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Quanto menos burocracia, mais energia limpa

Existem apenas quatro parques eólicos offshore (situados em alto-mar) em todo o mundo. Portugal tem um ao largo de Viana do Castelo
Existem apenas quatro parques eólicos offshore (situados em alto-mar) em todo o mundo. Portugal tem um ao largo de Viana do Castelo
D.R.
Futuro: Portugal é o terceiro país europeu que mais investe em energias renováveis. Mas os desafios são muitos: é preciso encurtar os prazos de licenciamento, regulação, cumprir as metas da UE e desenvolver uma rede de distribuição. A Portugal Renewable Energy Summit 2023 foi organizada pela APREN e teve o Expresso como media partner
Quanto menos burocracia, mais energia limpa

André Rito

Jornalista

Estava um trânsito caótico. Uma viagem de 15 minutos demorou 45. O que vale é que o meu carro é elétrico e não pago estacionamento.” A frase é de um dos 500 participantes da Portugal Renewable Energy Summit 2023 e pode ilustrar uma das muitas as vantagens das energias renováveis. Portugal é atualmente o terceiro país da União Europeia que tem recebido mais investimentos neste sector, mas os desafios são enormes: é preciso acelerar o licenciamento, os Governos devem desburocratizar os processos, e sobretudo apostar numa rede europeia. Tudo para atingir o objetivo da neutralidade carbónica em 2050.

Uma das grandes metas é chegar a 2030 com 85% de eletricidade produzida apenas com recursos naturais. E para isso Portugal tem as condições ideais: vento, sol, mar, hidrogénio, entre outros recursos. Atualmente, o país apresenta uma taxa de 67% de produção elétrica com base em energias verdes. Já na Europa, como afirmou Giles Dickson, CEO da WindEurope “só em energia eólica produzimos 17%. Precisamos, no entanto, de construir mais parques eólicos para atingirmos as metas definidas pela Comissão Europeia: cerca de 30 gigawatts até 2030”. O problema? Os obstáculos aos licenciamentos.

Uma opinião partilhada por praticamente todos os oradores dos diferentes painéis de debate. “O problema que enfrentamos é ao nível da implementação. Há várias causas: tomada a decisão de investir, há um hiato de tempo muito grande até se obter o licenciamento, que é muito pesado. Todos queremos ter energia limpa, desde que não seja no meu quintal”, afirmou João Conceição, COO da REN, durante o painel “O papel do ORT (operador da rede de transporte) na Transição Energética e os Desafios da Regulação”. A necessidade de uma rede de distribuição assume-se, assim, como um fator decisivo, embora dispendioso.

“A infraestrutura é fundamental. Há partes negligenciadas na transição energética. Precisaremos das redes para partilhar tudo o que faz parte do sistema” , afirmou Damian Cortinas (ENTSO-E, chair of the board). “É preciso um melhor acesso ao financiamento e sobretudo capacidade para regular o sector. Um dos estrangulamentos das renováveis é não termos essa capacidade de regular.” Uma opinião partilhada por Ana Barillas (Aurora Energy Research, head of Iberia & LATAM). Referindo-se ao hidrogénio, afirma que o modelo de negócio é complexo e os custos do armazenamento são igualmente elevados. A criação de um modelo regulatório torna-se, portanto, essencial.

Aviação a hidrogénio

Uma das grandes apostas em Portugal é na energia eólica que representa 29,3% de toda a energia produzida. Nesse aspeto, disse Giles Dickson, o país “assume-se como líder”. E a inovação não passa apenas pelos múltiplos parques eólicos que têm sido desenvolvidos. “Só existem quatro projetos, a nível mundial, de energia eólica offshore (situados em alto-mar, flutuantes) Um deles situa-se em Portugal, com três turbinas.”

O hidrogénio verde é também um dos pilares das renováveis em Portugal, que poderá permitir brevemente a redução da dependência dos combustíveis fósseis. E aqui a mobilidade e os transportes poderão ser dos sectores mais beneficiados. Pedro Guedes de Campos, director business development H2 and eSAF da Smartenergy, uma empresa sediada na Suíça, mas que investe também em Portugal, Espanha, Itália e Alemanha, afirma que a empresa está apostada em substituir os combustíveis da aviação por hidrogénio verde. Aliás, um estudo da T&E (Federação Europeia de Transportes e Ambiente) sugere que tal possa acontecer em 2035. Até porque a aviação é responsável por 13,9% das emissões dos transportes na UE, sendo a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito de estufa, a seguir ao transporte rodoviário.

“Podemos armazenar o hidrogénio em zonas perto do aeroporto Francisco Sá Carneiro”, afirmou Pedro Guedes de Campos. “Um combustível sintético com vantagens económicas para a aviação.” Apesar de investir também em painéis fotovoltaicos e na energia eólica, a empresa tem um parque em Matosinhos para trabalhar com hidrogénio verde “com uma equipa muito competente. São 35 pessoas vindas de empresas que estavam nos combustíveis fósseis”.

Eletricidade mais barata

A transição energética será também um fator fundamental para a redução da fatura de eletricidade nos consumidores privados. Embora o preço da eletricidade em Portugal se encontre abaixo da média europeia, ainda pesa muito no bolso dos portugueses. A União Europeia registou no primeiro semestre deste ano um custo médio de eletricidade para clientes domésticos de 28,9 cêntimos por kilowatt hora (kWh), o que corresponde a um agravamento de 14% face ao mesmo período do ano passado. Mas Portugal observou, pelo contrário, um decréscimo de 6% dos preços médios da eletricidade para as famílias, para 20,7 cêntimos por kWh. Uma coisa é certa: quanto maior for a aposta nas energias renováveis, menor será o custo da eletricidade.

Três perguntas a:

Pedro Amaral Jorge
CEO da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN)

No primeiro semestre deste ano, Portugal registou uma descida de -5% dos preços de eletricidade no segmento doméstico, face ao semestre homólogo de 2022. Ainda assim, perante o cenário económico português, esta energia continua cara. Concorda?

Estamos abaixo da média europeia e de Espanha. Todos nos queixamos do preço da eletricidade, mas não podemos deixar de fazer uma comparação com os restantes mercados. Quanto mais energias renováveis utilizarmos, mais barata vai ficar a eletricidade. E uma das coisas que o nosso estudo traduz é que, em 2022, as renováveis conseguiram um sobreganho, refletindo uma tarifa muito mais barata.

Entre 2018 e 2022 o investimento privado foi de €32 milhões. O Estado devia investir ou apoiar com benefícios fiscais empresas produtoras de energia renovável?

As renováveis não precisam de subsídios nem de apoios do Estado. Precisamos de enquadramento legal e regulação, alinhados com as metas europeias. Precisamos de previsibilidade fiscal e de criar mecanismos que reduzam os custos dos projetos. Se houver estabilidade política, estabilidade regulatória e legal, o sector privado tem todas as condições para cumprir os 85% de energias renováveis em 2030.

Portugal ainda tem uma grande dependência dos combustíveis fósseis. Como reduzir essa dependência? Os combustíveis têm preços muito voláteis e maior estabilidade dos preços?

Temos muita dependência destes combustíveis, sobretudo na indústria. É importante eletrificar a mobilidade, as caldeiras a gás, e outros aparelhos domésticos. Vamos ter de criar muitas políticas. Temos um conjunto de estratégias de política energética que tendem a reduzir essa dependência. Mas há sectores de atividade que não podem ser eletrificados: os motores de aviação, os barcos de alto porte, e algumas indústrias que precisam de elevada temperatura, como o vidro, fundições. A solução passa pelo hidrogénio verde ou combustíveis sintéticos.

Debate de energias

A Portugal Renewable Energy Summit 2023, a grande conferência dedicada ao sector renovável no país — organizada pela APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) a que o Expresso se associou como media partner —juntou mais uma vez as principais entidades públicas, governamentais e privadas para debater as últimas novidades do sector.

Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de dezembro de 2023

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