O novo ministro da Economia nunca pensou em ir para o Governo — “os meus planos passavam pela reforma”, disse ao Expresso na entrevista marcada para Sines, local dos Encontros Fora da Caixa, promovidos pela CGD. Mas António Costa adiou-lhe esse plano de vida num almoço a dois em São Bento, algures em fevereiro: “Temos um primeiro-ministro muito persuasivo. Aprendeu a lidar comigo.” E, aprendendo, deixou António Costa Silva dizer todos os nomes que lhe ocorriam para o cargo, anotando os problemas que cada um representava. No fim do repasto, restou um nome na lista: ele próprio.
António Costa Silva aceitou, mas o cenário em que disse o ‘sim’ ao chefe de Governo mudou poucos dias depois, ainda antes da posse, com o eclodir da guerra na Ucrânia. “Mudámos de era geopolítica”, anota, lembrando como foram proféticas as palavras do ex-Presidente francês François Mitterrand: “Nacionalismo é a guerra.”
“Agora caminhamos para um mundo fragmentado, talvez mesmo para uma nova cortina de ferro”, dividindo “democracias e autocracias”. Não será uma divisão sem consequências para todos, como já é visível: 36% da produção de cereais do mundo concentrava-se na Rússia e Ucrânia, agora temos de nos preparar para “um choque alimentar”. “A segurança alimentar é um dos grandes problemas à nossa frente”, reconhece o ministro, mas a “fragmentação da logística” tem consequências bem mais vastas, porque “a logística é a espinha dorsal das economias”.
Inflação: menos “conjuntural”
Com a globalização a “refrear” e “os custos a aumentar”, a pergunta ao homem que há três meses tomou em mãos a pasta da Economia é se ainda é possível acreditar — como o primeiro-ministro tem sustentado — que a subida da inflação é temporária. “É muito difícil ter análises definitivas. O que sabemos é que ela é largamente importada, já que 75% do aumento deriva da subida de custos da energia e do sector alimentar. Mas quanto mais tempo passa, mais difícil é de admitir que seja transitória”, reconhece o ministro nesta conversa.
Assim sendo, nova dúvida no horizonte: não sendo transitória, estando a inflação a galopar, o Governo terá de aumentar os apoios em vigor para as famílias com menores rendimentos e para as empresas? “Temos de continuar a monitorizar, mas respostas rápidas e bruscas podem aumentar a espiral inflacionista”, começa por dizer. Mas deixando uma porta já aberta à revisão das medidas em vigor: “O Governo tomou medidas — podemos discutir a amplitude, mas tomou. Mas, como disse, o foco do Governo é mesmo de ter muita atenção às pessoas mais vulneráveis e às empresas. É evidente que este cabaz de medidas pode não ser suficiente e temos de estar sempre atentos à realidade. E estarmos muito perto das pessoas e das empresas. O que sinto das empresas e das associações empresariais é muita apreensão, muita preocupação, mas temos de ter em conta que os recursos não são infinitos.”
“Quanto mais tempo passa, e quanto mais a guerra se prolonga, mais difícil vai ser não admitir que há outros fatores não conjunturais que vão intervir na composição da inflação. Temos de ser cuidadosos, graduais, e sincronizar as medidas com as de natureza monetária”, acrescenta ainda.
Aumentar salários? Costa “não dá ponto sem nó”
Por serem finitos, precisamente, o Governo decidiu manter em 0,9% a subida de salários na Administração Pública no Orçamento do Estado que foi aprovado há duas semanas. Mas isso não impediu António Costa de desafiar os empresários a subir os salários do sector privado em 20% até ao fim da legislatura. As declarações do sábado provocaram críticas imediatas da esquerda (BE, PCP) à direita (PSD). Mas o que pensa Costa Silva? “O primeiro-ministro não dá ponto sem nó”, confia. Mas “como vamos chegar lá não sei”, admite o ministro.
O que diz saber são os pressupostos: “Temos de criar riqueza, de deixar de ser um país subsidiodependente, sempre à espera de fundos europeus. Para isso é preciso uma rutura”, avisa, e o Governo terá de adotar “as políticas certas para criar condições” para fazer isso. Porque “potencialidades, o país tem” em várias áreas.
