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“Tem 13 segundos para condenar a Rússia”. Mas PCP culpa EUA por ser o “verdadeiro interessado” na guerra

“Tem 13 segundos para condenar a Rússia”. Mas PCP culpa EUA por ser o “verdadeiro interessado” na guerra

Debate no Parlamento sobre invasão russa da Ucrânia deixou PCP e Verdes sozinhos. Santos Silva desafiou comunistas a condenar a Rússia, mas João Oliveira quis olhar para o contexto todo – e apontar o dedo aos EUA: os “verdadeiros interessados numa guerra” na Europa

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, foi esta quinta-feira ao Parlamento condenar “sem ses, nem mas” a “invasão militar” da Rússia a um Estado independente da Ucrânia. Numa audição no âmbito da Comissão Permanente do Parlamento, o chefe da diplomacia portuguesa fez uma condenação veemente do ataque russo e disse que esta é “a maior crise de segurança por que a Europa passa desde a II Guerra Mundial”. Todos os partidos acompanharam a condenação – o BE condenou “sem reservas” – menos o PCP que aludiu a um contexto mais vasto e responsabilizou os EUA por serem os “verdadeiros interessados numa guerra na Europa”.

A troca de palavras entre o ministro dos Negócios Estrangeiros e o deputado João Oliveira (que deixará o lugar quando o novo Parlamento tomar posse) levou mesmo a um momento de ironia, quando, sobrando apenas 13 segundo ao PCP para falar, Santos Silva fez uma sugestão: “Tem 13 segundos para condenar a Rússia”. Para o ministro dos Negócios Estrangeiros, a ação da Rússia contra a Ucrânia “tem que ser bem caracterizada” e é “uma invasão militar com intuitos de ocupação”, com a “violação ostensiva das regras internacionais e da carta das Nações Unidas”. É um ato “ilegal, imoral e ilegítimo”, disse.

Para João Oliveira, contudo, o quadro tem de ser visto de outra perspetiva. “É evidente que a situação que se vive na Ucrânia não é um problema entre russos e ucranianos, nem apenas uma disputa por território ou demarcação de fronteiras. O problema é mais profundo, mais amplo e ultrapassa em muito o leste europeu”, argumentou João Oliveira, apontando o dedo aos Estados Unidos da América (EUA), “os verdadeiros interessados numa nova guerra na Europa” e que estão “dispostos a sacrificar até ao último ucraniano ou europeu para a promover”.

Na ótica do PCP, Washington está a promover uma nova guerra “a milhares de quilómetros das suas fronteiras” para “desviar atenções de problemas internos” e “assegurar a venda de armamento em larga escala”. O dirigente da bancada comunista disse ainda que “não é expectável que a Rússia, cujo povo conheceu na história colossais agressões, venha a considerar aceitável que o inimigo”, ou seja, a Aliança do Tratado do Atlântico Norte (NATO) “esteja acampado nas suas fronteiras ou lhe faça um cerco militar por via de um ainda maior alargamento”.

Na resposta às declarações do PCP, o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, disse que tinha registado que os comunistas não condenaram a invasão russa decidida por Putin. “Ainda tem 13 segundos para o fazer”, desafiou Santos Silva. No entanto, João Oliveira disse que o governante pediu ao PCP para condenar “apenas uma circunstância”.

“Condenamos todos o caminho que nos trouxe até aqui e condenamos todas as ações que contribuem para o mesmo objetivo. A escalada de confrontação política, económica e militar não é um ato ou uma circunstância isolada”, completou, alegando que para isso contribuiu a “extensão, durante 30 anos, das fronteiras da NATO” com a Rússia. O líder parlamentar comunista finalizou que “é preciso condenar tudo aquilo que contribua para um desfecho violento deste conflito” e equiparou a condenação à condenação que o PCP fez da guerra no Iraque, no Afeganistão, na Líbia ou na Síria.

Santos Silva respondeu que “essa técnica de querer condenar tudo ao mesmo tempo é o melhor disfarce” para recusar condenar o Kremlin. Aos Verdes, responderia de forma semelhante: “Não basta dizer que somos pela paz e contra a guerra, temos de denunciar a guerra e não entrar nessa espécie de equivalência em que, como todos têm culpa, os culpados são desculpados”.

O imperialismo bom contra o mau. BE condena “sem reservas”

O BE, por sua vez, considerou que “a invasão da Ucrânia pela Rússia é inaceitável”, condenando sem reserva a ocupação de território de um país soberano e lamentando todas as vidas perdidas. E defendeu um cessar-fogo imediato na Ucrânia, considerando que mais presença da NATO na região “apenas escala o conflito”, com o Governo a contrapor que o reforço da capacidade de dissuasão é o que obriga “Putin a pensar mil vezes”.

No Parlamento, deputado do BE defendeu que “deve existir um cessar-fogo imediato e a retirada das forças russas de território ucraniano”, considerando que a insistência da Rússia na via militar deve “ser punida com sanções fortes que afetem diretamente a oligarquia russa e a elite do país”.

Na resposta, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, registou “a condenação sem reservas” que o BE “faz do ato de agressão da Rússia”, uma vez que “é muito importante que essa condenação se faça” e que “seja o mais generalizada possível neste parlamento que representa o país na sua diversidade”, acompanhando também “a exigência de um cessar-fogo imediato”.

Tal como já tinha defendido Catarina Martins esta manhã, Pedro Filipe Soares criticou o reforço das forças da NATO, uma vez que esta maior presença “não dissuade, apenas escala o conflito”, reiterando a necessidade de “sanções económicas duras contra oligarquia russa”, o que permitirá “regressar à via diplomática e a essa via deve ser dada prioridade.

Na réplica, Augusto Santos Silva defendeu que “há três divergências” entre o Governo e o BE “que não vale a pena esconder”. “O senhor deputado pareceu-me que quer estabelecer sempre uma relação simétrica: há um imperialismo, mas há também outro imperialismo. Eu acho que há mesmo uma potência agressora que viola flagrantemente os seus próprios acordos e a lei internacional e há uma aliança defensiva que está também a fortalecer a sua capacidade de defesa e dissuasão”, contrapôs.

Para o governante, “não há simetria, a culpa não é de todos” porque “a culpa, a responsabilidade, a violação tem um nome e tem um rosto e esse nome é Vladimir Putin e o rosto é o dele”. “Sim, nós estamos a reforçar a nossa capacidade de dissuasão porque é aquela que permite a Putin pensar mil vezes antes de se atrever a fazer um gesto e a tomar uma ação que se não fosse essa capacidade de dissuasão nós não teríamos a certeza que ele não tomasse”, afirmou, considerando que ter “capacidade de defesa, de dissuasão é muito diferente” de se ser militarista.

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