Projetos Expresso

“Em oncologia, o preço dos tratamentos não está ligado ao benefício”

A investigação e a inovação científica podem ter impactos positivos na vida dos doentes, mas também na redução dos custos dos sistemas de saúde, tornando-os mais eficientes
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Projetos Expresso. A investigadora Fátima Cardoso defende a implementação de uma escala objetiva que permita aferir os ganhos em saúde que cada novo medicamento ou terapêutica implica para os doentes. A importância do avanço no conhecimento científico, o novo plano europeu e as desigualdades no acesso na Europa foram temas centrais da conferência Cancro: Cada Dia Conta, uma iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma, que se realizou esta manhã

Francisco de Almeida Fernandes

Com os impactos já conhecidos da pandemia na atividade assistencial dos serviços de saúde, muitos cancros podem ter ficado por diagnosticar e muitos outros terão sido detetados tardiamente, implicando consequências mais gravosas para os doentes e, em alguns casos, a perda da vida. “A deteção precoce é muito importante”, fez questão de lembrar Matti Aapro, presidente da Organização Europeia de Doentes com Cancro, durante uma intervenção na conferência Cancro: Cada Dia Conta desta manhã. Para o especialista, existem diferentes obstáculos a um diagnóstico atempado, mas sobretudo no acesso da população europeia ao tratamento em tempo útil, sem desigualdades. “Temos de vencer esta barreira entre países europeus, entre regiões dentro dos países, em que alguns doentes têm acesso à deteção precoce, ao diagnóstico, tratamento e suporte apropriados”, defendeu, enquanto outros não têm a mesma oportunidade.

A questão da acessibilidade integra os principais objetivos do Plano Europeu de Combate ao Cancro, anunciado pela Comissão Europeia em fevereiro. Este programa comunitário tem uma dotação orçamental de €4 mil milhões para uma ação assente em quatro pilares fundamentais – a prevenção, a deteção precoce, o diagnóstico e tratamento e, por fim, a melhoria da qualidade de vida dos doentes. Para isso, será reforçado o apoio à investigação científica, que será garantido também por fundos do Horizonte Europa. “Reduzir o risco de desenvolver um cancro, melhorar a taxa de sobrevivência e a qualidade de vida, reduzindo as desigualdades entre doentes e garantir que têm acesso a tratamentos inovadores” devem ser as linhas orientadoras deste plano e de todos os países europeus, defende Thomas Hofmarcher, investigador no Instituto Sueco de Economia de Saúde.

Sobre a importância da investigação na oncologia, Fátima Cardoso acredita que esta só terá “um verdadeiro impacto na vida dos doentes” quando reunir três condições essenciais: aplicações clínicas, fácil acesso e custos viáveis. Sobre o preço das intervenções médicas, a especialista em cancro da mama do Centro Clínico Champalimaud critica o atual modelo de reembolso do Estado aos prestadores de cuidados de saúde, que não privilegia os ganhos em saúde, mas antes o número de procedimentos realizados. “Pagamento por procedimento pode encorajar a fazer múltiplas intervenções no mesmo doente, que não é o que desejamos”, refere. A investigadora acredita que a solução passa por definir “um montante fixo por doente”, deixando a decisão sobre o número e tipo de intervenções a cargo dos profissionais, que devem, afirma, decidir com base na ciência.

Conheça as principais conclusões do evento Cancro: Cada Dia Conta, integrado no projeto ‘Mais Saúde, Mais Europa’, uma iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma:

Obstáculos no combate ao cancro

  • Entre os oradores nacionais e internacionais desta conferência, a opinião é unânime em relação à importância de reforçar a aposta na prevenção e deteção precoce de doentes com cancro ou em risco de desenvolver doença oncológica. “Para isso é fundamental investir na literacia em saúde da população, aumentar a taxa de adesão a rastreios e o acesso aos cuidados de saúde”, explica João Almeida Lopes, presidente da Apifarma.
  • Da mesma forma, diminuir as desigualdades no tempo de acesso a medicamentos e tratamentos inovadores entre Estados-membros é fundamental. Fátima Cardoso exemplifica com resultados de estudos recentes, que mostram que na Holanda os doentes têm acesso, em média, no prazo de 234 dias, enquanto os portugueses precisam de 790 dias para usufruir das mesmas terapêuticas. “Pior do que nós só a Polónia e outros países do Leste europeu”, diz.
  • A introdução e adoção plena de uma medicina personalizada, orientada para cada doente em particular, é algo que Rui Medeiros considera urgente. “É uma das revoluções que pode ser feita”, garante o presidente da Associação Europeia de Ligas Contra o Cancro. Mas para que isso aconteça, será necessário investir em investigação, na recolha e partilha de dados a nível nacional e comunitário, mas também atribuir um “preço justo e adequado” às tecnologias de ponta e tratamentos inovadores.
  • Para Fátima Cardoso, “em oncologia, o preço dos tratamentos não está ligado ao benefício”, um cenário que tem de ser invertido. A investigadora pede uma avaliação objetiva dos ganhos de cada medicamento ou terapêutica para a vida dos doentes e a definição de um preço com base nessa ponderação.
  • Testes com recurso a biomarcadores e a análise de perfis de genomas podem, sublinha Carla Bedard Pfeiffer, da Federação Europeia da Indústria e Associações Farmacêuticas, “gerar poupanças para os sistemas de saúde” e melhorar os resultados na vida dos doentes. “A nossa investigação mostra que o acesso à testagem de alta qualidade de biomarcadores é inconsistente na Europa”, aponta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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