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Após um terramoto, “todos os segundos contam”: este projeto desenvolveu tecnologia para saber onde a ajuda é precisa primeiro

Um violento tremor de terra, a 6 de fevereiro de 2023, devastou zonas desfavorecidas da Turquia, como Antakya, e regiões da Síria castigadas pela guerra. Morreram cerca de 60 mil pessoas
Um violento tremor de terra, a 6 de fevereiro de 2023, devastou zonas desfavorecidas da Turquia, como Antakya, e regiões da Síria castigadas pela guerra. Morreram cerca de 60 mil pessoas
YASIN AKGUL / AFP / GETTY IMAGES

Grécia, Turquia, Roménia e Moldova uniram esforços para desenvolver uma plataforma capaz de identificar os danos e riscos provocados por um terramoto em tempo real, assim como uma app para ajudar a população a partilhar a sua localização com a família e amigos e encontrar os pontos de encontro de emergência

Após um terramoto, “todos os segundos contam”: este projeto desenvolveu tecnologia para saber onde a ajuda é precisa primeiro

Eunice Parreira

Jornalista

No início de junho deste ano, um terramoto de 5,3 de magnitude atingiu a Bulgária, a Turquia, a Grécia e a Macedónia do Norte, ferindo quase 70 pessoas. Em 2023, um sismo de magnitude 7,7 abalou a Turquia e a Síria e foi considerado pela ONU como o “pior desastre natural num século na Europa”. O sudeste da Europa e a região do Mar Negro apresentam elevados riscos sísmicos, pelo que não é surpresa que se tenha desenvolvido aqui um sistema para ajudar a proteção civil a perceber os danos em tempo real e uma aplicação móvel para os cidadãos receberem alertas e informação.

Konstantinos Papatheodorou, professor na Universidade Helênica Internacional e coordenador do projeto REDACt, lembra o caso de um terramoto em específico: “Durante a primeira hora, foram registados danos, mas não houve vítimas. Passadas duas ou três horas, foi emitido um relatório a noticiar que havia quatro vítimas. Passadas seis horas, 12 mortes. Passadas dez horas, mais de 40 vítimas. Isto significa que algumas destas pessoas poderiam ter sido salvas se alguém soubesse para onde enviar a ajuda”, recorda. Para evitar que tal suceda, desenvolveram uma tecnologia que apoia as autoridades na tomada de decisão consoante os riscos eminentes e danos causados pelo terramoto.

Quando ocorrem terramotos há uma enorme falha na deteção em tempo-real os danos. Existem algumas ferramentas no mercado, mas não são rápidas o suficiente. Por este motivo, a iniciativa desenvolveu a plataforma REDA, que calcula os danos causados por um terramoto em tempo real e prevê possíveis cenários, como o risco de vulnerabilidade da rede de canalização ou deslizamento de terras. “Com base nestes dados, produz mapas de distribuição de danos em poucos minutos”, numa altura em que “todos os segundos contam”.

Ter um sistema que funcione em tempo-real era crucial para esta iniciativa. “Quando ocorre um terramoto, sabemos que há danos, os edifícios estão desmoronados, há pessoas que estão presas, mas não dispomos de recursos infinitos – temos algumas pessoas e algum equipamento. Para onde os vamos enviar primeiro?”, questiona o docente universitário. A plataforma REDA pretende ajudar nesta decisão ao ser um sistema de informação baseado em dados e ao funcionar de forma transfronteiriça para que, se uma catástrofe ocorrer numa região perto da fronteira entre dois países, ambas as entidades responsáveis possam ter acesso aos dados.

Konstantinos Papatheodorou garante que o objetivo desta solução não é “substituir as autoridades de proteção civil”, mas oferecer uma solução que possa servir de auxílio em situações de catástrofe. “A Proteção Civil da Turquia, da Grécia e a da Roménia mostraram um interesse genuíno nos nossos resultados” e estiveram dispostos a rever os seus protocolos para “harmonizar tudo”, o que motivou a equipa a criar uma plataforma “completamente operacional”. Atualmente, este sistema está implementado na Grécia, Turquia, Roménia e Moldava, cobrindo toda a região fronteiriça.

