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Vai ter um bebé? Atenção, nem tudo o que está à venda é seguro

Vai ter um bebé? Atenção, nem tudo o que está à venda é seguro
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Os produtos para bebés e de puericultura parecem um mundo interminável, mas há muitas coisas no mercado que não são 100% aconselhadas a bebés. Ou, no melhor dos casos, devem ser usadas com ‘conta, peso e medida’

Somos uma população cada vez mais envelhecida e a idade média do nascimento do primeiro filho desde 2014 que não está abaixo dos 30. Ainda assim, em 2022, Portugal voltou a passar a barreira dos 80 mil nascimentos depois de uma quebra histórica da natalidade em 2021.

Algumas marcas até fazem campanhas de sensibilização com o assunto. Lembre-se da MEO - cujo anúncio “faz amor, por amor ao futebol” foi divulgado no verão, para os futuros pais estarem de licença de maternidade durante o Euro 2024. Mas ter um bebé envolve muito mais do que a decisão inicial - e pode até ser difícil conciliar um recém-nascido com o entretenimento de ver futebol (e as críticas apontadas a este anúncio foram nesse mesmo sentido). Ter um bebé envolve, cada vez mais, muita informação quer para o momento do parto, quer para o momento do pós-parto, quer para o desenvolvimento da criança.

Os produtos para bebés e de puericultura parecem um mundo interminável e há muitas coisas no mercado que não são 100% aconselhadas a bebés. Ou, no melhor dos casos, devem ser usadas com ‘conta, peso e medida’.

O Expresso falou com Nádia Sepúlveda, médica de família e mãe, e em conjunto olhámos para alguns produtos à venda no mercado que a especialista não aconselha, ou pede, pelo menos, algum cuidado no seu uso.

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Aranhas, andarilhos e voadores

Um dos produtos que mais polémica gera, a nível internacional, são as aranhas ou andarilhos (no fundo, um produto que ajuda o bebé a estar de pé, quando ainda não consegue sozinho). E temos ainda os voadores, que ajudam os bebés a saltar um bocadinho.

“Basicamente está tudo no mesmo ponto do bolo porque não são recomendados todos, mais ou menos pelos mesmos motivos”, explica. Muito resumidamente, levam as crianças a saltar etapas de evolução (e não são os únicos produtos que o fazem).

O Canadá foi o primeiro país a banir a venda e comercialização de andarilhos, em 2004, e outros países se seguiram. Por cá, ainda estão à venda nas lojas, mesmo que a Associação para a Promoção de Saúde Infantil (APSI) e a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) não recomendem o uso destes produtos.

O Expresso contactou duas marcas que comercializam este produto, a Chicco e a Zippy. A Chicco, não só comercializa, como fabrica este produto. Apesar de a marca italiana reconhecer o perigo deste produto, lembra que continua a ser vendido nos Estados Unidos e na Europa e que os mesmos “são regulamentados por normas de qualidade e de segurança que preveem um período de utilização a partir dos 6 meses até no máximo 12kg [kilogramas]”. Adicionalmente, avisa que “a sua utilização não deve exceder períodos máximos de 20 minutos”.

Além do mais, a Chicco sublinha que, “nos últimos anos, foram introduzidas alterações que os tornaram mais seguros, como por exemplo os “stoppers” (barras de borracha na base) que funcionam como travão para evitar quedas acidentais quando há desníveis no piso” e as “rodas de trás também foram alteradas, de modo a deixarem de ser rotativas e passarem a ser fixas, funcionando apenas no sentido longitudinal, impedindo movimentos descontrolados”.

A Zippy deu uma resposta semelhante e sublinhou estar constantemente atenta “às preocupações e contestações em torno destes produtos e ajustando as suas práticas conforme o necessário”. Afirmou ainda seguir “de perto” as regulamentações globais.

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As cadeirinhas para o automóvel

As cadeirinhas para o automóvel são essenciais para o transporte seguro do bebé, mas nem tudo é perfeito e há certos aspetos aos quais os futuros pais devem estar atentos.

