Em vez de “mostrarem o que somos”, as redes sociais estão a acentuar “aquilo que falta” e isso está a destruir a saúde mental dos jovens
Juan Algar - Getty Images
Três em cada quatro jovens afirma já ter pensado em mudar a sua aparência por causa das redes sociais, o que tem deixado os pais preocupados. A Dove quer levar o tema ao Parlamento Europeu e legislar as redes sociais, por isso lançou uma petição
Tirar dezenas de fotografias e escolher duas ou três, se for um dia sim. Percorrer inúmeros filtros. Cortar aqui e ali, quem sabe corrigir algumas imperfeições. Agora a descrição, pesquisar no Google: ‘frases motivadoras’ e pensar na melhor hora de publicação, para ter o máximo de ‘likes’ e comentários possível.
Este percurso pode ser semelhante àquele que é feito por muitos utilizadores e utilizadoras das mais variadas redes sociais, já que as fotografias têm de corresponder à sua melhor versão. Ou pelo menos é isso que espelham a grande maioria dos perfis.
Este conceito tem vindo a ser desmistificado por algumas influenciadoras digitais, ou utilizadores que não querem seguir a norma. Mas mudar ‘a norma’ leva o seu tempo.
Redes sociais pressionam para alterar a aparência
Tendo como base um estudo desenvolvido pela marca Dove e conduzido pela empresa Edelman Data & Intelligence, que tem como objetivo avaliar o impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens, três em cada quatro jovens afirma já ter pensado em mudar a sua aparência por causa das redes sociais.
Ao longo do dia, são muitas as vezes que se faz o simples movimento de pressionar levemente o ecrã do vidro do telemóvel para entrar numa rede social.
Segundo o estudo da Dove, - que surge em sequência da iniciativa “Projeto Pela Autoestima” - Portugal é dos países da União Europeia em que os jovens se dizem viciados nas redes sociais. A média europeia é de 78% e em Portugal o número sobe para 86%.
A grande maioria dos jovens começa a utilizar as redes sociais por volta dos 13 anos de idade e muitos deles (8 em cada 10) dizem mesmo preferir comunicar com outras pessoas através das redes em vez de pessoalmente.
Conteúdos de beleza tóxicos, comportamentos de restrição ou distúrbio alimentar, uso excessivo de filtros e conteúdos relacionados com automutilação foram alguns dos universos abordados neste estudo que culminou na maior conclusão do artigo: os jovens querem mudar a aparência por causa do que veem nas redes. Querem aproximar-se a uma realidade digital, muitas vezes distorcida ou até irreal.
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O psicólogo Eduardo Sá, especialista em Saúde Familiar e Educação Parental, disse ao Expresso que o humano “precisa do olhar das pessoas para se sentir bonito”, e por isso é que talvez gostemos mais daquela fotografia que teve mais gostos do que o habitual.
Eduardo Sá explica que as redes sociais “em vez de nos ajudarem a descobrir, parecem ser um espelho mágico que funciona ao contrário. Em vez de nos mostrar aquilo que nós somos, estão quase invariavelmente a acentuar aquilo que nos falta.”
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A cantora portuguesa Carolina Deslandes é embaixadora da marca Dove e, durante o evento, disse ao Expresso que “esta ideia de olhar para nós e gostarmos daquilo que temos, sem estar a ambicionar a vida ou o corpo do outro, é uma coisa muito urgente. E como mãe preocupo-me que os meus filhos cresçam longe desta ideia”.
Ainda que estes resultados se foquem na parte mais negativa das redes sociais, nunca é demais relembrar que as redes sociais também aproximam os jovens, facilitando a sua comunicação à distância. São um fator de entretenimento, mas também de informação, que já é quase indispensável.
A culpa não é só das redes sociais?
O psicólogo explicou que não considera que as redes sociais sejam responsáveis pela baixa autoestima dos adolescentes, mas sim “aquilo que nós lhes exigimos, como a ideia de que têm de ter uma carreira antes de ter uma vida.”
Ainda assim, não descredibiliza o peso das redes sociais nos adolescentes, - em especial os mais novos - ao acrescentar que “é pouco razoável que eles tenham acesso a um conjunto de conteúdos que lhes são trazidos por adolescentes parecidos com eles, que se comparam entre si”,
Carolina Deslandes fala ainda do peso da comunicação social, que diz que pode ser semelhante ao das redes sociais, e dá um exemplo: “há certos tipos de vocabulário que são usados, por exemplo em revistas, que quem escreve, depois vai dizer aos filhos que não podem usar essas palavras”.
Por isso defende que devia haver “algum tipo de legislação” ou “penalização”. Conta que bloqueou a maior parte dos meios de comunicação social e pediu à sua família para não enviar os conteúdos que falem sobre si.
Foi neste sentido que a Dove lançou uma petição que junta todos os países onde está representada a marca, com o objetivo de levar o tema ao Parlamento Europeu e legislar as redes sociais.
Maria Matos, responsável da Dove em Portugal, explica que “há uns anos as redes sociais tornaram-se incontornáveis e nós temos vindo a fazer várias campanhas de sensibilização para os seus perigos”, onde esta petição se inclui.
“A beleza tem de ser uma fonte de confiança e não de ansiedade”
As palavras voltam a ser de Maria Matos. Ao pensar no evento procuraram ter várias vozes, como as duas adolescentes convidadas a falar da sua experiência nas redes sociais, mas também Catarina Cabrera, influenciadora digital.
Sofre de depressão e de um distúrbio alimentar que já a fez passar por uma bulimia. Tenta e quer usar mais a sua rede social para falar sobre as doenças mentais e a ansiedade. “É algo que faz parte da minha vida”, refere, sublinhando que quer mostrar esse lado, com o desejo de conseguir ajudar “pelo menos alguém a não se sentir sozinho”.
E o que podem os pais fazer
O estudo da Dove, - que também incluiu as respostas dos pais - concluiu que mais de 85% dos pais concordam que as redes sociais precisam de mudar para darem uma experiência mais positiva aos adolescentes. Também defendem a existência de uma legislação de modo a responsabilizar as plataformas pelo seu impacto negativo na saúde mental dos jovens.
O estudo concluiu que 48% dos pais se sentem culpados por não estarem a proteger suficientemente bem os filhos relativamente às redes sociais.
E 52% acreditam que plataformas têm mais poder para moldar a autoestima e a confiança dos seus filhos do que os próprios pais.
Para Eduardo Sá, uma criança não devia ter um telemóvel antes dos 10 anos e mesmo a partir desta idade, “continuam a precisar dos pais como entidade reguladora, para uma gestão dos perigos.”
Fundamenta ao explicar que “os pais preocupam-se em saber quem são os amigos com quem saem à noite. Mas depois eles têm uma mão cheia de amigos nas redes que os pais não fazem ideia de quem são, onde vão e do que falam.”
Defende que as escolas não deviam permitir o uso de telemóveis em contexto escolar e conclui dizendo que “tem de haver limites ao que é admissível, porque se não, estamos a criar uma sociedade de direito onde voltámos a ter delitos de opinião e milícias populares em vez de ter sentido de justiça e de bondade, que nos aproxima uns aos outros.”
Participaram no estudo jovens de Portugal, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Brasil, Estados Unidos e Canadá. Em Portugal a amostra foi de 1200 inquiridos, sendo que 500 dos participantes são pais e os restantes 700 são jovens dos 10 aos 17 anos.