“Criptomoeda é o investimento da década”
Futuro. O grande risco no mercado dos criptoativos são as barreiras que ainda mantêm a população em geral afastada destes produtos de investimento. Falta literacia financeira
Futuro. O grande risco no mercado dos criptoativos são as barreiras que ainda mantêm a população em geral afastada destes produtos de investimento. Falta literacia financeira
Fátima Ferrão
Quando o multimilionário Elon Musk, fundador da Tesla e da SpaceX, anunciou, em julho passado, que tanto ele como as suas empresas detinham criptomoeda nos patrimónios financeiros, o valor da bitcoin cresceu exponencialmente em poucas horas. Foram milhares os investidores que correram para apostar num dos ativos digitais mais polémicos. “Este anúncio deu um sinal de confiança ao mercado”, acredita Pedro Borges, fundador da Criptoloja, a primeira loja de bitcoin registada no Banco de Portugal, e um dos oradores na conferência “Parar para pensar: o novo investidor”, que decorreu esta semana. “Foi também uma demonstração de que já havia investidores mais qualificados a fazer um investimento estratégico num ativo que, de alguma forma, é desvalorizado e visto como uma coisa menor”, acrescenta.
No fundo, o anúncio de Musk vem credibilizar um ativo que, até há poucos anos, era criticado por bancos, fundos de investimento e pelos mercados financeiros tradicionais, em geral. Agora, revela Pedro Borges, há empresas cotadas na bolsa de Nova Iorque que têm bitcoins nos seus ativos, “como uma reserva de valor, de uma desvalorização eventual que o dólar possa vir a ter”.
Que o diga Diogo Mónica, cofundador da Anchorage Digital, a fintech que deu origem ao Anchorage Digital Bank, o primeiro banco de criptoativos a ser aprovado a nível federal nos Estados Unidos. “Não trabalhamos com retalho. Os nossos clientes são empresas, governos, bancos, bolsas”, disse ao Expresso à margem da conferência em que participou. “Há três anos, o investimento em criptoativos era um fenómeno de retalho, mas agora é um fenómeno institucional”, reforça. O especialista em sistemas de segurança acredita que, num futuro próximo, “vamos ver mais empresas a ter tokens em vez de ações na bolsa”. Trocando por miúdos, tokens são ativos digitais que podem ser usados dentro do ecossistema de um determinado projeto, com possibilidade de valorização ao longo do tempo. Ou seja, uma espécie de ações de um projeto ou empresa que, ao valorizar-se, trarão ganhos àqueles que confiarem na ideia numa fase inicial.
Portugueses com hábitos mais saudáveis
Na perspetiva de ambos os especialistas, os mitos associados aos riscos da criptomoeda começam a cair por terra. “A criptomoeda é o investimento da década”, acredita Diogo Mónica. A tecnologia blockchain, na qual assenta a criptomoeda é, na sua opinião, “uma das mais resilientes já criadas”. Com esta tecnologia é possível saber, a qualquer momento, onde estão os ativos, com a vantagem adicional de que nem um apagão informático mundial faz perder a informação, uma vez que está replicado em todo o lado. “A blockchain traz confiança em muitos aspetos. Não é preciso confiar nos bancos ou nas instituições porque a tecnologia dá todas as garantias de segurança”, explica o responsável da Anchorage Digital.
Branqueamento de capitais, fraudes financeiras ou financiamento de negócios ilícitos como o terrorismo são mais fáceis de controlar quando os ativos são criptomoedas. “Este é o pior ativo para os criminosos”, salienta. Ao contrário da ideia que passa para o mercado, os criptoativos são regulados e taxados em muitos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, pagam impostos sobre propriedade, enquanto em Portugal, até ao momento, estão isentos de mais-valias, desde que se trate de um investimento privado.
Mas, então, não há riscos? Claro que sim. É preciso estar atento e recorrer apenas a entidades certificadas para adquirir este tipo de ativos. “As pessoas vão com alguma cautela, começam com montantes baixos e procuram informação para aprender como funciona este mundo”, diz Pedro Borges. Mas, aponta, é preciso mais literacia digital e financeira. Uma opinião partilhada por Diogo Mónica. “É necessária mais educação sobre a natureza e características das várias criptomoedas, sobre as vantagens da diversificação e sobre os níveis de risco e horizontes de investimento adequados a cada tipo de investidor.” No entanto, o especialista acredita que o maior risco se encontra nos fatores de bloqueio e na informação divulgada no mercado, muitas vezes por bancos e instituições financeiras, que propaga a desigualdade e impede a população em geral de ter contacto com estes ativos.
Mas se as plataformas de investimento digital ganharam novos adeptos nos últimos 19 meses, o mesmo aconteceu na aquisição de todo o tipo de produtos. “O consumidor é agora multifacetado e aprendeu a consumir à distância”, assume Pedro Celeste, professor associado da Católica School of Business & Economics. O professor foi um dos oradores convidados da conferência “Parar para pensar: o novo consumidor”, que juntou esta semana peritos na área do consumo. Pode dizer-se, garante, que nasceu um novo consumidor que interage e compra de maneira diferente. Um perfil que se ajustou às condicionantes da pandemia, mas que agora encara as compras online como uma commodity. “O digital serve para libertar tempo para fazer outras coisas que considera mais úteis, como estar com os amigos, pensar ou ler”, reforça.
Investidor mais jovem e digital
Esta mudança exige que as empresas olhem para o consumidor de forma distinta. “As marcas têm de apostar em estar mais perto do consumidor, em conhecê-lo, e em acrescentar valor à experiência de compra”, defende João Ribeiro, responsável de marketing da Deco Proteste, que partilhou o palco desta conferência com Pedro Celeste e com Helena Martins, da Google Portugal. “O consumidor quer transparência, segurança, conveniência e escolhas”, salienta a responsável da tecnológica que destaca a importância deste tipo de cliente opinar sobre a sua experiência, uma vez que dá informação às marcas para melhorar a sua oferta e abordagem. “Temos e estar sempre à escuta”, diz.
Outro grande desafio para as marcas passa por lidar com as opiniões veiculadas por influencers e outros líderes de opinião. Segundo dados da Deco Proteste, 92% dos consumidores consultam avaliações e opiniões dos seus pares antes de tomarem uma decisão. “Temos um conjunto de ‘tribos’ com que os consumidores se identificam e cujos hábitos e comportamentos influenciam terceiros”, explica João Ribeiro. E o desafio das empresas será “entregar uma experiência balanceada, que tenha em conta as preferências dos consumidores, mas também os inputs destes líderes de opinião”, conclui.
Inseridos no ciclo de conferências “Parar para pensar”, projeto que associa o Expresso e a Deco Proteste, com o patrocínio da Google, os debates desta semana refletiram sobre como serão o ‘novo consumidor’ e o ‘novo investidor’ do futuro. Os comportamentos e hábitos de consumo adquiridos durante os confinamentos, e que permaneceram enquanto a mobilidade dos cidadãos esteve condicionada, vieram para ficar? E o facto de estarmos fechados e com acesso a ferramentas digitais terá criado um novo perfil de investidores? As respostas ficaram a cargo de Pedro Celeste, da Católica, João Ribeiro, da Deco Proteste, e Helena Martins, da Google, no debate sobre o ‘novo consumidor’, e de Diogo Mónica, do Anchorage Digital, Pedro Borges, da Criptoloja, e Miguel Correia, do IST, na conversa sobre o ‘novo investidor’.
Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de outubro de 2021
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