“A maior parte dos ovinhos e cadeiras automóvel são testadas numa determinada condição de utilização”, explicou, pedindo especial atenção aos acessórios ‘extra’ que se coloca nestas cadeiras, como forras - especialmente se não forem da mesma marca. “Acaba por ser um risco, porque elas [cadeiras] não foram testadas naquelas condições [com esses acessórios] e (...) podemos correr o risco de haver um impacto e a cadeira ou o ovinho não terem a sua performance 100%”, esclareceu.

Há duas normas em vigor na Europa para as cadeiras que se colocam nos carros, sendo que uma delas, em vigor desde 1981, será descontinuada a partir de 31 de agosto de 2024 e essas cadeiras não poderão ser comercializadas (no entanto, quem já as tem pode continuar a utilizá-las). Nesta norma incluem-se, por exemplo, os ‘bancos’ de carro, geralmente utilizados por crianças mais velhas.

A norma que ficará é a ECE R129 (em vigor desde 2013), uma norma muito mais “exigente”, segundo explicou a Cybex, em entrevista ao Expresso. “É uma normativa muito mais atual e mais ajustada à nossa realidade, à velocidade a que os carros circulam hoje em dia.”

A Chicco “dispõe de um simulador de impactos que permite testar, avaliar e retificar os produtos, antes de os submeter aos rigorosos testes de homologação”.

A Cybex também tem centros próprios. É nestes centros que fazem os testes antes de as cadeirinhas serem submetidas ao teste da ADAC (associação alemã que realiza testes independentes da indústria automóvel, nomeadamente em cadeirinhas). A ADAC escolhe cadeiras aleatórias que estão à venda no mercado e faz os seus testes tendo em conta vários parâmetro além da segurança, como usabilidade, materiais, toxicidade dos tecidos, entre outros. Na página online da ADAC, os dados do último estudo (são feitos dois por ano) mostram que apenas quatro cadeiras têm resultado “muito bom”, uma delas a Anoris T i-Size. Por outro lado, é lá referida uma cadeira “inadequada”, o modelo Aton 4, entretanto já descontinuado.

D.R.

Da Chicco a melhor cadeira presente no estudo é a Kory Plus Air i-Size, no nível “bom”, mas duas foram consideradas “inadequadas”: a Kiros i-Size e a Oasys i-Size. A primeira foi considerada “inadequada” essencialmente devido à base (testada sem a base ficou na categoria “bom”) tendo a base já sido alterada e substituída gratuitamente a quem já tinha a cadeirinha, como explicou a marca ao Expresso. Já a segunda cadeira foi descontinuada há alguns anos e um dos modelos que a veio substituir foi mesmo o Kory (o melhor, nos testes).

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O berço do bebé

Um dos maiores problemas, atualmente, prende-se com o berço do bebé. Existem imensos produtos para adicionar ao berço - ninhos, protetores, peluches, almofadas, cunhas, entre outros tantos -, mas na opinião da médica de família “menos é mais”.

“Tudo o que vá para o berço do bebé é um potencial risco de sobreaquecimento, que é um dos fatores de risco da síndrome da morte súbita”, explica Nádia Sepúlveda. Idealmente, o berço terá de ser “uma superfície algo rígida, que seja lisa, que não tenha inclinação e que não tenha acessórios desnecessários ou locais que não tenham ventilação”.

Por exemplo, os ninhos, muitas vezes são vendidos sob a bandeira do ‘bebé dormir melhor’, mas a especialista relembra que “esses despertares [durante a noite] são protetores da síndrome da morte súbita, são um mecanismo de proteção do bebé”.

Em relação aos protetores e outros acessórios que tornam o “berço bonito”, a médica de família sublinha que “o berço que não seja berço vazio tem o potencial de ser perigoso para o bebé”.

Já relativamente às cunhas, estas só são aconselhadas com uma inclinação até 10 graus - e não, não é aconselhado inclinar o berço, mesmo que o bebé bolse com frequência. E já que referimos a inclinação, o mesmo é aplicável às espreguiçadeiras, que sim, podem ser usadas, mas de forma pontual e com supervisão.

Seja qual for o produto, a médica volta a sublinhar: depende de cada um e os pais, no final, é que decidem.