Outra coisa que é preciso fazer é mudar de métodos, desde logo no Estado. Costa Silva, que foi gestor no sector privado, sentiu as diferenças assim que chegou ao Ministério.
“É muito diferente”, reconhece, porque se no sector privado se corre contra o tempo, “no Estado parece que se tem tempo — mas não tem. É o mais difícil de fazer”, admite o ministro, mudar esta mentalidade no Estado. Essa e outra: acabar com a “cultura de silos” — entendendo por silos a ideia de que cada departamento trabalha exclusivamente para si.
A questão do tempo desafia Costa Silva, que, por exemplo, não hesita quando a questão é sobre o novo aeroporto internacional de Lisboa: deve o Estado esperar pela avaliação estratégica que foi pedida ou avançar já para a opção que estava definida (e que o veto da Câmara do Montijo travou)? “Não podemos converter-nos no país da indecisão. A conectividade aérea é fundamental para o turismo, mas também para toda a indústria.” Entenda-se: do ponto de vista do novo ministro é para avançar e rapidamente.
Mas persiste a dúvida: com o apoio do PSD? Ou fazendo uso da maioria absoluta? Neste e noutros temas, António Costa Silva tem uma resposta: “Valorizo muito a política, devemos manter diálogo em todas as áreas com o país. Mas temos de fazer a bissetriz e avançar — não podemos governar com modelos do passado.”
Na sua área, promete fazer isso mesmo. E quis dar Sines como exemplo — o porto de águas profundas que há décadas pede investimento e estratégia ao poder político: “Às vezes somos péssimos a executar. Mas sou muito pragmático”, diz ao Expresso. “Formei um grupo de trabalho com representantes de todos os ministérios, para sentar toda a gente, mapear os problemas e ver como os superar. Temos grande capacidade de atrair investimento privado” para a região, assegura, mas é preciso trabalhar “com indicadores de performance”. Leia-se: definir objetivos, lançar mãos à obra e depois ir verificando dia a dia a sua concretização.
Sines: um “caleidoscópio de oportunidades”
Ideias não faltam a Costa Silva — o seu anteprojeto do Programa de Recuperação e Resiliência, com que o primeiro-ministro o puxou há dois anos para a ribalta pública — mostram isso. Durante os 40 minutos de entrevista, o agora ministro elabora sobre as suas ideias para Sines, “um caleidoscópio de oportunidades” nas suas palavras. Passa pelo seu plano para exportar gás para a Europa a partir de lá, do seu projeto de fazer deste porto um local central para o greenshipping, os combustíveis de nova geração, elabora sobre eles — hidrogénio, metanol, amónia verde —, aponta para um cluster de energias renováveis. Até para a criação de “ilhas artificiais com plataformas multiusos” que permitam precisamente potenciar estas novas energias. E lembra os cabos submarinos que, promete, “ligarão Portugal aos cinco continentes”, abrindo caminho a outro mundo que o ministro quer explorar: “Os dados são o petróleo deste século.” Se ideias não faltam, o desafio de António Costa Silva será mesmo executá-los.
Macedo alerta: não paralisar
Antes dele, na mesma conferência, já Paulo Macedo — presidente da CGD — tinha alertado para a grande dúvida que pende sobre o mundo financeiro neste momento: “A grande questão é que cenários vamos ter em 2023”, disse, apontando quer para a inflação (“com elementos que são conjunturais e outros que não”) quer para o ritmo de crescimento das maiores economias mundiais. “A banca está preparada para apoiar as oportunidades”, garantiu, frisando que “temos razões para estarmos preocupados, mas também razões para não estarmos paralisados”.
As razões do otimismo, disse Paulo Macedo, prendem-se com o facto de a maior parte dos sectores atingidos pela guerra na Ucrânia não serem os que já foram mais afetados pela crise pandémica; ou pelas oportunidades geradas pela relocalização de muitas empresas na Europa — a que Costa Silva se disse atento, merecendo até uma conversa com o seu homólogo alemão na Feira de Hanover da semana passada.
“Os investimentos existem para ser usados, não para serem geridos”, disse Paulo Macedo, alertando que nesta crise “há um papel para o Estado e um para os empresários e gestores”.
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