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Viagem pelos ‘bairros felizes’ de Portugal. Capítulo 6: Ajuda

Nos últimos seis meses, e em paralelo com a iniciativa Bairro Feliz do Pingo Doce, o Expresso tem andado pelo país à procura de bairros onde haja um espírito de comunidade e onde os seus moradores se sintam bem, apesar das dificuldades e problemas que lá possam existir. Porque não há bairros perfeitos, mas há bairros felizes

Ana Baptista e José Fernandes

A viagem pelos bairros felizes de Portugal chegou ao Funchal, na Madeira, mais precisamente à Ajuda, na freguesia de São Martinho, uma zona residencial que nasceu numa área de bananal e onde várias realidades e classes sociais vivem e convivem em plena harmonia e sem qualquer preconceito. Junto ao Fórum Madeira, na Estrada Monumental, ficam alguns condomínios com vista para o mar e, em breve, inúmeras casas de “um milhão de euros” que estão agora a ser construídas; um pouco mais acima, na Rua Velha da Ajuda e na Rua do Vale da Ajuda, as vivendas antigas de quando tudo era bananal, cruzam-se com recentes condomínios de habitação e com o bairro da Ajuda, criado no final dos anos 1960 e considerado o bairro camarário “mais calmo” do Funchal.

Esta é também uma zona onde “há de tudo”, diz Trindade Silva, fundador e presidente da associação Arca d’Ajuda, uma das mais relevantes da zona. Há o badalado centro comercial Fórum Madeira, mas também supermercados, mercearias, pastelarias, restaurantes, papelarias e farmácias. Há transportes frequentes, estacionamento, piscinas naturais e até a praia Formosa, “uma das poucas com areia”. E há um jardim urbano com um parque para crianças, um parque para cães, mesas de pingue pongue e um campo de basquetebol que incentiva os miúdos a estar na rua em vez de fechados em casa. “A minha filha adora ecrãs, mas está sempre a pedir-me para ir para o parque”, conta Cristina Gomes, 46 anos, moradora nos prédios que contornam esse mesmo jardim. Isto tudo rodeado de uma enorme coleção de plantas e árvores de fruto que se estendem das levadas até quase ao mar, mas sobressaem mais no bairro camarário, tornando-o ainda mais tranquilo.

Em suma, é uma zona onde quem lá mora não quer sair, onde as pessoas de fora resolvem instalar-se e onde quem sai acaba por regressar mais tarde.

A pastelaria Viana

É quase meio-dia e a esplanada da confeitaria Viana, no final da Estrada Monumental, está cheia. Há cafés e bolos caseiros, feitos ali mesmo, a sair sem parar de uma brilhante e límpida vitrine que dá vontade de comer tudo. “São os melhores da cidade”, diz Paulo Gonçalves, um natural de Cabeceiras de Basto com 46 anos de vida e 18 de Funchal. Mas o que se mais se vende aqui - “umas 170 por dia” - são as francesinhas. Não uma versão madeirense, mas sim as tradicionais à moda do Porto feitas pelas mãos de Armanda, a mulher de Júlio. São ambos naturais de Viana do Castelo e donos deste espaço que abriram há sete anos, precisamente para vender francesinhas. “Temos de andar atrás do dinheiro e Viana é mais do mesmo: ganhar dinheiro no verão para sustentar o inverno. Aqui não há meses fracos, há três meses fortes - abril, agosto e dezembro - que é quando há mais imigrantes”, conta Júlio enquanto tira mais um café com leite. E a zona foi escolhida a dedo, quase literalmente. “Íamos para o centro, mas a loja e o sítio não me agradou porque não tinha estacionamento, mas depois vi esta e sentei-me aí no muro a contar as pessoas que passavam e a ver as luzes que havia nos prédios e decidi que este era o sítio”, continua.

O restaurante Paragem

José Escórcio, 67 anos, é o dono deste restaurante situado numa das zonas mais calmas da Ajuda, mesmo ao lado do bairro camarário. “Já aqui estou há 30 anos”, conta. No restaurante, porque do bairro saiu há pouco tempo, quando ficou sozinho e a casa onde estava se tornou grande demais. Só não se importa muito de já não viver ali porque passa lá os dias, a trabalhar, de manhã ao início da noite, e conhece quase todos os que passam no restaurante. Como Carla, 52 anos, e Inês, 51 anos, que são melhores amigas mas passam bem por irmãs. Moram no mesmo prédio, frente a frente e têm dois pequenos cães - Scooby e Re -, que também são inseparáveis mas, esses sim, são familiares, neste caso, pai e filho. Carla e Inês também já vivem no bairro há quase 30 anos e garantem que não o trocavam “por nada” porque, além de terem “tudo pertinho, a cinco minutos a pé”, é um bairro “quentinho. Passo o verão e inverno de janelas abertas”, conta Carla.

Joaninha

Joana - ou Joaninha para os amigos - tem 25 anos e vive na levada acima do bairro camarário da Ajuda, onde só dá mesmo para ir a pé. Mas como fez ginástica e aeróbica na escola e desde o novembro do ano passado que está na equipa de atletismo da Arca d’Ajuda, a subida íngreme “não é um problema”. Foi por essa altura que regressou a casa depois de cinco anos em Lisboa a estudar medicina. “Isto aqui não tem comparação. Aqui tenho vista e sossego e não há trânsito”, diz. O resto da sua formação será, por isso, feita na Madeira. “Inscrevi-me hoje na Ordem dos Médicos”, diz, com um enorme sorriso de satisfação na cara. “Agora só me falta fazer o exame cuja nota determina a especialidade que posso escolher. Quero pediatria, mas vamos ver se dá”, acrescenta. Não sabe, por isso, se terá muito tempo para o atletismo da Arca d’Ajuda, mas para Paulo Gonçalves, que é o diretor desportivo da associação, a Joaninha já é da família.

Com 11 anos celebrados no final de junho, esta entidade ocupa agora um pequeno espaço mesmo em frente à escola e junto ao jardim e é ali que há algumas aulas, como a dança ou a esgrima. As outras são feitas na escola ou em salas alugadas ali perto. Mas as atividades mais fortes são mesmo o atletismo e o futebol, tanto para crianças como para adultos. Trindade Silva lembra a evolução que foi ao longo dos anos. “Até há cinco anos, a sede era o meu apartamento, o escritório era a bagageira do meu carro e as reuniões eram no restaurante”, conta. Agora, é uma das mais reconhecidas associações da zona e até do Funchal que, além de promover e manter as tradições culturais da Ajuda, é um clube desportivo com mais de 10 modalidades, um ATL para mais de 80 crianças durante o verão e, acima de tudo, um ponto de encontro dos moradores. “Uma família”, reforça, mais uma vez, Paulo Gonçalves.

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