Os mais jovens estão desiludidos com as novas medidas para habitação: “Nenhuma combate os problemas reais que vivemos hoje”
NUNO BOTELHO
Depois de partilharem com o Expresso as suas histórias de habitação precária, quatro jovens ouviram António Costa anunciar na semana passada um novo programa para a habitação. Ouviram, mas não gostaram. E não apenas por quase não terem ouvido nada dirigido para eles. Aqui explicam porquê
A habitação tem sido a palavra de ordem num país onde se multiplicam as histórias de adultos obrigados a dividir casa com desconhecidos, jovens sem capacidade financeira para saírem de casa dos pais ou famílias inteiras confinadas a um quarto. Os pedidos de resposta ao Governo vieram de todas as frentes, dos grupos parlamentares à sociedade civil. A resposta chegou agora, no formato de um programa de habitação, apresentado na última quinta-feira pelo primeiro-ministro. O conjunto de medidas, chamado de Mais Habitação, incluiu medidas em cinco eixos – aumentar oferta de imóveis para habitação; simplificar processos de licenciamento; aumentar o número de casas no mercado de arrendamento; combater a especulação imobiliária; proteger as famílias. Um dos maiores interessados neste programa são os jovens que não conseguem arrendar ou comprar casa. Depois de há um mês terem partilhado as suas histórias com o Expresso, os jovens em situação de habitação precária partilharam agora a sua visão sobre o novo pacote do Governo. Spoiler alert: não saíram de esperança renovada.
“A maioria das medidas parece mais focada na proteção dos senhorios do que dos arrendatários”, diz ao Expresso Maria do Ó, uma jovem com casamento marcado para este ano, que não consegue encontrar uma casa adequada ao rendimento do casal. Entre as 14 medidas apresentadas pelo Governo, existe a promessa de reforço da “confiança dos senhorios” para que estes coloquem as suas casas disponíveis no mercado. A ideia é que o Estado arrende casas de particulares “a preços normais por um prazo de cinco anos” para depois subarrendar a preços acessíveis.
Enrique Martinez, 27 e 25 anos
Além disto, o Estado ainda abriu a porta a pagar “antecipadamente a renda do ano seguinte correndo por conta própria o risco da cobrança da renda”. Esta proposta tem como objetivo conseguir aumentar o número de casas para arrendar a preços mais baixos. Contudo, estes jovens continuam a pedir medidas que tenham impacto em todo o mercado imobiliário. “Estas medidas não vão trazer mais casas ao mercado para a semana e o preço das casas também não vai baixar”, critica Bruna Bruno, uma das poucas jovens que conseguiu comprar casa, mas viu a inflação aumentar a sua taxa de esforço de 15% para 26%.
Portugal é um dos países da Europa com mais proprietários
“Não encontro aqui nenhuma medida que me pareça resolver o problema estrutural de Lisboa que é a especulação”, desabafa João Matos, de 28 anos. Para o jovem, que vive em Lisboa através do Arrendamento Acessível, o “urgente” seria “acabar com benefícios fiscais para atrair investidores imobiliários”. “Parece-me que estaria na altura de deixar de fazer com que este mercado [imobiliário] se torne numa oportunidade de negócio e olhar para a habitação como um direito universal”.
João Matos, um dos jovens ouvidos pelo Expresso
João Matos
Os jovens não confiam nos senhorios (porque a experiência não tem sido boa)
Dentro de eixo que visa a proteção das famílias, o Governo apresentou um apoio extraordinário de até 200 euros mensais para agregados familiares com taxas de esforço superiores a 35%, até ao sexto escalão de rendimento (e até aos limites de renda do Porta 65). À partida, grande parte dos jovens estariam elegíveis, mas Gonçalo Gomes levanta um problema: a grande quantidade de jovens que arrendam casas e quartos sem contratos de arrendamento. “Saberá António Costa que a maioria dos senhorios não contratualiza os arrendamentos? Saberá António Costa que aqueles que contratualizam nunca incluem o valor real da renda que é paga pelo inquilino no contracto por forma a fugir aos impostos? Em casos de partilha de casa (que abundam, sobretudo entre jovens que vivem em quartos minúsculos) como seria?”, questiona o jovem natural do Algarve e a viver em Lisboa desde os 18 anos, que procura casa para comprar há cinco anos.
