Geração E

Putin sai mesmo humilhado da ofensiva de Kursk? Sim, mas isso não muda nada

Muito se tem falado sobre mais uma humilhação de Vladimir Putin desde que a Ucrânia lançou uma invasão contra a Rússia na região de Kursk. No entanto, quantas mais humilhações serão necessárias para que a Ucrânia consiga derrotar a Rússia e restabelecer o seu direito à existência?

YAN DOBRONOSOV

Muito se tem falado sobre mais uma humilhação de Vladimir Putin, desde o dia 6 de agosto de 2024, data em que a Ucrânia lançou uma invasão contra a Rússia, atacando, nomeadamente, a região de Kursk. O uso deste termo tem sido amplamente aceite. Contudo, uma pergunta pode levantar dúvidas sobre esta premissa consensual: quantas mais humilhações serão necessárias para que a Ucrânia consiga derrotar a Rússia e restabelecer o seu direito à existência?

Conceptualmente, uma humilhação pública deveria provocar uma alteração nas ambições geopolíticas. Ou seja, se Putin tivesse sido verdadeiramente humilhado, seria forçado a repensar o objetivo final da guerra (por exemplo, negociando o fim das hostilidades e redefinindo as ambições imperiais de Moscovo). No entanto, tal ainda não aconteceu.

Proponho, assim, ao estimado leitor que olhemos para o passado, de modo a desenhar uma imagem das potenciais consequências políticas desta operação militar ucraniana.

Como mencionei anteriormente, Vladimir Putin já enfrentou várias humilhações, nenhuma das quais foi definitiva. Recordemos algumas:

1.

A Rússia falhou de forma flagrante na operação sobre Kiev. Operação essa que visava uma rápida conquista militar, a substituição do governo ucraniano por um executivo pró-russo e uma demonstração de força ao mundo.

Na prática, a Rússia passou semanas a tentar penetrar a capital ucraniana, mas acabaria por ser expulsa de toda a região norte do país em abril de 2022. Foi a primeira vez que a Ucrânia mostrou ao mundo que o exército russo não era invencível. Após esta operação, Kiev recebeu líderes europeus, da NATO e dos EUA, demonstrando uma vitória significativa. A batalha estava ganha, mas a guerra ainda estava longe do fim.

2.

A 9 de agosto de 2022, a Ucrânia anunciou o início de uma operação para empurrar as Forças Armadas Russas da margem ocidental do rio Dnieper, no sul do país.

Com o apoio de equipamento ocidental, nomeadamente os HIMARS, as Forças Armadas Ucranianas iniciaram um bombardeamento cirúrgico e massivo sobre as posições russas, acompanhando-o com operações terrestres, libertando aldeia após aldeia. A 9 de novembro, as forças ucranianas entraram em Snihurivka, e a Rússia anunciou a retirada das tropas de Kherson e da margem direita do Dnieper.

3.

Em setembro de 2022, após meses de combates destrutivos na região do Donbass, as tropas russas continuavam a avançar, sem tréguas, e o espaço mediático estava saturado de notícias sobre a perda de controlo da Ucrânia em pequenas cidades.

Contudo, a 6 de setembro, iniciou-se uma das mais marcantes contraofensivas desta guerra. Em seis dias, as forças ucranianas penetraram cerca de 50 quilómetros nas defesas russas, obrigando as forças de ocupação a bater em retirada, em pânico e total desorganização, libertando cerca de 2.500 km² de território ocupado. Com esta operação, a Ucrânia demonstrou que, com o apoio adequado, consegue derrotar uma força russa entrincheirada em posição defensiva.

Novas narrativas para manter a ficção imperial

Há outros momentos, na história desta guerra, em que Vladimir Putin pareceu sair humilhado. Tal como houve etapas em que as fragilidades da Ucrânia ficaram expostas e a Rússia soube aproveitá-las. No entanto, nenhuma destas situações obrigou nenhum dos dois lados em confronto a abdicar dos seus objetivos finais. Focando-nos na Rússia, que é o tema central desta reflexão, independentemente de quão bem-sucedida seja a invasão ucraniana, os objetivos políticos delineados por Putin não sofrerão alterações. O chefe de estado russo continua a ter como finalidade a destruição da Ucrânia como nação independente e a sua incorporação no seu projeto imperial.

Assim, podemos concluir que não existem vitórias ou derrotas meramente simbólicas, pois o preço a pagar por esses símbolos é demasiado elevado numa guerra que envolve as mais avançadas e caras inovações tecnológicas. O que existe são contextos operacionais que se podem traduzir, ou não, em vitórias políticas, servindo os interesses de cada uma das partes beligerantes. No futuro próximo, é pouco provável que a Rússia altere a sua política expansionista. Pelo contrário, tentará explorar novas narrativas e aproveitar contextos políticos internacionais emergentes para legitimar essas ambições.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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