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Maria de Belém Roseira: “Os homens não convivem bem com sinais de fragilidade que a vigilância de rotina da sua saúde poderia indiciar”

Maria de Belém Roseira: “Os homens não convivem bem com sinais de fragilidade que a vigilância de rotina da sua saúde poderia indiciar”
Marcos Borga (MB)

A ex-ministra da Saúde diz que “é imperioso encontrar estratégias de maior responsabilização de todos que passarão, naturalmente, por uma melhor comunicação em saúde” e enumera soluções. A segunda de dez entrevistas relacionadas com o estudo da GfK Metris para o Expresso sobre “A Saúde do Homem”

O inquérito revela que, entre sintomas e diagnóstico, os homens esperam muito tempo para tomar medidas: entre 3 a 6 meses. Dois exemplos elucidativos da demora: 33% no cancro do pulmão e 50% no cancro da próstata.

Dados do estudo dizem-nos que os homens ignoram sintomas durante demasiado tempo. Há falhas na promoção de uma verdadeira cidadania em saúde?

Em Portugal, a cultura de prevenção em geral, e não só em saúde, é uma falha grave analisada pelo ângulo do conjunto de direitos e deveres que o estatuto de cidadania nos confere. Basta atentar, a título de exemplo, nos números da sinistralidade na estrada, no trabalho, nas praias ou mesmo no espaço doméstico. Na saúde não é exceção e este facto espelha uma falha da sociedade no seu conjunto. Até porque o desleixo nos comportamentos exprime-se, com demasiada frequência, em tragédia de incapacidades e/ou mortes evitáveis.

Naturalmente que os princípios básicos do nosso comportamento em comunidade são mais eficazes se absorvidos na infância, quer no ambiente doméstico, quer no escolar. O que sabemos é que temos tido muita dificuldade em evoluir nesse sentido. Caracterizamo-nos por alguma compulsão, ouso dizê-lo, para o não cumprimento das regras. Ora, uma cultura assim enraizada tem que ser combatida e, não há dúvida, que no domínio específico da saúde dos homens, estamos mais uma vez marcados pelas diferenças de género que os seus piores indicadores de saúde retratam.

Os fatores de resistência serão muitos, mas considero que para isso muito contribuirá a associação social da masculinidade a uma maior resistência, que dificilmente os homens em geral quererão desconstruir. Não convivem bem com sinais de fragilidade que a vigilância de rotina da sua saúde poderia indiciar.

A falta de vontade do parceiro em ir ao médico é fator de preocupação mais comum na mulher (25% vs 19%, segundo o estudo). Como é que se pode envolver mais os homens nesta questão?

É imperioso encontrar estratégias de maior responsabilização de todos que passarão, naturalmente, por uma melhor comunicação em saúde, que esclareça as diferenças biológicas e como elas se exprimem em sinais de alerta; contrariar conceitos ultrapassados e perniciosos, os chamados estereótipos, que atribuem à “masculinidade” poder, força, resistência e comando e à “feminilidade” fragilidade, obediência, queixume; disponibilizar ferramentas informáticas inteligentes e adequadas, que possam ser usadas pelos próprios para, em função de um plano individual de cuidados, serem avisados dos calendários da vigilância de saúde que devem realizar, de preferência com exames marcados, com data alterável por cada um em função das disponibilidades pessoais; garantir que a lei é cumprida relativamente à disponibilização de serviços de medicina do trabalho e à vigilância de saúde que proporcionam; envolver “role models”, figuras masculinas amplamente reconhecidas e respeitadas, na difusão da literacia em saúde; construir modelos personalizados de intervenção que, respeitando sempre a autonomia de cada um, sejam suficientemente persuasivos da importância da adoção de estilos de vida saudáveis; construir políticas públicas inteligentes e colaborativas com cruzamento de todas as áreas sectoriais que promovam a saúde, todas elas em conjunto e articuladamente.

Reconheço a dificuldade da tarefa, pois hoje existe uma reconhecida e eficaz competência comunicacional no sentido da promoção do consumo que promove a economia com prejuízo para a saúde. A morbilidade que hoje mais afeta as sociedades ocidentais é, pelo menos em parte, resultado dessa eficácia.

Ainda se fala pouco da literacia para o autocuidado em Portugal?

Se eu defender e promover a minha saúde, sou sua coprodutora. Não estou dependente, apenas, dos cuidados de vigilância que outros me proporcionam por sua iniciativa. Considero, contudo, que o SNS também tem que fazer a sua parte reorganizando-se, ele próprio, no sentido de proporcionar cuidados de saúde integrados que assegurem confiança e segurança no seguimento adequado do circuito das prestações de saúde identificadas como necessárias e dinamizando a articulação e cooperação com os agentes ativos de uma determinada comunidade, do sector público, social e privado, no sentido de que todos sejam agentes ao serviço da literacia em saúde e da promoção de saúde.

E que estas se exprimam em todas as esferas da nossa vivência: desde os programas escolares à organização das empresas, dos planos de urbanização nas autarquias, através da definição de espaços verdes com segurança, que convidem a caminhadas e exercício físico, da dinamização cultural, que proporciona o crescimento intelectual, sem esquecer a importância do lazer, que retempera, ou a difusão de qualificações mais básicas, como a aprendizagem da confeção de comida saudável, a jardinagem ou outras que permitem convívio salutar.

Deve, enfim, prevalecer um espaço de criatividade ajustado às necessidades identificadas para a criação da tal cultura de cidadania que é muito abrangente e que se traduz num espaço de pertença que, a ser bem cumprido, também é indutor de melhor saúde para todos!

Nome: Maria de Belém Roseira

Idade: 75 anos

Profissão: Jurista

Resumo profissional: Jurista e antiga Ministra da Saúde e para a Igualdade, foi deputada durante várias legislaturas pelo Partido Socialista. Presidiu à Comissão Parlamentar da Saúde e coordenou os trabalhos para a revisão da Lei de Bases da Saúde. Tem uma longa trajetória de intervenção em políticas sociais e na defesa do SNS.

Lema de vida: Mais vale prevenir que remediar

“A Saúde do Homem” é uma iniciativa que visa retratar os cuidados de saúde da população masculina e sensibilizar a sociedade para a importância da prevenção e do tratamento de doenças que a afetam. Um projeto Expresso, com o apoio da Johnson & Johnson Innovative Medicine e o apoio institucional da Ordem dos Médicos.

Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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