5 Décadas de Democracia

Os apoios sociais são a fórmula para acabar com a pobreza?

Os portugueses mais pobres ainda não recuperaram o nível de rendimento que tinham antes da crise mundial
Os portugueses mais pobres ainda não recuperaram o nível de rendimento que tinham antes da crise mundial

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em novembro, o foco da análise é a pobreza e as suas múltiplas dimensões

São as famílias com crianças a seu cargo que registam maior índice de pobreza, como demonstram os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2022 (ICOR 2022), realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística. Enquanto na população em geral a taxa é de 16,4%, nas famílias monoparentais esse valor sobe para 28% e para 22,7% nos agregados com três ou mais crianças a seu cargo.

Porém, estes são valores que têm em conta a transferência de prestações sociais, como apoios relacionados com a doença, o desemprego, família ou inclusão social. Se retirarmos o efeito desses subsídios públicos, a incidência de pobreza na população em geral subiria para 21,5%.

No que respeita aos beneficiários de subsídio de desemprego, 46% das pessoas inscritas nos centros de emprego e formação profissional tinham, em 2022, acesso a este apoio que é, em grande medida, proporcional aos descontos que cada contribuinte fez durante a sua atividade profissional. Para quem não tem direito a este subsídio, existe a prestação social de desemprego que abrangia, em 2022, 2,7% dos inscritos.

Estes números oscilam anualmente, mas verifica-se um claro aumento dos beneficiários em períodos cujo contexto económico é desfavorável – em 2011, por exemplo, 5,3% dos desempregados inscritos no IEFP tinham o subsídio social, enquanto 51,2% auferia do subsídio de desemprego.

€209,11

é o montante máximo previsto no Rendimento Social de Inserção, que chegava, em 2022, a mais de 262 mil pessoas

Importa ainda olhar para a realidade do Rendimento Social de Inserção (RSI), um apoio que, segundo o IEFP, é “destinado a proteger as pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema”. O montante é, no máximo, de €209,11 mensais por beneficiário.

Em 2022, segundo dados reunidos pela Pordata, existiam 262.542 pessoas a receber este apoio, consideravelmente menos do que os 447.088 registados em 2011. Atualmente, a larga maioria dos beneficiários tem menos de 25 anos (108.716).

Quando atentamos às pensões de velhice, invalidez e sobrevivência, o valor mínimo era, em 2022, de €291,48 para a velhice e invalidez, e de €174,89 para as pensões de sobrevivência.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Como mostram os dados, as políticas sociais e os apoios públicos que delas decorrem assumem extrema importância na mitigação da pobreza em Portugal. Porém, avisa o professor do ISEG Carlos Farinha Rodrigues, por “muito necessárias que sejam” nunca “permitirão resolver de forma estrutural o problema da pobreza”. Para que seja possível aproximar-nos de um dos principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, de erradicação da pobreza, será preciso a “convergência de várias políticas”.

“A intervenção do Estado, por muito importante que seja, não pode constituir a única forma de combate à pobreza. É necessária a promoção de um novo paradigma de sensibilização e participação do conjunto da sociedade”, afirma Carlos Farinha Rodrigues

A opinião é partilhada por Eugénio da Fonseca, antigo presidente da Cáritas e atual líder da Confederação Portuguesa do Voluntariado, que diz ao Expresso que as “políticas públicas são indispensáveis para se encontrarem respostas a soluções estruturantes”. Mas existe um trabalho a ser feito, de forma complementar, para reduzir os níveis de pobreza ou risco de lá chegar na população. E há exemplos práticos. O especialista refere o aumento de rendimentos que tem existido ao longo da última década, mas que não tem sido suficiente para fazer face “aos custos da habitação” e ao “impacto da inflação” nas famílias.

Aliás, dados divulgados este mês pelo Barómetro da Habitação, criado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, mostram que 12% das pessoas receia perder a sua casa nos próximos cinco anos. Mais de metade (50,4%), diz que esse medo se prende com o aumento da prestação ao banco ou da renda paga ao senhorio.

“Estamos a sentir um retrocesso [na melhoria dos indicadores de pobreza]”, lamenta Eugénio da Fonseca, que fala não apenas na transmissão geracional do problema (como analisámos neste artigo), mas também numa transferência da pobreza para outras franjas da população. Entre elas, os migrantes. “E eu estou a pensar sobretudo naqueles povos do mundo asiático que estão totalmente desprotegidos e têm sido altamente escravizados. Não tem havido um cuidado muito célere e assertivo do Estado”, critica.

PARA ONDE CAMINHAMOS

Carlos Farinha Rodrigues vê a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, com vários objetivos definidos para 2030, como “ponto de partida e nunca como um ponto de chegada”. Significa isto que a luta contra a pobreza deve ser parte central “da agenda política” e integrar o plano de desenvolvimento social e económico do país – não deve ser uma nota de rodapé, defende.

“O apelo que eu faço às forças políticas que se forem agora sujeitar ao sufrágio eleitoral é que pensem no bem comum. E não pensem exclusivamente na conquista do poder”, pede Eugénio da Fonseca

A integração de políticas interministeriais é, acreditam os peritos, fundamental para resolver o problema da pobreza de forma estrutural – é essencial olhar de forma integrada para a saúde, a educação, o trabalho e as condições sociais, pedem. Mas é também crucial que o Estado seja capaz de criar uma rede colaborativa composta por todas as entidades do sector social, de forma que os recursos de cada instituição – mas também as suas competências – sejam o mais eficientes e eficazes possível.

Em período marcado pela crise política e com eleições legislativas à vista, Eugénio da Fonseca considera que existe um “risco evidente” de aproveitamento político e populista para usar subsídios sociais, como o RSI, como arma de arremesso político. “É pôr os pobres contra os pobres. E há quem se aproveite muitas vezes desta iliteracia política e sobre os sistemas de segurança social para fazer leituras erróneas daquilo que são medidas, no seu objetivo, contrárias àquilo que lhe apontam como defeitos. O RSI tem sido uma medida mártir nessa situação”, afirma o presidente da Confederação Portuguesa de Voluntariado.

A consequência é a instalação “do medo nas pessoas”, que pode colocar em causa a manutenção de medidas públicas essenciais para a mitigação da pobreza no país. “O apelo que eu faço às forças políticas que se forem agora sujeitar ao sufrágio eleitoral é que pensem no bem comum. E não pensem exclusivamente na conquista do poder”, reforça.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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