Cada vez mais se ouve falar da questão da sustentabilidade aliada à menstruação, devido ao uso geral de produtos de recolha menstrual descartáveis — pensos, tampões. Trata-se de uma preocupação real, já que um penso menstrual descartável pode demorar até 500 anos a decompor-se, juntando a isso os recursos usados para os produzir. Não nos podemos esquecer que até os objetos biodegradáveis e os massivamente reciclados, para serem produzidos, consomem energia e poluem. Assim, a solução ideal é sempre reutilizar ao máximo, com segurança, e não consumir com exagero. (A segunda opção é reciclar, sempre que possível). E, acima de tudo, ter em consideração a balança do bem-estar e da sustentabilidade: antes bem nutrida com alimentos que vêm numa embalagem de plástico, do que cheia de fome.
Dito isto, antes de avançar, deixar uma nota:
Chamo “produtos de recolha menstrual” ao invés de “produtos de higiene feminina/menstrual”, porque associar a palavra “higiene” alimenta o preconceito do período como sendo algo sujo, que precisa de ser escondido; e a associação a “higiene feminina”, tanto apoia o tabu por tirar da comunicação palavras relativas a menstruação, como depreende que só as mulheres cisgénero é que menstruam. Embora a maior parte das pessoas que menstruam sejam mulheres cis, há mulheres trans que não menstruam, homens trans que menstruam e pessoas não binárias que menstruam. Por muito que tal possa fazer confusão a algumas pessoas, esta é a verdade e contra factos não deveria haver preconceitos.
O pudor à volta do período e as consequências a nível de literacia corporal
O pudor relativamente ao período ainda acontece. Mais depressa vemos uma jovem a fazer uma pirueta num anúncio de tampões, em que se ouve as palavras “livre”, “fresca” e “limpa”, tipo Hino da Higiene Menstrual — do que um tampão com líquido vermelho como se fosse período.
“Ai, mas isso seria nojento!”
Nojento, porquê? Há assassinatos em novelas e filmes em horário nobre da televisão, sangue por todo o lado, guerra. Um tampão com sangue (ou algo que o imita) nem é resultado de qualquer tipo de violência, mas antes algo puramente natural e um indicador de saúde importante para quem menstrua.
Pensos escondidos na manga da camisola.
Tampões pedidos em sussurro na casa de banho da escola.
Pedir à amiga da mesa de trás, a bichanar, ao levantar-se da cadeira “podes ver se estou suja nas calças?”
Chamar “história”, “o Benfica joga em casa”, “estou naqueles dias” e outras expressões que têm mais tabu do que criatividade, só para evitar ao máximo dizer as palavras ‘período’ e ‘menstruação’.
Há uma cena que me é muito querida, no filme “Mulheres do séc. XX”, de Mike Mills, em que a personagem representada pela maravilhosa Greta Gerwig convida toda a gente à mesa de jantar a dizer alto e bom som “Menstruação”, para quebrar o estigma.
Se houvesse menos pudor relativamente ao período, haveria casos de endometriose, miomas, adenomiose, desequilíbrios hormonais e outras situações diagnosticadas com mais facilidade e mais cedo.
Este estigma pode acontecer em todas as classes sociais, sendo agravado quando não há acesso à educação sexual e literacia corporal, seja por questões conservadoras e, ou, religiosas. Ainda, esta noção de que o período é o The-One-Who-Cannot-Be-Named não faz sentido nenhum, já que acontece em média durante 40 anos na vida fértil de quem menstrua (Patrícia Lemos, pág. 134). É extremamente natural.
Dignidade Menstrual
Antes de falarmos sobre sustentabilidade, é preciso falar de dignidade. Estudos da ONU reportam que uma em cada três mulheres não tem acesso a casas de banho seguras — um terço da população feminina mundial. A piorar este cenário, a” WaterAid reportou que raparigas e mulheres passam 97 mil milhões de horas por ano à procura de um local seguro para fazer as suas necessidades”. (Caroline Criado Perez, pág. 67).
Agora, imaginem este cenário estando com o período.
