Vivem sem “luxos” e reduzem "no cabaz alimentar”: oito jovens contam como o aumento de preços lhes mudou o dia a dia
Maskot
Fazem contas à vida. Reduziram as compras alimentares, não saem com amigos e ponderam regressar para a casa dos pais. Saiba como o aumento de custo de vida mudou as rotinas de oito jovens
Sentem necessidade de reduzir as despesas. Os orçamentos com que viviam há um ano não são suficientes para as despesas. Deixaram aquilo que descrevem como “luxos” de lado — como ir sair com os amigos — e passaram a comprar menos comida no supermercado. Os que moram longe visitam menos vezes os pais. Aqueles que já tinham assumido a independência de morar sozinhos ponderam voltar. Afonso Couto, Angelina Gomes, Carolina Ferreira, Daniela Pires, José Coelho, Margarida Falcão, Margarida Santos e Ricardo Carvalho contam, ao Expresso, como têm mudado o dia a dia.
"Com o mesmo orçamento que utilizava o ano passado é ‘impossível’ viver”
Afonso Couto, 21 anos, estudante de Agronómica do Instituto Superior de Agronomia
Afonso Couto não esconde que acha “difícil apontar quais são as principais áreas em que o aumento dos preços se destaca”, mas sente que é “notória” a diferença que sente. "Com o mesmo orçamento que utilizava o ano passado é ‘impossível’ viver”, constata.
“Antes de toda esta situação da inflação, o peso do supermercado não era tão grande e sendo que a alimentação é a minha maior despesa — a par com a renda — torna-se complicado aguentar os aumentos sistemáticos. Chega a ser semanal o aumento do preço”. diz. Assim, Afonso passou a reduzir os gastos: no supermercado compra “tudo aquilo que é essencial”.
“Cortei em tudo o que implicasse gastar dinheiro de forma desnecessária: não saio à noite e não vou tomar cafés com amigos. Um simples lanche num café meio que se tornou um luxo, dado os preços praticados agora. A única coisa que ainda não abdiquei foi o ginásio porque acho que me ajuda tanto física como psicologicamente”, refere.
Não esconde, no entanto, o privilégio que tem em ter a ajuda dos pais. “Ajudam-me e conseguem suportar os aumentos nas despesas, mas tento mitigar esse efeito. Sei o quanto lhes custa e o quanto trabalham para que possa estar a estudar fora. Foco-me apenas no que considero essencial para sobreviver fora de casa.”
"Tive de reduzir o meu cabaz alimentar porque se não não sobraria dinheiro para mais nada”
Angelina Gomes, 23 anos, estudante de Medicina Dentária na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa
Os gastos com a alimentação e com a universidade são os que têm “mais peso” no orçamento mensal de Angelina, estudante de Medicina Dentária. “Na faculdade, tenho de estar a comprar vários materiais para as aulas práticas. Cada dente para treinar são €2,70. Se formos a contabilizar, já gastei uns €40 só em dentes. Já nem estou a contar com os outros materiais, como brocas e livros. É meio frustrante, mas tem de ser.”
É na alimentação que Angelina Gomes sente mais diferença. Os preços da comida “essencial” têm subido, sente que o maior aumento foi na carne. “Nem o cartão de desconto ajuda assim tanto”. Angelina confessa que teve de reduzir nas compras de supermercado. "Tive de reduzir o meu cabaz alimentar porque se não não sobraria dinheiro para mais nada.”
“Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, muitos alimentos do cabaz básico como arroz, legumes e óleos alimentares tiveram um aumento de quase 100%”, diz. Recorda-se de há um ano comprar arroz carolino de marca branca por €1, mas na última vez que foi às compras custou-lhe €2,69. “Dizem que a inflação está a descer, mas não vemos nenhuma descida nos preços alimentares”, diz a estudante, acrescentado que “as margens de lucro dos supermercados têm tendência a aumentar cada vez mais”.
Angelina refere que ainda é suportada pelos pais, mas neste momento pondera procurar um emprego. “Tinha um negócio próprio, mas tive de o pôr de lado devido à carga horária escolar. Sinto que preciso pensar em mais poupanças, porque nunca se sabe o que acontecerá amanhã.”
“Não posso sair de forma a garantir que tenha dinheiro suficiente para todas as despesas do mês”
Carolina Ferreira, 18 anos, estudante de Cinema e Artes dos Media
Carolina passou a ter de gerir o seu orçamento este ano e com a entrada na universidade, apercebeu-se do aumento do custo de vida, especialmente nos supermercados, "seja em comida, como produtos de higiene e bem-estar”. Gasta, semanalmente, quase €50 no supermercado, “mesmo tentando verificar os preços mais baratos”.