Plataforma REDA avalia o risco provocado por um terramoto
DR

A plataforma consegue medir os danos em edifícios selecionados através de dispositivos que a equipa do projeto apelidou de Seismobug. São pequenos instrumentos que monitorizam o movimento do solo e desenvolvidos a baixo custo, cerca de 200 a 300 de euros, ao invés das versões disponíveis no mercado que podem alcançar os dez mil euros. Apenas precisam de conexão à internet e eletricidade.

Para testar a ferramenta, implementaram os Seismobug em 30 escolas na cidade grega de Thessaloniki. “Em vez de usar um modelo que usa a magnitude e as características do terramoto para recriar a ação das ondas sísmicas no solo e tentar adivinhar o movimento, nós conseguimos medir isso em tempo-real sem incertezas”, afirma o docente universitário.

Embora esta plataforma fosse o aspeto principal da iniciativa houve uma aposta importante na população e na prevenção. Foi concebido um centro educacional para “reforçar a sensibilização, preparação e resposta do público” sem “substituir o respetivo material educativo dado pelas autoridades competentes”. Disponível online, oferece ferramentas interativas e tutoriais em inglês, grego, turco e romeno, para o utilizador estar ciente dos riscos e saber como agir durante um terramoto.

“O aspeto fundamental a transmitir às pessoas é que a prevenção dos sismos, na maioria dos casos, funciona efetivamente”, assegura Konstantinos Papatheodorou. É importante saber como evacuar um edifício, agir rapidamente e saber para onde se deslocar após chegar à rua. “Após um terramoto, precisamos de retirar as pessoas da rua em cinco minutos, no máximo dez. Só assim, estarão seguras e as autoridades de proteção civil poderão agir”, afirma.

Apesar da divulgação das habituais informações de prevenção, normalmente as pessoas “não sabem para onde ir”: “Ficam nas ruas e bloqueiam-nas, ninguém se consegue mexer e ao mesmo tempo expõem-se ao risco por estarem em frente a fachadas de edifícios, das quais podem cair objetos. Não sabem onde são os pontos de encontro de emergência, mesmo as que vivem na cidade”, explica o responsável do projeto REDACt.

Para evitar esta situação, desenvolveram ainda uma aplicação móvel, REDACt, na qual o utilizador pode obter informação em tempo-real, partilhar com a sua família a sua localização e encontrar os pontos de encontro de emergência. Konstantinos Papatheodorou realça ainda que, numa situação de catástrofe, é crucial comunicar com os entes queridos através de mensagens via internet, em vez de chamadas telefónicas para não sobrecarregar a rede, o que é possível fazer nesta aplicação.

App REDACt mostra ao utilizador os pontos de encontro de emergência
DR

As tecnologias desenvolvidas durante esta iniciativa podem ser replicadas noutros países devido às suas características modulares e escaláveis. A plataforma REDA consegue integrar informação em tempo-real de redes de dados de outros países, enquanto a aplicação móvel e o centro educativo foram concebidos para permitir a alteração da língua, conteúdo e personalização consoante a localização. Atualmente, estas soluções a ser implementadas na Bulgária, além de a Macedónia do Norte e a Sérvia terem mostrado interesse.

A ajuda imprescindível dos fundos comunitários

O projeto REDACt – consórcio para a avaliação rápida de danos provocados por terramotos envolveu vários parceiros na Grécia, Turquia, Roménia e Moldova. Foi apoiado através do programa Interreg Bacia do Mar Negro em quase um milhão de euros, sendo que mais de 90% deste valor proveio dos instrumentos de coesão da União Europeia.

“O financiamento da UE permitiu juntar as universidades, tornou possível a comunicação, a cooperação e a instrumentalização”, afirma Konstantinos Papatheodorou. Estes instrumentos de financiamento são um “guarda-chuva, sob o qual todos se sentem seguros”, o que permite coordenar ações e criar relações de confiança entre os parceiros.

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