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Seca: PRR reservou €750 milhões de euros para o regadio. O país precisa de €1200 milhões

Foto: Tiago Miranda
Foto: Tiago Miranda

O regadio em Portugal conta com superfície irrigável de 626.820 hectares e uma superfície regada de 562.255 ectares, entre áreas públicas e privadas. Na prática, apenas 15% da superfície agrícola utilizada é regada, revela o estudo “Regadio 20|30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, coordenado pela Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva

Na Campina, em Idanha-a-Nova há enormes perdas de água devido à falta de conservação do regadio, uma infraestrutura construída nos anos 60 do século passado para irrigar 7500 hectares de solos agrícolas produtivos. Tal como em Idanha, há outras áreas do país onde o regadio não recebe investimentos há décadas, originando perdas de água e falta de eficiência. Estruturas obsoletas e que vão ser modernizadas, mas o dinheiro anunciado para o regadio é pouco para as necessidades: o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) reservou 750 milhões de euros, mas o país precisa de investir 1200 milhões, revela o estudo feito pela Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva.

No documento são elencados 240 mil hectares públicos, que incluem 70 mil hectares “em avançado estado de degradação e com mais de 50 anos de existência”. É o que sucede em Idanha-a-Nova. Uma “tragédia”, lamenta João Pereira, presidente da Associação de Produtores de Azeite da Beira Interior e consultor agrícola. Em causa um regadio que “funciona por gravidade e com enormes perdas de água”.

O regadio em Portugal conta com superfície irrigável de 626.820 hectares e uma superfície regada de 562.255 ectares, entre áreas públicas e privadas. Na prática, apenas 15% da superfície agrícola utilizada é regada, revela o estudo “Regadio 20|30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, coordenado pela EDIA.

No estudo são apontadas melhorias na rede de regantes, com o consumo médio de água por hectare a passar dos 15 mil metros cúbicos para 4 mil. Gonçalo Tristão, responsável pelo Centro Nacional Operativo Regadio, em Beja, reconhece esses ganhos. O Centro faz auditorias aos sistemas de regadio existentes e sustenta que atualmente as perdas “atingem os 3 mil m3 dia”. Já chegaram aos 16 mil m3. Mas, diz Tristão, “é possível ganhar mais eficiência, com tecnologia, na rega e na infraestrutura”. Ou seja, fazer “mais com menos recursos”, assume o responsável do Centro para quem a agricultura tem sistemas “de distribuição de água com menos perdas e mais sofisticadas do que no abastecimento público”.

A expansão sustentável do regadio público em Portugal conta com 787 milhões, sendo que 588 são destinados à reabilitação das redes existentes. Projetos de reabilitação que vão avançar no imediato, em Vale de Cambra, Viseu e Vinhais.

As obras em sistemas tradicionais que “transportam a água em canais abertos, que se deterioram e permitem a evaporação”, explica João Pereira.

No concelho de Vale de Cambra será reabilitado o regadio tradicional de Cavião, beneficiando uma área de 35 hectares. Em Viseu, a Junta de Freguesia de Bodiosa vai modernizar o sistema de regadio da Poça da Presa, para irrigar 7 hectares, substituindo a gravidade por pressão, aumentando a eficiência da utilização da água. O montante total do investimento aprovado é de 74.354 euros.

Em Vinhais será melhorado o regadio tradicional de Vila Verde, que ocupa 36 hectares e de Santa Cruz, com 24. No conjunto são 458 mil euros, nos últimos 4 projetos aprovados.

João Pereira releva estes investimentos que considera “a última esperança para a agricultura”, mas aponta a necessidade de promover “novos regadios, fundamentais para a sobrevivência do sector agrícola”. E apesar da falta de dinheiro, adianta outras soluções, como “o próximo quadro comunitário de apoio e o recurso ao financiamento público”.

Nos novos regadios existem 199 milhões de euros disponíveis. Projetos como a nova barragem do Pisão, no Crato; inicialmente dotada de 171 milhões, viu o investimento reduzido em 50 milhões, como consta na versão final do Plano de Recuperação e Resiliência.

Nos últimos projetos anunciados, e já a concurso, estão previstos regadios na Maceira, em Mortágua; na Marateca, em Castelo Branco; no Vale da Vilariça, no concelho de Alfândega da Fé e o Circuito Hidráulico de Reguengos de Monsaraz, a partir de Alqueva. 

Ao todo, serão beneficiados cerca de 13.000 hectares aos quais está associado um valor de apoio ao investimento superior a 50 milhões de euros.

Com a agricultura a usar 75% da água disponível, o estudo da EDIA aponta para a necessidade de “reduzir perdas” nas redes mais antigas. E propõe 99 novas intervenções, para irrigar 127 mil hectares.

Porém a EDIA faz notar que as intenções de investimento previstas em novos regadios, “a curto, médio e longo prazo, ascendem a cerca de 1201 milhões de euros”. E mesmo este valor não inclui “a realização de todas as ações elencadas”.

Manuel Marques, dirigente da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela, reconhece que “é pouco, sobretudo porque foi parada a construção de algumas barragens”. Como Girabolhos, na serra da Estrela, na confluência de uma ribeira e do rio Mondego. Seriam 950 km quadrados de área irrigada, “capazes de suprir as necessidades da região”, adianta Manuel Marques. Porém a barragem saiu da lista de prioridades, “sinal da falta de planeamento que existe no país, que está na primeira linha das alterações climáticas”, crítica o presidente dos criadores de gado da serra da Estrela.

Francisco Pavão, presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro, reconhece que “o dinheiro é pouco e as necessidades muitas”, porém considera que a indicação destes novos investimentos “não deve ser estanque e deve permitir a indicação de novos aproveitamentos hidroagrícolas, desde que cumpram os princípios de uso sustentável do recurso água”.

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