O grande impacto das pequenas causas
Comunidade: na viagem pelos ‘bairros felizes’ do país, que agora termina, o que se destaca são as pessoas e o seu espírito de iniciativa, seja em associações locais ou grupos de vizinhos
Comunidade: na viagem pelos ‘bairros felizes’ do país, que agora termina, o que se destaca são as pessoas e o seu espírito de iniciativa, seja em associações locais ou grupos de vizinhos
Ana Baptista e José Fernandes
Sete regiões do país. Sete bairros onde os moradores gostam de viver e de onde não se imaginam a sair. Mesmo que ganhem o Euromilhões. Uns porque vivem lá desde que nasceram e outros porque foi lá que encontraram a felicidade que, no geral, tem tudo a ver com as pessoas e as pequenas coisas... e causas.
Em Videmonte, uma pequena aldeia encavalitada entre vales e montes a 20 minutos da Guarda, o que atrai e retém os habitantes é, por exemplo, o poder ir buscar água fresca ao chafariz que fica ao lado de casa.
Na Foz Velha, no Porto, o mar é tão importante como ter “tudo sem precisar de sair de carro”, conta Francisco Rio. Aqui, a proximidade do mar é tão ou mais importante do que na ilha da Culatra, onde, apesar de ainda se viver do peixe e das amêijoas e ostras, são os moradores que fazem a diferença. Têm sido eles a força por detrás do desenvolvimento da ilha, incluindo a eletricidade, que chegou em 1991. “Foi a maior festa de sempre na Culatra. A EDP até nos ofereceu 30 barris de cerveja para celebrar”, recorda Daniel Santos.
Uma força semelhante que existe no bairro dos Alfinetes, em Lisboa, aqui concentrada no grupo 4Crescente, onde nasceu uma miniloja do cidadão que ajuda as pessoas em tarefas tão simples como preencher e imprimir um papel da Segurança Social. Composto pela Tina, o sr. Lino, a Teresa Romão, o sr. Ernesto e a Cristina, este grupo tem ainda sido a voz dos moradores deste bairro social de Marvila junto das entidades oficiais e o promotor da harmonia entre vizinhos de várias origens.
Tal como faz a associação Arca da Ajuda, na zona da Ajuda, na Madeira, que, nas várias aulas de desporto que leciona e no arraial, que organiza no final de agosto, juntam moradores de todas as classes sociais.E por falar em festas, não há bairro que ganhe aos Canaviais, em Évora, onde todos os meses há uma celebração, seja organizada pela Casa do Povo, pelo Grupo Desportivo ou pela Associação de Reformados. E todos os moradores se conhecem e participam ativamente nestes eventos, mas também na vida uns dos outros. No bom sentido. Mariana Fialho, que se fechou em casa quando o marido morreu, foi puxada para a Casa do Povo pela antiga presidente, a Ana Pedrosa, e, só isso, “foi como ganhar uma alma nova”, conta. E os filhos de Nuno Henriques nunca passaram um dia sozinhos, havia sempre um vizinho que podia ficar com eles.
Solidariedade que também se encontra nas ruas de Rabo de Peixe, nos Açores, onde, apesar das más estatísticas (a zona mais pobre do país), todos dizem ser felizes. Porque mesmo que tenham pouco, aqui as portas das casas ficam abertas; a sala de estar é à porta de casa, anda-se de pé descalço no alcatrão e as crianças brincam na rua. Sem receios.
445 projetos apoiados com 1000 euros
Não é, por isso, de estranhar que as causas vencedoras da edição deste ano do programa Bairro Feliz do Pingo Doce — e a que o Expresso se associou mais uma vez — sejam todas para concretizar pequenos projetos (veja exemplos na lista ao lado). Claro que o facto de o prémio máximo ser €1000 incentiva a que assim seja, diz Manuel Nina, um dos jurados, mas a verdade é que há muitas causas que, mesmo pequenas, fazem uma grande diferença na comunidade e no bairro, acrescenta. Como comprar um baloiço para um parque infantil, ou um forno novo para uma associação fazer as refeições para entregar às famílias carenciadas, ou mesas e bancos para um jardim.
Mas o mais importante deste programa — e do trabalho e iniciativa das associações de bairro e dos grupos de vizinhos que se candidatam — é “pôr os moradores a cuidar do seu próprio bairro”, nota ainda Manuel Nina. E isso vê-se na participação que o programa teve este ano: mais de 3000 propostas, mais de 20 milhões de votos e 445 vencedores nos 20 distritos do país, incluindo ilhas. “As pessoas precisam de mais iniciativas como estas, que promovem um sentido de identidade, um espírito de pertença. Todos sabemos que ‘quem ama, cuida’ e um bairro cuidado é mais feliz”, diz Fernanda Freitas, também jurada este ano.
Açores O Banco de Ajudas Técnicas terá cadeiras de rodas para emprestar à comunidade.
Aveiro Vão equipar o jardim do bairro com mesas de piquenique e bancos.
Beja Os bombeiros voluntários vão ter um monitor de sinais vitais portátil.
Braga O objetivo é incentivar as crianças a terem contacto com a natureza.
Bragança Comprar um carrinho a bateria e tablets para animar crianças hospitalizadas.
Castelo Branco A associação vai comprar tecidos e calçado para os trajes tradicionais.
Coimbra Um grupo de vizinhos vai comprar plantas para ajudar moradores sem possibilidades a recuperar espaços verdes.
Évora O objetivo é cuidar dos cães e gatos abandonados que circulam pelo bairro.
Faro Comprar mesas portáteis para levar o xadrez para as ruas de Loulé.
Guarda Um grupo de vizinhos vai levar 60 moradores a Lisboa.
Leiria Instalar um forno a lenha para a comunidade cozer pão.
Lisboa Comprar equipamentos de ginástica para crianças.
Madeira Proporcionar cuidados a idosos com limitações financeiras e físicas.
Portalegre Uma associação de apoio a deficientes vai comprar caiaques para os seus utentes.
Porto Duas arcas frigoríficas vão conservar os alimentos para doar aos mais cadenciados.
Santarém São as crianças que vão pintar as paredes de forma criativa.
Setúbal A junta de Alcochete vai colocar um tapete na praia para as pessoas com mobilidade reduzida.
Viana do Castelo Uma associação de apoio ao deficiente mental vai comprar uma churrasqueira.
Vila Real Comprar equipamentos de proteção individual.
Bairros mais felizes
O que pode tornar os nossos bairros melhores? Que ideias novas? Que projetos? Do que precisamos para melhorar a nossa qualidade de vida? Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias. Saiba mais sobre o programa AQUI e no Expresso online.
Textos originalmente publicados no Expresso de 28 de outubro de 2022
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