Além destas despesas, a aluna de cinema sente um aumento nas compras que faz no centro comercial. “Em lojas de roupa, por exemplo, em que podia comprar umas calças, três camisolas e acessórios com €50 e agora, pelo mesmo valor, levo umas calças e uma camisola.”
Os transportes públicos, que usa para visitar os pais, entram nas despesas mensais de Carolina. “Gasto cerca de €5,20 em comboios e se houver greve, que tem acontecido durante várias semanas, gasto cerca de €10 em autocarros”.
Com as despesas mensais que tem, nas quais inclui o quarto da residência onde mora e os gastos do dia a dia, Carolina sente que, apesar de ter aprendido a gerir melhor o seu dinheiro, tem de fazer escolhas. “Às vezes convidam-me para sair e não posso de forma a garantir que tenho dinheiro suficiente para todas as despesas desse mês.”
“Receio ter de voltar para casa dos meus pais”
Daniela Pires, 26 anos, lojista e criadora de conteúdos
Daniela Pires é do Algarve. É lojista e cria conteúdo para as redes sociais - tanto a nível pessoal como em freelance para outras marcas. Nas histórias de Instagram costuma partilhar as compras de supermercado que faz. E, com o tempo, tem sentido que são mais dispendiosas. “Está tudo cada vez mais caro e torna-se difícil acompanhar com os ordenados que temos.”
Há pouco tempo mudou de casa, vivendo agora com o namorado numa habitação partilhada com outras pessoas. “Tivemos de sair de onde estávamos devido ao aumento das rendas. Não conseguirmos pagar todas as despesas.”
Daniela diz estar “assustada” com o aumento dos preços. “Torna-se assustador pensar em como vamos conseguir continuar a sustentar-nos. É cada vez mais difícil pagar todas as despesas e ainda ter dinheiro até ao final do mês. Receio ter de voltar para casa dos meus pais.”
“Tenho mais consciência dos meus atos porque sei que depois vai sair da minha carteira”
José Coelho, 22 anos, estudante de Medicina Veterinária na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
José Coelho vive num T2 em que a sala é um quarto. No final do mês são três a pagar as contas. A senhoria tentou aumentar a renda há cerca de um ano, mas conseguiram que não o fizesse. Ainda assim, as contas ao final do mês têm pesado mais.
“Aquilo em que sinto mais aumento é nos bens alimentares básicos, assim como na água, na luz e no gás.” O estudante universitário diz que nunca pagou tanto de despesas como agora. “Mesmo nos meses em que não estamos lá a morar pagamos um absurdo. Já chegámos a pagar 50€ cada, isto é, um total de €150.” Há três anos, quando começou a morar naquela casa, gastava, “no máximo, pela água, pela luz e pelo gás €30”.
José confessa que não faz refeições fora de casa. “Mesmo o café compro e tomo em casa, mas sinto tudo muito mais caro.” Diz não abdicar de nada: “sempre gostei de poupar dinheiro”. Mas sublinha que agora sente mais essa vontade. “Quase nunca jantava ou almoçava fora com os meus amigos, mas agora ainda menos. No supermercado compro tudo igual, mas custa-me mais a pagar. Tenho mais consciência dos meus atos porque sei que depois vai sair da minha carteira”.
O estudante do 5.º ano, natural de Póvoa de Lanhoso, também sente diferença nos jantares de curso que frequenta desde o 1.º ano de universidade. “Quando entrei para o curso pagávamos €10 por comida e bebida à discrição. Agora, pelo mesmo, pago €13,50.” Além do aumento do preço, sente que o restaurante “serve menos comida e bebida.”
“Como é que os jovens podem pensar em comprar uma casa ou ter filhos? A piada faz-se sozinha”
Margarida Falcão, 23 anos, bolseira da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
É na alimentação e na telecomunicação que Margarida Falcão vê maior aumento de preço. “Só de tarifário de telemóvel e internet para casa (nem televisão tenho) são €50 por mês, o que eu acho absurdo nos dias de hoje. Para além dos serviços serem todos caros, não oferecem opção a quem quer, por exemplo, ter apenas internet em casa”.
“Dado que não pago renda, a alimentação é, sem dúvida, o que pesa mais”, refere. A família ajuda-a também a pagar esta despesa. “Uma ida ao supermercado, que antes era de €30, agora é de €60. Coisas básicas, como massa ou arroz, estão acima de um euro por kg em praticamente todo o lado. A carne está a preços absurdos. Mesmo comprando maioritariamente carne branca, em princípio mais barata, fica demasiado caro.”
Atualmente mora com uma colega de casa, mas não esconde que voltar para casa dos pais pode ser uma opção. “Já pensei em voltar para a casa dos meus pais, mas isso faria com que eu perdesse mais do que quatro horas por dia só em transportes públicos. Não é fazível. Pelo menos não a longo prazo.”
