Projetos Expresso

Medicina personalizada é o futuro do combate ao cancro, mas faltam dados

A investigação científica é apontada como fundamental para melhorar os cuidados prestados em oncologia, mas é preciso encurtar o tempo entre a inovação e a sua aplicação no percurso do doente
A investigação científica é apontada como fundamental para melhorar os cuidados prestados em oncologia, mas é preciso encurtar o tempo entre a inovação e a sua aplicação no percurso do doente
José Fernandes

Projetos Expresso. Além da importância da prevenção e da deteção precoce na oncologia, o acesso a informação em tempo real sobre os doentes e tratamentos é essencial para atuar de forma eficaz, dizem os peritos. À sexta-feira, o ‘Mais Saúde, Mais Europa’ resume os momentos-chave da semana numa iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma

Francisco de Almeida Fernandes

É unânime, entre investigadores e profissionais de saúde ligados à oncologia, que cerca de 40% dos casos de cancro são evitáveis através da aposta na prevenção, na mudança de estilos de vida e de uma maior facilidade de acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Porém, alertam, existe ainda muito a fazer para conseguir transformar a estatística em realidade.

“Acredito que a investigação é o grande motor de toda a mudança que pode acontecer”, afirmou Rui Medeiros, presidente da Associação Europeia das Ligas Contra o Cancro, durante a conferência Cancro: Cada Dia Conta, na quarta-feira. Para este responsável, o novo Plano Europeu de Combate ao Cancro é uma oportunidade para “discutirmos o aperfeiçoamento do plano nacional”, diz ao Expresso.

A medicina personalizada, focada em cada doente e com terapêuticas feitas à sua medida, tem potencial para ser catalisadora de um novo paradigma na abordagem aos diferentes tipos de cancro. “É uma abordagem que sistematicamente recolhe, junta e analisa diferentes tipos de dados de diferentes doentes”, explica Carla Bedard Pfeiffer. A vice-presidente do Grupo de Trabalho de Medicina Personalizada da Federação Europeia da Indústria e Associações Farmacêuticas (EFPIA) detalha que os benefícios passam por “melhorar os resultados para os doentes, melhorar a eficiência dos sistemas de saúde e da investigação e desenvolvimento para descobrir inovações ainda melhores”.

“É importante ter dados muito focados na monitorização de A a Z de todo o sistema. Temos de ter informação ao dia e ao momento, não a cada seis meses”, aponta José Dinis, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas

Porém, os desafios à implementação desta forma de atuar não estão superados. A aposta e o reforço da investigação, clínica e científica, mas também o registo de dados, são fatores essenciais para conseguir dar o passo que falta para a medicina do futuro – eficiente, eficaz e dirigida a cada doente. “Temos de recolher a evidência e analisar os dados”, refere Joana Sousa, da MOAI Consulting, que apresentou, durante o evento, um conjunto de recomendações sobre como melhorar o acesso a novos medicamentos, reduzir desigualdades, aumentar a literacia e melhorar a prestação de cuidados de saúde.

A igualdade entre cidadãos europeus é uma das grandes preocupações vertidas no novo Plano Europeu de Combate ao Cancro, mas também um dos quatro pilares da União Europeia e da Presidência Portuguesa do Conselho da UE, cuja atividade o ‘Mais Saúde, Mais Europa’ continua a acompanhar. À sexta-feira, a iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma resume as principais reflexões da semana

€430 milhões

é o valor total gasto em medicamentos oncológicos em 2020, de acordo com o Infarmed. Estas armas terapêuticas representam 30% de toda a despesa hospitalar com medicamentos

Conheça os destaques:

Conhecer para agir

  • Quer do ponto de vista da implementação da medicina personalizada, quer da definição de estratégias para reduzir o número de novos casos de cancro e mortes associadas, a implementação de um registo europeu de doentes oncológicos é um dos primeiros passos a dar. “Queremos que os dados [de saúde] sejam potenciados e usados como ferramentas de apoio à decisão”, defende Joana Sousa.
  • Para isso, contudo, será importante que a recolha desses dados seja uniforme, simplificada e em tempo real. “Os números da incidência e mortalidade dizem-nos pouco sobre como é que os nossos doentes são tratados”, diz a consultora. Acredita que não só é essencial conhecer a doença e quem por ela é afetada, mas também todas as informações do percurso do doente desde o rastreio ao tratamento.
  • Luís Costa, presidente do Colégio de Oncologia Médica da Ordem dos Médicos, aponta a criação da plataforma digital de registo prevista no plano europeu como uma forma de “saber o que está a correr bem e o que não está a correr tão bem” entre regiões, hospitais e serviços. “Precisamos de saber isso para atuar e detetar que problemas é preciso resolver”, sublinha. O especialista defende ainda que estas informações, que devem poder ser “auditáveis e imputáveis de responsabilidade”, podem servir como bússola para promover o investimento em determinadas áreas.

Investigação ao serviço dos doentes

  • Rui Medeiros reconhece que a “investigação tem feito o seu caminho” e que “existem tecnologias altamente avançadas” que beneficiam todas as fases do ciclo do doente – rastreios, diagnóstico precoce e tratamento. Contudo, critica o tempo de adoção destas novas soluções. “Não é mais razoável que se aguarde 10 anos para aplicarmos uma nova tecnologia com benefícios evidentes”.
  • A investigadora e especialista em cancro da mama do Centro Clínico Champalimaud, Fátima Cardoso, diz mesmo que “a inovação só vai ter realmente impacto se chegar a quem precisa dela”, sendo para isso necessário melhorar os mecanismos de avaliação e aprovação de novos medicamentos, terapêuticas ou tecnologias de saúde.
  • A este propósito, o relatório de recomendações da MOAI Consulting aponta que 42% dos portugueses inquiridos consideram “mais fácil aceder a tratamentos inovadores em outros países”, mas também em território nacional identificam desigualdades. “Quase 60% da população acha que o sítio onde estamos a ser tratados ou diagnosticados terá um impacto direto na qualidade dos cuidados prestados”, revela Joana Sousa.

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