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Falta consistência estratégica nos OE

Pós-pandemia. Desafios estruturais de produtividade e de requalificação e pressões políticas e económicas externas complicam retoma em Portugal

Fátima Ferrão

Em 2018, 25% dos portugueses recebiam o salário mínimo. Três anos depois, o cenário é semelhante. A geração mais qualificada de sempre não tem uma remuneração compatível com o nível de estudos, “não porque tem habilitações a mais, mas porque tem oportunidades a menos”, afirma Sandra Maximiano. A professora do Instituto Superior de Gestão (ISEG), que falava durante a conferência “Parar para Pensar a Nova Economia”, defende que é necessário criar emprego que seja consistente com este nível de habilitações. Contudo, para consegui-lo é preciso “investir mais e em empresas com mais capacidade de inovação e de crescimento”, uma estratégia que tem de contar com o apoio do Estado. “Ter lideranças que estimulem a mudança e a diferença é essencial”, reforça o economista João Duque.

Num momento em que o crescimento e a retoma económica são prioridades para o país, a produtividade é, mais do que nunca, um desafio. No entanto, fatores como a desigualdade entre as pessoas, que se agudizou durante a pandemia, ou o impacto que esta teve na saúde física e mental da população, podem prejudicar o tão necessário aumento da produtividade. Infelizmente, aponta Filipe Santos, reitor na Católica School of Business & Economics, “as mudanças estruturais não se fazem rapidamente e sem planeamento”. E este é, para Sandra Maximiano, um dos calcanhares de Aquiles do país. “Falta visão estratégica para definir objetivos, apontando as formas de lá chegar.”

Consumidores mais atentos aos preços

Mas aos desafios estruturais juntam-se agora outras variáveis, internas e externas, que, para os três economistas, podem alterar por completo o rumo previsto para a retoma económica. Internamente, o eventual chumbo do Orçamento do Estado (OE) pode ter graves consequências económicas e sociais, nomeadamente o atraso na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “É preciso uma grande rapidez para aprovar e executar, pois qualquer atraso é um problema nefasto”, diz Filipe Santos. O reitor acredita que, apesar da “teatralização da política a que estamos a assistir, e que retira credibilidade ao Governo, o acordo chegará a tempo de evitar o chumbo”. Neste cenário hipotético, e com uma governação em duodécimos, o caminho do crescimento será posto em causa. Também otimista, João Duque acredita que, mesmo com um chumbo do Orçamento, será possível executar o financiamento garantido pela ‘bazuca’. “Os políticos vão arranjar forma de aprovar os fundos, mesmo que com duodécimos.” O economista defende que o OE não deve ser ‘salvo’ para evitar uma crise política, mas ser ajustado para servir melhor o interesse de todos. “Mas não podemos esperar que o Orçamento de um Governo apoiado pela esquerda seja muito atrativo para o investimento, as empresas e a economia de mercado.”

Já a nível externo, os desafios podem ser mais complicados. A dependência da Europa para a aquisição de determinadas matérias-primas e a crise energética que está a desenhar-se, com o aumento dos preços da eletricidade e dos combustíveis, podem afetar as exportações nacionais e provocar um aumento de preços generalizado, com impacto nos bolsos das empresas e das famílias. “Os decisores políticos não estão a ver o filme todo”, afirma Filipe Santos. A inflação está a aumentar, os bancos centrais tenderão a fazer crescer os juros, o que terá consequências no investimento. “Podemos ter, durante um par de anos, uma dinâmica inflacionista que não víamos há mais de 10 anos”, alerta.

Sociedade em mudança

Depois de quase dois anos com a economia a meio-gás e com os modelos de trabalho e de consumo alterados pelas condicionantes da crise de saúde pública, a organização social está diferente, assim como a forma de trabalhar e de consumir. A pobreza que, em 2019, atingia cerca de 20% da população terá aumentado nos últimos 18 meses, o que coloca grandes desafios sociais e económicos. O desemprego, que cresceu na faixa etária acima dos 45 anos, e as incertezas externas dificultam a antecipação do verdadeiro impacto da pandemia. “Precisamos de, pelo menos, dois anos para perceber todas as mudanças de hábitos na sociedade”, acredita Diogo Gonçalves, da Nudge Portugal, que participou no debate sobre ‘Pós-pandemia’.

Certo é que o trabalho remoto, suportado por modelos híbridos, veio para ficar, assim como as compras online, que, como acredita Ana Pinto Borges, do ISAG, irão manter-se, especialmente em alguns segmentos. Aliás, defende a professora, a adaptação das marcas a uma estratégia omnicanal e multiplataforma terá, em muitos casos, de ser profissionalizada, pois os consumidores querem ser tratados da mesma forma em todos os canais de venda.

Portugueses mais confiantes no futuro

Carlos Monteiro

Com o desconfinamento mais alargado, o consumo online diminuiu, mas continua acima dos valores de 2019. Por outro lado, o regresso das pessoas aos grandes centros urbanos está a alterar novamente a forma de comprar. Se, durante a pandemia, o comércio de bairro teve um efeito benéfico, este efeito começa a esbater-se. “Foi uma âncora para evitar as grandes lojas do retalho, o que teve um efeito também sobre o tipo de produtos consumidos”, diz Pedro Pimentel. Para o responsável da Centromarca, os consumidores deram mais atenção a produtos locais e a questões de sustentabilidade, que agora, acredita, podem perder-se. Ainda assim, e uma vez que “vamos ter uma crise económica e social, é provável que volte a dar-se atenção e preferência aos produtos nacionais”, reforça.
Na opinião de Diogo Gonçalves, o pós-pandemia pode ser a oportunidade de implementar hábitos positivos e duradouros no consumo e no comportamento das pessoas. “Julgo que se poderiam utilizar as evidências das ciências comportamentais para, tirando partido deste efeito de ‘começar de novo’ que paira sobre as sociedades, desenvolver os hábitos/comportamentos que permitam garantir a continuidade da espécie humana no planeta Terra.”

Pós-pandemia e nova economia em debate

Inseridos no ciclo de conferências “Parar para Pensar”, que associa o Expresso e a Deco Proteste e que conta com o apoio da Google, os debates desta semana colocaram em discussão temas como ‘Pós-pandemia’ e ‘Nova economia’. O que mudou na sociedade e nas empresas nos últimos 18 meses e de que forma estas alterações terão impacto na recuperação económica no pós-pandemia foram alguns dos temas abordados. Com a moderação de Marta Atalaya, o debate sobre ‘Pós-pandemia’ contou com a presença de Pedro Pimentel, da Centromarca, Diogo Gonçalves, da Nudge Portugal, Miguel Cristóvão, da Deco Proteste, e Ana Pinto Borges, do ISAG. Já no debate sobre ‘Nova economia’, a jornalista da SIC recebeu João Duque e Sandra Maximiano, do ISEG, e Filipe Santos, da Católica School of Business & Economics.

Textos originalmente publicados no Expresso de 23 de outubro de 2021

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