comportam, quer na saída de portugueses, quer na entrada de estrangeiros. “A resposta à questão “qual a melhor estratégia para as migrações?” não é simples nem direta”, reconhece o investigador Pedro Góis.

PARA ONDE CAMINHAMOS

Paulo Machado não tem dúvidas de que é preciso transformar a questão demográfica “numa absoluta emergência nacional”, à semelhança do que foi feito com temas como as alterações climáticas. Para responder ao desafio do envelhecimento e da desertificação, o demógrafo acredita que o tema das migrações deve marcar a campanha política durante as próximas eleições legislativas. “Temos de criar condições para que as pessoas se fixem e não nos interessa, naturalmente, uma abertura [de fronteiras] desregulada. Nem isso sequer era do nosso interesse”, sublinha.

O que é do interesse nacional, continua, “é termos pessoas que nos ajudem a superar as dificuldades que já hoje são sentidas” na atividade económica, que enfrenta escassez de recursos humanos em vários sectores. Por outro lado, enquanto considera importante desenhar estratégias eficazes de imigração, Paulo Machado lembra a relevância de o país ter uma política estruturada para a emigração. “Precisamos de criar condições que levem o emigrante a pensar se vale a pena ir embora. Não podem ser soluções ficcionistas, como a devolução das propinas”, detalha.

A devolução parcial dos gastos com a formação académica aos trabalhadores jovens que decidam ficar em Portugal é uma medida implementada pelo governo no Orçamento do Estado para 2024. Este é mais um passo para procurar reduzir o número de licenciados que deixam o país em busca de melhores condições e que se segue a outras medidas, como o Programa Regressar – trata-se de um conjunto de medidas e apoios dirigidos a emigrantes portugueses, nomeadamente ao nível fiscal, no mercado de trabalho e também no transporte de familiares e bens a partir do estrangeiro.

Questionado sobre propostas políticas para ‘apertar a malha’ à imigração, o presidente da APD considera que é o caminho errado e “exatamente o contrário” do que o país precisa. Paulo Machado insiste que o tema deve fazer parte da campanha eleitoral e que deve ser encarado como prioritário pelos políticos, já que a questão migratória tem impactos relevantes na capacidade de desenvolvimento económico do país e da sua coesão social e territorial.

Recorde-se ainda que, a nível europeu, a União Europeia (UE) aprovou nos últimos meses o novo pacto para as migrações, um documento envolto em polémicas por algumas das medidas que prevê. Entre elas, o reforço da capacidade dos Estados-membros de ‘devolver’ migrantes ao seu país de origem ou a criação da possibilidade de os países que não queiram ser recetores de migrantes poderem pagar €20 mil por cada pessoa que não acolhem. O número de migrantes que chegaram, em 2023, às fronteiras da UE foi o mais alto desde 2015, segundo dados da Frontex.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate