Universidades não estão alinhadas com a realidade

Formação: há desaproveitamento do potencial académico e um diploma não garante salário chorudo: diferença de ordenado entre o ensino secundário e superior já não é o dobro, como em 2011
Formação: há desaproveitamento do potencial académico e um diploma não garante salário chorudo: diferença de ordenado entre o ensino secundário e superior já não é o dobro, como em 2011
Francisco de Almeida Fernandes
Estudar já não é apenas uma fase da vida, mas antes um exercício de aprendizagem permanente e cada vez mais difícil de evitar — pelo menos, dizem os peritos, para quem queira manter-se relevante no mercado de trabalho. “A aprendizagem ao longo da vida é, cada vez mais, uma necessidade. É essencial incutir essa capacidade na formação [académica] inicial”, considera Margarida Rodrigues. E é fácil perceber a perspetiva da diretora de investigação da Fundação José Neves: segundo o Eurostat, a população portuguesa apresenta um défice significativo nas qualificações, em especial na faixa etária entre os 35 e 64 anos. Ainda assim, mostram os dados que, em 2022, 13,8% dos adultos participaram em ações de educação e formação.
Para os participantes da conferência 50 Anos: Expansão e Impactos da Universidade em Portugal, que decorreu este mês em Braga, a aposta na renovação de conhecimento e na aquisição de novas competências é inevitável numa economia em constante e rápida evolução. “Haverá profissões que deixarão de ser necessárias, mas haverá outras que serão criadas”, analisa Margarida Rodrigues. Esta adaptação é particularmente relevante no corpo docente das instituições do ensino superior, aponta Fernando Alexandre, professor de economia na Universidade do Minho (UMinho), que não tem dúvidas de que “a distinção de pessoas e instituições vai ser muito evidente entre os que acompanham a mudança e aqueles que não acompanham”.
A comemorar o 50º aniversário, a UMinho é uma das instituições que está a olhar para o desígnio da requalificação e a alargar a sua oferta para lá dos cursos que conferem grau académico. “Temos em desenvolvimento uma muito ambiciosa experiência de formação não conferente de grau, especialmente orientada para grupos profissionais”, confirma o reitor Rui Vieira de Castro. Com mais de 21 mil estudantes e uma dúzia de unidades de ensino e investigação, a instituição quer oferecer “formações curtas, focadas e que garantam objetivos de capacitação” de adultos já no mercado de trabalho, em articulação com as empresas. Para isso, porém, é preciso uma atenção especial às qualificações de que a economia real precisa. E isso, em si mesmo, é um dos grandes desafios. “Há um desalinhamento entre aquilo que a universidade está a produzir e as necessidades do mercado de trabalho”, sublinha Margarida Rodrigues. Estas são algumas das conclusões do relatório Estado da Nação 2023, divulgado nas últimas semanas pela fundação a que pertence.
Em causa estão, essencialmente, três dados. O documento identifica que cerca de um quinto dos jovens com ensino superior não está a trabalhar e que, entre os que estão em atividade, um quinto está alocado a funções que “não requerem grau académico”. Há, portanto, um “desaproveitamento” do potencial. Outro número preocupante prende-se com o valor de um diploma — em 2011, quem tivesse uma licenciatura ganhava, em média, 50% mais do que alguém com o ensino secundário completo, uma diferença que caiu, em 2022, para 27%. “A relação [da academia] com as empresas cria uma atenção às competências que são necessárias”, acrescenta Fernando Alexandre, e isso é fundamental para que os formados consigam oportunidades laborais e não vejam o emprego por um canudo. O percurso da UMinho com a Bosch na busca por inovação é um exemplo do que é possível alcançar. “Esse é um projeto incrível porque mudou o relacionamento universidade-indústria e é uma referência na Europa”, afirma.
A proximidade entre a instituição de ensino e a Accenture Portugal permitiu à empresa criar, em Braga, um centro com “cerca de 700 pessoas” altamente qualificadas e dinamizar a economia regional. “Para empresas como a minha, as universidades são o nosso principal parceiro”, assegura Manuela Vaz, vice-presidente da consultora tecnológica. O contacto próximo entre estes dois mundos, muitas vezes com tempos e objetivos diferentes, é essencial para inovar e fazer a transferência do conhecimento para a economia. “Quando sangue novo entra nas empresas, temos de saber aproveitá-lo. Temos de ouvir mais os jovens”, remata Fernando Alexandre.
“O caminho que Portugal tem feito na educação é notável. Hoje temos cerca de 44% dos jovens com ensino superior, mas também vemos que há sinais de preocupação no alinhamento com o mercado de trabalho”
Margarida Rodrigues
Diretora de investigação da Fundação José Neves
“Os jovens querem fazer a diferença. Os projetos têm de ser desafiantes, há uma expectativa salarial associada a tudo isso. Se não tivermos essa atenção, eles vão para outros sítios e outros países”
Manuela Vaz
Vice-presidente da Accenture Portugal
“Temos em desenvolvimento uma muito ambiciosa experiência de formação não conferente de grau, especialmente orientada para grupos profissionais. Há uma realidade nova que se impõe e que requer uma resposta”
Rui Vieira de Castro
Reitor da Universidade do Minho
CLASSIFICAÇÃO Portugal tem 13 universidades representadas entre as duas mil melhores a nível mundial. Na primeira metade do ranking encontram-se as universidades de Lisboa, do Porto, de Coimbra, Nova de Lisboa, de Aveiro e do Minho. A avaliação foi feita pelo Center for World University Rankings.
13%
ESPECIALIZAÇÃO A integração de profissionais qualificados nas organizações é um fator que potencia a inovação e promove a transferência de conhecimento. Em 2020, o “Inquérito aos Doutorados” mostrou que, entre as mais de 37 mil pessoas com este grau académico, 2969 estavam a trabalhar em empresas.
433.217
FUTURO A velocidade de transformação da economia obriga, cada vez mais, a apostar na aprendizagem ao longo da vida. Por outro lado, a escassez de recursos humanos qualificados leva as empresas a investir em processos de requalificação. Este é, também, um desafio que se coloca ao ensino superior.
Conferências 50 anos
À boleia do roadshow que faz pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organiza durante o ano várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. O Minho foi a última paragem, em parceria com a Universidade do Minho.
Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de junho de 2023
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