O dia começou com os testemunhos de jovens sobreviventes de cancro da mama e o momento ficou inicialmente marcado pelos depoimentos da atriz Sofia Ribeiro e de Marta Fonseca, autora da página “Ser Paciente” no Instagram. “Há um mundo de coisas para fazer e é importante olhar-se mais para a saúde emocional. Devia explorar-se mais o tema. Muitas das pessoas que falam comigo dizem que ficaram doentes depois de terem vivido episódios traumáticos nas suas vidas pessoais”, anotou Sofia Ribeiro, com a anuência de Marta Fonseca. “É preciso olhar para a pessoa de forma completa e não apenas de forma científica”, afirmou.
“Somos feitos de átomos, moléculas e das histórias que vivemos”, defendeu ainda Sofia Ribeiro, recordando uma frase partilhada por Luís Costa, oncologista e um dos fundadores da Fundação BCYW. É preciso perceber se um organismo, quando está fragilizado por questões emocionais, está mais suscetível de contrair a doença. Luís Costa, registou a sugestão.
Já Marta Pojo, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, alertou para a necessidade de haver mais informação acerca da matéria junto das mulheres jovens. “A literacia é um pilar importantíssimo para lidar com a doença e em Portugal há trabalho a fazer nesta área”, afirmou, enquanto Duarte Mexia, que perdeu a mulher, Rita, devido à doença, apresentou um depoimento emocionante ao revelar a forma como ele, a mulher e os filhos viveram com a experiência – de referir que Rita acaba por ser a responsável pelo surgimento da Fundação BCYW, pois foi ela quem inspirou Luís Costa pelas perguntas que colocava ao médico.
Para o fim ficou outra sobrevivente, no caso Marta Flores. “Vou partilhar por escrito, falo muito”, confidenciou, arrancando gargalhadas. “Uma das coisas mais importantes da minha vida é o tempo. E vocês deram-me tempo... Agradeço-vos o milagre da vida”, afirmou, revelando que, aos 46 anos (foi diagnosticada com 44 anos), tem o desejo de ser mãe – e aqui emocionou-se…
Uma mensagem que continuou a ser insistentemente passada teve a ver com a necessidade de as mulheres estarem muito atentas aos sintomas, independentemente das idades – o cancro da mama é normalmente detetado em estado avançado nas mulheres mais jovens. Nota ainda para as intervenções de Tamara Milagre, presidente da EVITA (associação de apoio aos portadores de alterações em genes relacionados ao cancro hereditário), e Shari Goldfarb, diretora do programa para Mulheres Jovens com Cancro da Mama e professora assistente de medicina no Weill Cornell Medical College Memorial Sloan Kettering Cancer Center, Nova York, Estados Unidos (Gestão de questões psicossociais e de sobrevivência em mulheres jovens com cancro da mama). A primeira alertou para a necessidade de as pessoas com historial de cancro na família terem de estar ainda mais atentas a todo e qualquer sintoma, enquanto a segunda explicou que o cancro e os seus tratamentos têm, de facto, influência na vida sexual dos doentes.
A pergunta “mais difícil”
A parte da tarde foi igualmente recheada de informação e Luís Costa, também professor e diretor do Departamento de Oncologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, foi um dos oradores para falar de “Sobrevivência e opções das doentes com cancro da mama em estágio avançado”.
À margem da sua intervenção, o clínico reconheceu que “como é que se explica o aumento de cancro da mama nas mulheres mais jovens?” é “a pergunta mais difícil”. “Não temos explicação para isso, sabemos que está a aumentar, temos várias hipóteses, mas todas elas por comprovar. É possível que tenha a ver com fatores ambientais, mas não há prova definitiva. Reconhecendo que não sabemos responder qual é a causa principal, o que nos resta é continuar a investigar e a diagnosticar cedo para tratar melhor e curar estas mulheres”, afirmou.
Luís Costa reconheceu que Portugal “está nos mesmos registos que a maioria da Europa Ocidental”. “O cancro da mama é um problema sério, como sabemos. A capacidade de tratamento? Temos um sistema de saúde público e privado, que está cada vez mais sujeito e uma resposta difícil, mas, de qualquer forma, há profissionais de muita qualidade que estão a tentar fazer o seu melhor”, realçou. E acrescentou: “Temos muitas descobertas no tratamento do cancro, também muitas descobertas interessantes no que diz respeito há avaliação imagiológica do cancro, temos menos descobertas no que diz respeito ao diagnóstico precoce do cancro. O que é interessante, pois, embora haja muita publicação científica nessa área, os resultados práticos não têm sido tão notórios como são na área do tratamento do cancro".
Kristi Funk, médica cirurgiã de cancro da mama em Santa Mónica, Califórnia, Estados Unidos, participou remotamente e lembrou alguns fatores de risco. “História familiar, mutação genética, raça/etnia, peso, histórico pessoal, álcool, Tabaco, stress, sono...”, destacou. A partilha de experiências entre os especialistas de várias áreas, e de vários países (consultue AQUI a lista completa de oradores), casos de Estados Unidos, Canadá, México, Portugal, Espanha, Irlanda, Áustria, Índia, Japão ou Austrália, entre outros, foi uma constante.
Principais conclusões:
- Sobreviventes alertaram para o facto de sentirem que a doença muitas vezes “chegar” depois da pessoa viver um episódio infeliz na sua vida, o que pode fragilizar o organismo. Um dado para a ciência perceber.
- “É importante encontrar um médico em quem confiem. Temos de encontrar a pessoas certa a quem entregamos a nossa vida. As histórias nem sempre acabam da melhor forma, mas há um caminho, e esse caminho tem de ser feito com a pessoa certa”, defendeu Marta Fonseca.
- Literacia foi palavra repetida: as jovens mulheres precisam de estar atentas aos sintomas e agir imediatamente caso detetem algo de anormal.
- “Há uma predisposição genética”, explicou Tamara Milagre quando falou de cancro hereditário, que representa 10 por cento de todos os cancros. “Muitas vezes os sintomas são desprezados quando a prevenção devia começar mais cedo”, disse ainda.
- Apesar dos problemas que o cancro e os tratamentos provocam na vida sexual, a médica Shari Goldfarb explicou que há tratamentos que ajudam a ultrapassar esta questão.
- Kristi Funk lançou um alerta para a consciência de cada um. “Muitos fatores de risco dependem das nossas escolhas”, disse.