OS FACTOS
Cinco décadas após a revolução que instaurou a democracia em Portugal, os eleitores parecem cada vez mais afastados da participação política – pelo menos por via do voto nas diferentes eleições legislativas. Durante a década de 70, a taxa de abstenção manteve-se abaixo dos 20%, ainda que, votação após votação, o número de eleitores que optavam por não votar fosse oscilando – em 1975, apenas 8,5% não participou, valor que subiu para 16,7% no ano seguinte, mas que voltou a reduzir-se para 12,9%, em 1979, e que se fixou em 15,2% em 1980.
De lá para cá, a tendência tem sido de crescimento dos níveis de abstenção que ultrapassaram a casa dos 30% na década de 90 e foram mesmo além dos 40% em 2009. Foi, contudo, em 2019 que se registou um recorde no número de cidadãos que escolheram não participar nas eleições legislativas: 51,4%. Significa isto que do universo de mais de 10,8 milhões de eleitores, apenas 5,5 milhões depositaram o voto nas urnas.
Contudo, um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sugere que a abstenção nas últimas eleições legislativas, em 2022, possa ter sido mais baixa do que os números oficiais. A explicação relaciona-se com os não residentes que se mantêm registados nos cadernos eleitorais em Portugal – veja o artigo completo aqui.
foi a percentagem de abstenção mais elevada alguma vez registada numas eleições legislativas em Portugal e verificou-se no ato eleitoral de 2019. Dos 10,8 milhões de eleitores, apenas 5,5 milhões votaram
Entre as diferentes convocatórias para o voto, é nas eleições para o Parlamento Europeu que os portugueses menos participam e, por consequência, aquelas em que se registam maiores taxas de abstenção. Apenas nas primeiras, em 1987, Portugal registou uma abstenção inferior a 30%. Desde 1994 que este ato eleitoral foi ignorado por mais de 60% da população com capacidade de voto – o valor mais elevado verificou-se, mais uma vez, em 2019, quando 69,3% dos eleitores decidiu não votar. O país foi mesmo o sexto com menor participação entre todos os Estados-membros.
COMO CHEGÁMOS AQUI
Analisar o fenómeno da abstenção não é tarefa fácil, mas é um desafio que tem sido aceite por investigadores ao longo dos anos. Para a professora Isabel Menezes, da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, são vários os fatores que ajudam a explicar o afastamento dos cidadãos aos atos eleitorais. “Há fatores que têm a ver com a perceção por parte dos cidadãos de um aumento da distância ao poder, de uma ideia de que não se sentem representados”, exemplifica.
João Cancela, que tem dedicado tempo e esforço à análise deste tema, lembra que o caso português “não é único” e que acontece “em mais democracias”. Além dos fatores referidos por Isabel Menezes, o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa acrescenta que há diferenças geracionais – as pessoas que “eram adultas na altura do 25 de abril apresentam uma tendência relativamente elevada para votar”.
Por outro lado, refere, a literatura sugere que existe mais participação eleitoral quando “há um conjunto de alternativas mais claramente vincadas”, o que, aliás, ajuda a explicar em parte a grande adesão dos cidadãos aos atos eleitorais na década de 70 e início de 80. Porém, a participação na vida política não se resume ao depósito do voto nas urnas e assume outras formas consideradas não convencionais, como sejam as manifestações, as petições públicas ou até o boicote a produtos, serviços ou empresas com base em questões políticas.
“Verdade seja dita, tenho visto grandes manifestações nos últimos anos, mesmo entre os jovens que as pessoas diziam que estavam desmobilizados. Tenho visto essa participação”, afirma Isabel Menezes
“O surgimento do online permitiu um incremento excecional das possibilidades de assinar uma petição e isso é bom exemplo, porque mostra como a participação é um efeito também da diminuição das barreiras”, explica Isabel Menezes. Iniciativas como as “Fridays for Future” [sextas-feiras pelo futuro, em português] e outras grandes manifestações relacionadas com questões sociais, como a luta contra o racismo, são exemplos que “mobilizam as pessoas”.
PARA ONDE CAMINHAMOS
O aumento da participação política depende de vários fatores, consideram os peritos ouvidos pelo Expresso. Mas a aproximação dos políticos à sociedade é, sem dúvida, uma das principais medidas que deve, no entanto, vir acompanhada de uma “prestação de contas” regular, considera Isabel Menezes. Mais do que mostrar o que foi feito ou explicar o que ficou por fazer, é importante que os partidos e os seus representantes sejam capazes de clarificar opções de rumo, detalhar estratégias e envolver os eleitores na definição dos caminhos a seguir.
As escolas podem igualmente ter um papel importante na formação cívica dos alunos, que devem ser desde cedo enquadrados no mundo da política. Isabel Menezes não tem dúvidas de que “faz todo o sentido” incluir este tema na formação escolar e diz mesmo que essa é uma vontade expressa pelos jovens em vários estudos europeus, incluindo em Portugal. “Se lhes perguntamos se a escola está a cumprir esse papel, de uma maneira geral a resposta é que nem por isso”, acrescenta.
Um dos métodos usados em países nórdicos, aponta João Cancela, é a simulação de eleições – ou seja, replicar no espaço escolar a campanha eleitoral com os partidos da vida real e envolver os alunos em todo o processo. “O que acontece é que nas escolas secundárias são organizadas eleições em que estão sujeitos a votos os mesmos partidos das eleições reais e os jovens têm a oportunidade de debater, de lidar com representantes dos partidos que vão às escolas e que apresentam os seus argumentos”, detalha.
O investigador afirma, porém, que transportar este modelo para a realidade portuguesa pudesse ser “encarado com algumas reservas”, em especial pelo facto de não existir tradição em Portugal de ter os partidos políticos presentes nas escolas. Isabel Menezes cita, ainda assim, o exemplo de uma escola de Rio Tinto que nas últimas eleições legislativas desenvolveu o “Votar Claro”, um projeto em tudo semelhante ao que é feito no Norte da Europa. “Acho que isto é muito importante para os miúdos”, considera.