Acho que é fácil imaginar que num contexto de guerra, por exemplo, seja incomportável uma mulher tirar tempo e ter acesso a condições sanitárias que lhe permitam lavar pensos ou esterilizar um copo menstrual…
Na Índia, 60% da população inteira não tem acesso a uma casa de banho e 90% da água está contaminada. Como é que uma mulher consegue lavar adequadamente um penso ou uma cueca reutilizável com estas condições?
Em território nacional, houve, apenas, pequenos avanços governamentais quanto à garantia da dignidade menstrual, e não é por falta de esforço feminista. Em 2022, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou a distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual nas escolas públicas, mas isso não é regra no país nem em todos os contextos geracionais.
Não podemos ter pessoas a fazerem constantemente rolos de papel higiénico para pôr nas cuecas ou a faltar à escola — como acontece em alguns casos — só porque estão menstruadas e não têm produtos de recolha menstrual. É preciso garantir dignidade menstrual. Se não der para ser com um método sustentável, que seja com um descartável. Não é um capricho como comprar um bubble tea em copo de plástico, ou usar uma colher descartável no gelado de rua: é uma questão de qualidade de vida, de dignidade menstrual.
Sustentabilidade Menstrual e Contexto Social e Económico
Hoje em dia, há diversas opções sustentáveis e seguras de produtos de recolha menstrual, disponibilizadas ao público tanto em lojas físicas como online: penso, cueca, copo e disco. (Para terem acesso a todos os produtos reutilizáveis e descartáveis, vantagens e desvantagens, por favor consultar o livro “Não é Só Sangue”, de Patrícia Lemos, da pág. 139 à 141).
Quanto aos pensos reutilizáveis, que conseguem ser bem mais confortáveis que os descartáveis, precisam de ser devidamente lavados. Há alguns pensos que têm indicação para serem lavados à mão e depois à máquina, outros indicam que a lavagem à mão, com sabão neutro, é o suficiente, e devem secar ao ar. O mesmo para cuecas menstruais.
Ora, dado este panorama, para uma rapariga, mulher, pessoa, menstruada poder usar cuecas e pensos, tem de ter acesso a água potável e a tempo de casa de banho que lhe permita lavar devidamente os produtos. Pode parecer algo estranho, mas acredite que uma casa familiar em que só há uma casa de banho, ou que uma delas é partilhada por mais do que um jovem/adolescente, a pressão de ter de se despachar é real. Ainda, pode acontecer o pai ou a mãe, irmã/o, ou uma pessoa cuidadora, ver o “mar de sangue” no lavatório e rotular aquilo com um “que porcaria é esta?”. Acrescentando a tal, é preciso garantir que o lavatório é limpo devidamente depois da lavagem do produto.
Além disso, é necessário um ambiente familiar que permita o à-vontade de pôr um penso menstrual a secar no estendal ou na casa de banho.
Os copos são espetaculares para quem se adapta a eles. Podem, sim, ser uma forma de poupar dinheiro, porque hoje em dia consegue-se um por 15 a 20 euros, e só se precisa de um, durante muitos ciclos. No entanto, como refere Patrícia Lemos, muitas vezes a pessoa tem de experimentar vários até encontrar o ideal para si, contradizendo o argumento da poupança.
Ainda, os kits mais baratos não incluem esterilizadores, o que implica que o copo terá de ser fervido numa panela, ao lume. Pode-se até ferver o copo numa panela onde se costuma cozinhar comida, pois tal não apresenta nenhum problema sanitário – é fervido, e até podem ter uma panelinha ou caneca de ir ao lume só para isso, se fizer confusão – mas pode ser muito complexo no âmbito de uma ambiente familiar conservador. A rapariga não vai acordar de madrugada para ferver o copo…
Além disso, em termos monetários, para alguém poder experimentar o copo tem de, pelo menos, conseguir despender 15 a 20 euros de uma só vez do seu orçamento ou mesada. Nem toda a gente tem essa possibilidade.
