Estudantes trabalham nas férias para pagar ensino superior: “a bolsa não chegava nem para a propina”
fotografixx via Getty Images
As despesas com a frequência do ensino superior preocupam os estudantes, que procuram empregos de verão para conseguir subsistir. Já há escolas e faculdades que, em troco de trabalho dos alunos, oferecem descontos em custos como propina, alimentação ou residência
Alguns alunos reportam que tiveram de fazer cortes em gastos mais supérfluos, como saídas ou compras pessoais, ou mesmo reduzir o número de alimentos que adquirem no supermercado, para poder continuar a fazer face às despesas essenciais. Outros dão conta de utilizar o valor da bolsa de estudo para pagar propinas.
O recurso ao trabalho durante as férias, muitas vezes com cargas horárias superiores a 40 horas semanais e trabalho por turnos, tem sido solução para “ganhar mais uns trocos” e ajudar nas despesas que o ano letivo tem garantidas.
Carolina Coelho, de 21 anos, acabou a licenciatura este verão e está agora a entrar no mercado de trabalho. No entanto, este não vai ser o seu primeiro emprego. No fim do secundário procurou logo uma ocupação que lhe permitisse aumentar o orçamento e quando soube que, ao invés do Porto, iria estudar para o Algarve, esse fator saiu ainda mais reforçado: “Como a universidade era longe da minha residência habitual, tinha não só de pagar os custos de alimentação e as propinas, mas também a renda”.
Concorreu à bolsa, mas sabia que não ia ser suficiente, especialmente quando não conseguiu vaga no alojamento universitário. “Naquela altura, não consegui ficar nas residências. Sugeriram-me apenas um alojamento que tinha contrato com a universidade e tinha algum desconto. Como não havia turistas (naquela altura), a senhora decidiu alugar a estudantes a um preço mais acessível.”
Jéssica Cordeiro, também recentemente licenciada, sempre procurou trabalhar no verão como forma de apoiar os pais nas despesas e tornar-se mais “independente financeiramente”. É nos transportes e na alimentação que sente maior peso do aumento dos preços, sendo que com este fator, “fica muito difícil poupar”.
Apesar de ter o apoio da bolsa de estudo, afirma que muitas vezes o valor não era sequer “suficiente para a propina do mês”, e nos primeiros meses nem sobrava dinheiro que chegasse "para o passe de transporte”, estando assim dependente do seu rendimento de verão durante os primeiros meses do primeiro semestre.
“O aumento da inflação foi sentido muito nos estudantes. Esta preocupação, este impacto nas famílias é sentido diretamente nos estudantes e portanto, a ansiedade financeira aumenta”, dá conta Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto, ao Expresso.
Miniseries/Getty Images
Trabalhar na Universidade
O agravamento da situação financeira tem levado mais alunos a procurar “as bolsas de colaboradores”. Mecanismo criado por algumas instituições de ensino superior para que os estudantes lá trabalhem e tenham um pagamento que possam usar para cobrir os custos da sua frequência. “O número de estudantes que procuram as bolsas de colaboradores aumenta, e muitos sentem que as bolsas de ação social não esteja a chegar a quem precisa”, detalha Cabilhas.
“Nós queremos dar o nosso contributo para que nenhum estudante fique fora do ensino superior”, refere Maria Alzira Cavacas, professora da Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz, sobre este tipo de mecanismos que complementam a ação social e que são cada vez mais comuns.
Há várias universidades que proporcionam maneiras dos estudantes trabalharem nos estabelecimentos, em troca de refeições, apoio no alojamento, ou em descontos no valor das propinas.
“Esta bolsa [de colaborador] resulta da utilização de uma percentagem das receitas próprias da instituição para podermos desenvolver tarefas em certas áreas para que os alunos possam usufruir de uma bolsa de dinheiro ou de bens que não tenham de pagar”, conta Isabel Barroso da Silva, administradora dos Serviços de Ação Social do Politécnico de Santarém.
Joana Fialho, estudante de Psicologia, é um exemplo disto. Tinha a Egas Moniz como uma escolha preferencial, mas os custos elevados eram um desafio. Acabou por entrar e muito por ter ouvido falar destas bolsas durante o dia aberto. Nos últimos anos letivos tem ajudado na biblioteca do instituto: “Disse ao meu pai que não me importava de ir trabalhar, podia ir trabalhar, no entanto, as bolsas de colaboração eram mais úteis”, defende.
Com as bolsas de colaboração em diferentes serviços, este estabelecimento pretende, de certa forma, aliviar o “peso” que certos alunos sentem no acesso ao ensino superior. “Não é por sermos uma instituição de ensino superior privada que significa que todos os alunos tenham situações económicas muito confortáveis. Isso é uma ilusão, e um mito”, relata Maria Alzira Cavacas, responsável pelas áreas de Ação Social e apoio ao estudante.
Texto de Catarina Vitória Lopes, revisto e editado por Pedro Miguel Coelho