Margarida conta, ainda, que visita a terra natal menos vezes. “Trabalho numa cidade diferente daquela onde cresci e onde estão a minha família e amigos. Contudo, ir e voltar de comboio pesa em termos monetários, sendo mais quase dez euros. De carro o valor aumenta. Parece pouco, mas somado ao final do mês, pesa.”
O lazer acaba também por ser uma área em que Margarida Falcão aplica mais cortes. “A nível social, abdico de algumas atividades de lazer. Não vou jantar com tanta frequência com os meus amigos porque são logo mais €20. Sinto-me mal por gastar dinheiro para estar com os meus amigos. É inconcebível. Abdiquei ainda de frequentar o ginásio. Era mais uma despesa ao final do mês, e mesmo sabendo que me fazia bem física e mentalmente, optei por deixar de ir.”
A bolseira refere que sente “poucas perspetivas de futuro [em Portugal].” “Vejo colegas a emigrarem e a receberem muito melhor, com melhores condições de vida no geral, e a serem valorizados. Em Portugal, para além de receber mal, os investigadores e cientistas são desvalorizados, o que é uma pena, porque temos cientistas formidáveis nas mais variadas áreas. A cada dia que passa, Portugal perde cientistas treinados e muito talentosos para outros países, sem perspetiva de regresso.”
“Como é que os jovens podem pensar em comprar uma casa, ter filhos, ou até mesmo investir no seu próprio negócio quando as condições de vida são estas? A piada faz-se a si mesma.”
“Opto por estudar na biblioteca para me permitir uma redução significativa da utilização do termoventilador”
Margarida Santos, 25 anos, estudante de Medicina na Universidade do Minho
Margarida Santos acredita que o crescente aumento de preços tem afetado “direta e indiretamente todos os portugueses”, mas confessa que o facto de gerir o dinheiro desde que se mudou da Madeira para Braga para estudar já lhe tinha dado “competências capitais para a vida adulta”. “Fui educada a ser uma pessoa ponderada e regrada nos consumos e despesas, privilegiando a poupança, características que acredito que ajudam a minimizar o impacto da inflação na minha vida”, acrescenta.
Para a estudante, a alimentação é o setor que a tem “vindo a preocupar”, identificando como um “desafio gerir as compras”. Margarida tentou arranjar estratégias para o aumento de preços: “estipular um orçamento, preparar a lista de compras, de acordo com a ordem de necessidade, custo-qualidade, quantidade considerando o prazo de validade e promoções relevantes.” Para reduzir as suas despesas, Margarida evita ir jantar fora ou encomendar comida. “A conjuntura financeira não o permite”, acrescenta.
Além das despesas alimentares, a estudante admite que sente um “impacto significativo na eletricidade e no gás”, tendo também optado por novas estratégias para reduzir a fatura. “Desligo completamente os eletrodomésticos que não estão em uso e cozinho no forno vários pratos em simultâneo. Além disso, opto por estudar na biblioteca para me permitir uma redução significativa da utilização do termoventilador e do carregamento dos dispositivos que uso no estudo.”
“De repente estava a pagar um valor que nunca tinha pagado”
Ricardo Carvalho, 23 anos, motorista de ligeiros numa empresa de têxteis
Ricardo vive com os avós e com a irmã e há duas áreas em que sente que a subida dos preços é significativa. Na alimentação, na qual o “aumento se notou bastante”, Ricardo conta uma história sobre a avó. “A minha avó adora Fanta de ananás e tenho o preço fixado, porque tentava comprar em promoção. Contudo, tenho reparado que está cada vez mais caro. Lembro-me perfeitamente que o preço era €1,50 e a última vez que vi estava a €1,65”, o que corresponde a um aumento de 10%.
Além da alimentação, o jovem da Trofa sente um aumento nos combustíveis. “Lembro-me perfeitamente, sem problema algum, de chegar a uma bomba de gasolina há um ano e de atestar o depósito. Ia atestar duas vezes durante o mês e recordo-me de ser um valor aceitável - sempre caro, claro. Mas de repente estava a pagar um valor que nunca tinha pagado”, diz.
Apesar de às vezes já não atestar o depósito, é no lazer que Ricardo faz mais cortes. “Sou sócio do Futebol Clube do Porto e o preço das quotas mensais aumentou. Antes eram €10 por mês, agora são €12”. Ainda assim, é nos bilhetes que sente mais ou aumento. “Os bilhetes agora custam €15, antes eram €10. Quando vou com a minha namorada acabamos por estar a pagar o mesmo que três bilhetes do preço antigo”, compara. “É das coisas que mais abdico. Gosto muito de o fazer, mas torna-se complicado.”
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