Também na fixação de tetos máximos de renda para novos contratos – uma medida que pretende evitar uma escalada ainda maior dos preços – é identificada outra falha. “Como o teto máximo de rendas é definido em função do último contrato, isso pode ser um incentivo para os senhorios terminarem os contratos atuais e estabelecerem novos contratos com valores mais altos, antes da medida avançar”, nota João Matos. E conclui: “Ou aumentam os salários ou baixam as rendas, assim como está é difícil”.
Quanto às medidas para a colocação de novas casas no mercado, os entrevistados pelo Expresso também consideram serem demasiado lentas para responder às necessidades atuais. “O problema precisa de ser resolvido no imediato, temos pessoas a viver na rua hoje. Irá a construção de habitação resolver o problema? O que nos garante que essas casas não serão também alvo de especulação? Quando estará concluída a construção dessas casas? Onde serão? E quem precisa de casa hoje, espera até 2026?”, volta a inquirir Gonçalo Gomes tendo o Governo como alvo. Também Bruna Bruno deixa críticas ao pacote global do Governo. “São medidas super vagas e pensadas no longo prazo, sendo que nada garante que o próximo Governo as venha a manter e, portanto, nem há garantias que vejamos sequer resultados”.
Uma das medidas que reúne maior consenso positivo prende-se com o fim de novas concessões de vistos gold – os já emitidos só podem ser renovados se os imóveis em causa servirem para habitação própria ou se forem colocados no mercado de arrendamento. “Já não era sem tempo”, diz Bruna Bruno. Contudo, à exceção desta proposta, continua a jovem de 28 anos, “nenhuma destas medidas parece combater os problemas reais e que são vividos hoje”. A opinião é partilhada por João Matos: "Não encontrei nenhuma medida de combate efetivo à especulação, com exceção ao fim dos vistos gold que peca apenas por ser tardio”.
Programa de habitação não trava uma das “piores crises de sempre”
Durante as mais de três horas de apresentação das novas medidas de apoio à habitação, foram quase inexistentes as menções à camada mais jovem. No documento oficial do programa Mais Habitação facultado pelo Governo, a palavra “jovem” aparece apenas duas vezes, ambas referentes ao programa Porta 65+ – que irá ser estendido a pessoas em “situações de maior vulnerabilidade” como “quebra de rendimentos superior a 20%” ou “famílias monoparentais”. Ainda assim, é possível que à medida que as propostas vão sendo detalhadas, sejam divulgados potenciais benefícios direcionados a esta faixa etária.
Enquanto isto não acontece, os jovens acusam o Governo de não ter uma atuação à medida da dimensão do problema. “Estamos perante uma crise imobiliária que tem potencial para ser uma das piores crises de sempre. Provoca perda de rendimentos e tem efeitos económicos completamente devastadores quer a nível social, quer a nível de emprego”, lembra Bruna Bruno. Esta situação tem aumentado os casos de “ansiedade financeira” entre os mais jovens. Um deles é Gonçalo Gomes que revelou ter ganho “crises de ansiedade” depois de um episódio de “quase despejo” que se agrava perante o cenário atual de valores imobiliários. “Creio que só teremos uma verdadeira noção das consequências desta crise daqui por uma década. Na natalidade, na nossa saúde mental, na nossa sociedade que se diz desenvolvida e que não consegue garantir o essencial ao seu povo”, partilha o algarvio.
Concorda com as novas medidas propostas pelo Governo para a habitação? Que soluções acha que poderiam resolver esta crise? Pode enviar sugestões, críticas e comentários para o Expresso através deste e-mail.