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Artigos pequenos

Relativamente a produtos mais pequenos, há alguns que os pais devem ter em atenção, como o aspirador nasal. Apesar de não apresentar um perigo por si, a médica também não aconselha o uso deste produto. “Se usarmos de uma forma excessiva, sistemática, sem a devida hidratação”, há perigo, “mas não é uma coisa que vai pôr a segurança do bebé em risco, ainda que haja melhores maneiras de fazer”.

Outro produto a ter em atenção é o simples copo ou, não tão simples assim, pois se fosse o copo tradicional não haveria problema. O problema está nos copos de bico. “Não é que sejam propriamente perigosos”, mas pode, no futuro, gerar problemas “na articulação da fala”. Um bebé “beber de um copo aberto [mais pequeno] é muito mais respeitador do desenvolvimento dos seus músculos, da parte dentária e em termos da fala”. Apesar do aviso, a médica reconhece que “pontualmente” pode ser necessário. E em relação a um eventual acidente que acabe num babygrow encharcado… a especialista lembra que “claro que um bebé de 6 meses com copo aberto vai muitas vezes entorná-lo, mas nós também podemos auxiliar e ir mostrando [como se faz] porque os bebés aprendem imitando o adulto”.

E já que referimos bebidas, também a médica não aconselha dar água ou papa no biberon. E o próprio biberon deve ter certas características para que a sucção seja o mais semelhante possível à sucção feita por um bebé no mamilo da mãe - apesar de “ainda não se conseguir reproduzir a natureza humana”.

Não sendo propriamente pequenos, a doutora desaconselha também todo o tipo de produtos que tenham como objetivo fazer o bebé sentar-se antes do tempo, como os mini-sofás. “Não há risco propriamente dito de segurança, mas pode fazer com que eles [bebés] não se desenvolvam do ponto de vista motor. Faz com que saltem etapas de desenvolvimento que são muito importantes”, afirmou.

Mas afinal, como é que as marcas avaliam estes produtos? E quem aconselha os pais?

Todas as marcas com quem o Expresso falou garantem que os seus produtos são rigorosamente avaliados em testes conduzidos pelas entidades certificadas responsáveis pelos mesmos.

E quem trabalha nestas lojas tem também direito a formação. Segundo a Zippy, “as equipas de loja são formadas em diversos temas de puericultura e poderão ajudar os pais nos momentos de decisão da escolha dos produtos” e todas as lojas contam com “uma pessoa especialista em puericultura, que se dedica mais a esta área, sendo a mais indicada para apoiar os pais”.

Do lado da Chicco, acontece o mesmo. Quer nas lojas próprias, quer nas lojas que comercializam a marca. “São realizadas ações de formação periódicas e adequadas a cada tema ou produto, de modo a promover um atendimento especializado que responda às questões dos consumidores e que os ajude a selecionar os produtos mais adequados às suas necessidades e ao tipo de utilização específico que pretendem.” Ainda assim, lembrou, as contraindicações dos produtos podem ser também lidas nos manuais de instruções dos mesmos.

E a Cybex faz o mesmo. A marca não tem lojas próprias em Portugal, mas tem alguns pontos de venda (que podem ser consultados no site) e dão “formação constante” às colaboradoras destas lojas sobre os seus produtos, ainda que às vezes seja “díficil acompanhar porque existe uma grande rotatividade” dos trabalhadores.

E ainda bem que existem essas formações, pois na perspetiva da médica de família, a informação não pode vir só dos médicos que devem estar sempre atualizados , mas também das marcas, “que devem ser honestas nas comunicações”.

A própria Chicco admitiu que tem responsabilidade na hora de decisão. Por isso conta com um centro de pesquisa, em Itália, “que funciona como um ponto de encontro entre pais e especialistas” e permite à marca estar atualizada. “É através do diálogo com os pais que podemos aprofundar as suas necessidades e as dos seus filhos, de modo a oferecer-lhes soluções inovadoras e seguras para o dia-a-dia.”

A Cybex também considera ter responsabilidade, não só para garantir a segurança do bebé, como para os pais estarem satisfeitos e poderem confiar na marca.

Certo, é que “os pais não têm que saber tudo”, ninguém “está a acusar os pais que utilizam os artigos” e é muito importante que não se culpabilizem, concluiu Nádia Sepúlveda.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: rrrosa@expresso.impresa.pt

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