Estudar num país estrangeiro pode ser uma experiência única na vida de qualquer estudante. Experienciar a vida académica de outro país, enquanto se explora uma cultura diferente, não deveria constituir um entrave para exercer o direito ao voto, mas para milhares de estudantes portugueses que estão a estudar no estrangeiro viajar milhares de quilómetros é uma realidade comum para conseguirem participar nas eleições legislativas.
Todos os estudantes, investigadores, docentes e bolseiros que estejam temporariamente fora de Portugal em instituições do ensino superior podem votar antecipadamente no estrangeiro. Esta é a única modalidade prevista nestes casos, segundo o ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A falta de informação tem sido um dos maiores obstáculos para Manuel Alavedra, aluno da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais, atualmente a estudar na Universidade de Trieste, em Itália, ao abrigo do programa Erasmus. Quando consultou o portal do eleitor percebeu que poderia votar numa embaixada, mas não descobriu se seria necessário “fazer um aviso prévio” da intenção de voto. “Procurei também por informação no site da embaixada portuguesa em Roma, tentei contactar através do email que estava lá, não foi possível e tentei contactar através de chamada, mas também não foi possível”, diz.
Entre os dias 27 e 29 de fevereiro, os estudantes “devem dirigir-se às embaixadas ou consulados previamente definidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, identificar-se mediante a apresentação do seu documento de identificação civil e indicar a sua freguesia de inscrição no recenseamento”, explicou o ministério em resposta ao jornal Expresso. Desde 2018, não é preciso apresentar qualquer comprovativo para se ter direito ao voto antecipado no estrangeiro.
A par da dificuldade em perceber quais os são procedimentos necessários, partilhada por vários estudantes, a limitação do voto aos locais previamente definidos pelo MNE é o maior entrave. Cerca de 671 quilómetros separam Trieste de Roma, onde se situa a embaixada de Portugal em Itália, o único local definido pelo ministério no país. Se quiser ir votar, Manuel terá de pagar cerca de 228 euros por um bilhete de comboio ida e volta e despender aproximadamente 12 horas em viagens.
Outra opção que o jovem não descarta seria deslocar-se até Liubliana, capital da Eslovénia. Como Trieste se situa no norte de Itália, a viagem levaria cerca de uma hora e meia. Contudo, não foi definido local de voto na Eslovénia.
“Eu consigo fazer a viagem sem muitos transtornos, também aproveito e depois visito Roma. No entanto, mesmo assim, seria muito mais facilitado se eu pudesse exercer o meu direito de voto em Trieste, porque não implica eu ter de planear, desperdiçar um dia inteiro ou talvez até mesmo dois, para me deslocar centenas de quilómetros”, afirma o estudante, que não abdica de votar. Caso não consiga realizar a viagem, irá passar uma procuração a um familiar para votar por si.
Abstenção torna-se inevitabilidade face a elevadas distâncias e custos
Também Rui Fernandes, aluno de licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais, atualmente a estudar na Universidade Europeia de Tirana, na Albânia, ao abrigo do programa Erasmus, pode ter de se deslocar até Roma para exercer o seu direito de voto, a cerca de 722 quilómetros. No país onde estuda não foi definida uma embaixada ou um consulado, e ao contactar o consulado honorário português na Albânia indicaram-lhe que deveria contactar a embaixada em Roma, ainda que exista um local definido para voto em Sófia, na Bulgária, a 541 quilómetros.
“Se tivermos uma viagem que realmente compense ir, por 20 ou 30 euros, talvez eu e os meus colegas fôssemos um fim-de-semana a Roma para ir votar. Mas se não houver uma opção mais barata não sei se compensa ir votar”, explica. O estudante, mesmo que opte por fazer a viagem através de transportes públicos, levaria mais de 18 horas.
Rui já antevia enfrentar algumas dificuldades, por a Albânia não pertencer à União Europeia, mas admite sentir-se frustrado com a falta de uma resposta concreta do consulado honorário em Tirana. “Havendo aqui um consulado honorário, deveria ter mais acesso, porque há coisas que perguntamos e eles não sabem” e, até agora, não “conseguiram dar resposta”, afirma o jovem.
Deslocar-se até outro país foi também a solução oferecida a João Coelho, estudante de Engenheira Aeronáutica, atualmente na Universidade Técnica de Vilnius Gediminas, na Lituânia. Ao aperceber-se que a sua única opção seria ir até Varsóvia, na Polónia, a cerca de 511 quilómetros, João enviou um email para o consulado honorário na Lituânia. “Perguntei se havia alguma alternativa para o meu caso, e não só eu, também tenho aqui dois colegas, mas infelizmente, disseram-me que o voto apenas pode ser exercido nos consulados previamente definidos”, explica.
A viagem custar-lhe-ia cerca de 50 euros ida e volta de comboio, e demoraria cerca de sete horas e meia, o que implicaria que o estudante ficasse uma noite a dormir na capital polaca. Devido aos seus horários, só conseguiria chegar a Varsóvia às 20 horas, e, por essa altura, a embaixada já estaria encerrada.
O custo da viagem conduziu João a tomar a decisão de não ir votar nestas eleições legislativas. Uma decisão partilhada por Meiline Gonçalves, por estar numa situação semelhante. Atualmente no quarto ano da licenciatura em jornalismo na Universidade Edimburgo Napier, na Escócia, a jovem relembra que “sabia que havia uma embaixada aqui em Edimburgo, mas não sabia que era honorária, ou seja, não tratam de assuntos como votar, só mesmo em Manchester”. Após perceber que só poderia exercer o seu voto na cidade inglesa, a aproximadamente 350 quilómetros, percebeu que “provavelmente, seria irrealista votar este ano porque, para já é o tempo, teria de ser um dia todo, e depois a questão do dinheiro também”.
“Já tinha ido a Manchester no ano passado fazer um trabalho. Na altura, fui de comboio e já sabia mais ou menos quanto tempo era, cerca de quatro horas. Mas, na altura, tinha sido a universidade a pagar a viagem, portanto eu não tinha noção de preços, depois fui ver e percebi que ia ficar à volta de 100 libras (cerca de 117 euros) para ir e voltar”, conta.
Desde que tem a idade legal para votar, Meiline nunca faltou a uma eleição e admite estar bastante triste com a falta de opções. “É uma situação que muita gente não tem conhecimento, eu própria não tinha até estar nesta posição”, diz. Nos primeiros dois anos da licenciatura, devido à pandemia da covid-19, passou mais tempo em Portugal do que na Escócia e, por estar decidida em regressar ao país após terminar a licenciatura, nunca mudou o recenseamento, o que lhe permitiria ter acesso a outras modalidades de voto no estrangeiro.
“No nosso país, fala-se tanto de as pessoas não votarem e dos níveis altos de abstenção, especialmente entre os mais jovens, mas o que é certo é que a legislação em si não nos ajuda. E, por exemplo, no meu caso, queria imenso votar, aliás tenho estado a acompanhar as legislativas, eu vejo os debates, já li os programas eleitorais e deixa-me mesmo muito triste não o poder fazer este ano, mas também não é conveniente para mim estar a fazer esta distância toda e gastar também tanto dinheiro”, afirma a jovem.