Assim como o tampão comum, o uso de copo, se não for feita a devida higienização, comporta o risco de Síndrome do Choque Tóxico – muito rara, mas que pode ser fatal. Daí a importância de haver um contexto que permita a devida higienização. No entanto, não se apoquentem demasiado com este dado, pois é mesmo raro. Certifiquem-se que fazem a higienização como recomendada na embalagem. Usando tampões, troquem de tampão com frequência – não usar mais de 8 horas seguidas – e não usem tampões superabsorventes quando o fluxo menstrual é baixo, pois isso “facilita a infeção no local e a passagem de bactérias para o útero e corrente sanguínea.” (Mais informação aqui).
Não esquecer, também, que a própria inserção do copo implica estar confortável com o corpo, com a sua própria anatomia. Há muitas mulheres que pouco ou nada olham para a sua vulva. Ainda, há muitas pessoas que continuam com a crença da virgindade como tendo o selo do hímen, não se atrevendo sequer a pôr um tampão com aplicador, ou a sugerir a uma filha essa possibilidade, enquanto são “virgens”.
Uma cueca menstrual comum no mercado começa perto dos €8. Mas não só de uma cueca se faz o período – segundo ditado menstrual desta crónica. Se imaginarmos apenas duas cuecas por dia – uma para o dia e outra para a noite –, num período completo, temos um investimento que ronda os €32, pelo menos, contando com períodos de secagem. Os pensos reutilizáveis disponíveis começam no mesmo valor, havendo alguns em farmácia que podem chegar aos €20 a unidade.
Quando falamos de disco, mais confortável se tem de estar com o próprio corpo, para além de exigir maior literacia corporal: é preciso saber localizar o colo do útero (assunto bem abordado por Patrícia Lemos). Algo fantástico que o disco tem, é que permite sexo com penetração sem que haja fugas de menstruação. Quanto a valores, diferem imenso. A unidade da marca agora mais presente no mercado custa €35,96, havendo mais baratos, alguns com portes exorbitantes, ou no Ali Express, de qualidade duvidosa. A compra pela internet acrescenta o facto de ser preciso ter acesso a uma conta do banco – uma não-realidade para alguns adolescentes – e a permissão em casa para mandar vir encomendas sem inspeção parental conservadora.
Notas conclusivas
Temos de perceber que enquanto os produtos de recolha menstrual reutilizáveis não forem disponibilizados de forma gratuita a quem não tem capacidade para os comprar, a sustentabilidade menstrual continuará a ser, infelizmente, um privilégio económico; e enquanto não se normalizar o uso de produtos de recolha menstrual reutilizáveis e se desfizer o estigma à volta do período, a sustentabilidade menstrual continuará a ser, também, um privilégio social.
Devemos, sim, prioritizar produtos de recolha menstrual reutilizáveis e ter em consideração o contexto das pessoas, tentando garantir ao máximo que há condições sociais e sanitárias para o seu uso. Acima de tudo, temos de garantir que há dignidade menstrual para toda a gente que menstrua, mesmo que seja com produtos descartáveis.
Eu tenho o privilégio social e económico de poder utilizar produtos de recolha menstrual reutilizáveis. Uso pensos e cuecas menstruais. No entanto, se o fluxo me apanha desprevenida, se não tenho comigo os produtos, ou estou num ambiente que não é propício para a utilização de produtos reutilizáveis, uso produtos descartáveis. Faço por usar pensos 100% algodão orgânico do supermercado (sem perfumes artificiais, sem plástico, mas também mais caros), mas nem sempre é possível. Não sou nenhuma criminosa ambiental por isso, nem ninguém é, mesmo que use pensos/tampões normais, porque não consegue ter outros de momento.
Por último, é preciso educar a população em geral, não só as crianças e jovens, não só nas escolas, para que as famílias não questionem moralmente as opções de recolha menstrual escolhidas pelas pessoas menstruadas com quem convivem.
Materiais de apoio para mais pesquisa:
Livro “Não é Só Sangue”, de Patrícia Lemos, citado várias vezes neste artigo. A mesma autora tem outro livro em que o público alvo são os mais novos, chamado de “Período”.
Livro citado, de Caroline Criado Perez, “Mulheres Invisíveis — Dados que configuram o mundo feito para os homens”.
Vídeo cómico e honesto de Bumba na Fofinha, sobre período, no seu instagram.
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