Expressinho

"Muitos imigrantes chegam ao país sem uma rede de apoio"

"Muitos imigrantes chegam ao país sem uma rede de apoio"

Nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, explorámos o tema das migrações, que foi amplamente debatido nos meios de comunicação social e nas aulas. No nosso projeto, entrevistámos Madalena Motta Veiga, formadora no Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS)

Alunos do 6.º F dos Salesianos de Lisboa

As instituições de apoio aos imigrantes desempenham um papel fundamental na construção de uma sociedade mais inclusiva e solidária. O JRS é uma organização internacional da igreja católica, fundada em 1980, sob responsabilidade da Companhia de Jesus, em Portugal. Existe desde 1992 e, desde então, tem estado ao serviço dos emigrantes.

Quais são as áreas de intervenção do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS)?

O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) atua nas áreas de acolhimento, proteção, integração e defesa dos direitos de refugiados e migrantes. Promove vários apoios, como, o apoio social, formação, integração laboral, apoio psicológico, sócio legal, jurídico, entre outros. Atua em duas grandes áreas de intervenção: acolhimento e acompanhamento.

Neste âmbito, o JRS dispõe de uma equipa multidisciplinar organizada por vários departamentos, entre eles: saúde mental, com apoio psicológico e psicoterapêutico especializado; emprego, através de programas de integração laboral e orientação profissional; habitação, apoiando na mediação com senhorios e na instalação em alojamento digno; academia de formação, incluindo cursos de língua portuguesa e ações em áreas profissionalizantes; social, garantindo acompanhamento personalizado e apoio em situações de vulnerabilidade; sócio legal através do CLAIM, entre outros.

Também fazem acolhimento?

Sim, dispomos de três Centros de Acolhimento, um deles localizado em Lisboa, outro em Vendas Novas e o terceiro em Vila Nova de Gaia. O Centro de Acolhimento Norte, em Vila Nova de Gaia, é uma resposta desenvolvida pelo JRS-Portugal para atender à necessidade de acolher e integrar pessoas requerentes de asilo.

Já o Centro de Acolhimento Sul, em Vendas Novas, é uma resposta desenvolvida para atender à necessidade de acolher e integrar requerentes de asilo que chegam ao país através de movimentos programados pelo Estado Português. Por fim, em Lisboa, o Centro Pedro Arrupe visa dar resposta, enquanto centro de acolhimento, a migrantes sem-abrigo.

Assim, no ano 2024, o JRS-Portugal apoiou 3844 migrantes, tendo efetuado cerca de 18378 acompanhamentos.

Qual o retrato que faz da imigração no nosso país? Quais são os maiores desafios?

Portugal vive, atualmente, um grande fluxo migratório no que à sua história recente diz respeito. Os maiores desafios são o acesso a emprego digno, à habitação, a regularização documental, a integração social e o combate à discriminação.

Portugal assumiu-se como destino importante para várias comunidades migrantes, trazendo riqueza cultural e revitalização económica. No entanto, garantir que esta migração seja sustentável e justa requer enfrentar os desafios mencionados - sob pena de se acentuar a vulnerabilidade de quem chega e empobrecer a coesão social.

Qual o perfil do imigrante que recorre aos vossos serviços?

O perfil do imigrante que recorre aos nossos serviços é muito diversificado, refletindo a variedade de origens, histórias de vida e motivações que levam alguém a migrar. No entanto, em termos gerais, são pessoas que se encontram em situação de grande vulnerabilidade.

Incluem-se famílias, jovens, adultos sozinhos, muitos dos quais em situação irregular ou com processos de regularização ainda em curso. Frequentemente, apresentam baixos rendimentos e enfrentam dificuldades no acesso a serviços essenciais, como saúde, educação, habitação ou apoio jurídico.

Algumas destas pessoas não tiveram oportunidade de estudar ou concluir a sua formação no país de origem, enquanto outras possuem qualificações académicas e profissionais, mas enfrentam entraves no reconhecimento das mesmas em Portugal. Muitos imigrantes chegam ao país sem uma rede de apoio e com escasso conhecimento da língua e dos direitos que têm. Esta fragilidade torna-os especialmente expostos à exclusão social, ao emprego precário, à discriminação e a situações de abuso ou exploração. O JRS-Portugal procura responder de forma personalizada, promovendo dignidade, autonomia e integração plena na sociedade portuguesa.

Quais são os países de origem que mais recorrem aos vossos serviços?

No ano de 2024, manteve-se a tendência histórica de predominância de cidadãos oriundos de países pertencentes às comunidades portuguesas (CPLP). Assim, das 92 nacionalidades, as mais predominantes foram S. Tomé e Príncipe (27%), Guiné-Bissau ( 12%), Angola (8%), Brasil (8%), Colômbia (6%), Afeganistão (4%).

Como decorre o processo de integração proposto pelo JRS? Acolhem crianças?

O processo é feito através de um acompanhamento personalizado, que se inicia com o acolhimento inicial e continua com apoio na regularização de documentos, formação linguística e profissional, bem como apoio na procura de emprego e de habitação.

Sim, acolhemos famílias inteiras com ou sem crianças, que também recebem apoio adequado às suas necessidades. Este apoio pode incluir o acesso à escola, acompanhamento psicológico e mediação com serviços de saúde e proteção infantil, sempre com o objetivo de garantir o bem-estar e a integração plena de todos os membros da família. O acompanhamento é realizado por uma equipa multidisciplinar, que adapta a resposta a cada situação concreta, promovendo a autonomia, inclusão social e a construção de um projeto de vida digno em Portugal.

Que projetos estão disponíveis na vossa instituição?

O JRS dispõe de uma ampla variedade de projetos e serviços que visam apoiar refugiados e migrantes em diferentes fases do seu percurso de integração em Portugal. Estes projetos abrangem diversas áreas de intervenção, incluindo o acolhimento, o apoio social, a integração laboral, a saúde mental, a formação linguística e profissional, o apoio jurídico, bem como ações de sensibilização e educação intercultural em escolas.

Em 2024, foram implementados um total de 22 projetos, refletindo a resposta contínua e adaptada às necessidades da população migrante. Destes, 4 são projetos de continuidade a longo prazo, que garantem respostas estáveis e consistentes ao longo do tempo, e 9 foram lançadas este ano, com o objetivo de alargar a capacidade de intervenção do JRS e dar resposta a novos desafios emergentes.

Quais são as maiores dificuldades que encontram no terreno?

No terreno, enfrentamos várias dificuldades que condicionam a nossa capacidade de resposta e a eficácia da intervenção junto de refugiados e migrantes. Uma das principais limitações é a falta de recursos financeiros, o que impede muitas vezes de dar resposta a toda a procura, que tem vindo a aumentar de forma significativa.

Outro grande obstáculo é a burocracia associada aos processos de regularização documental, que são frequentemente longos, complexos deixando muitas pessoas em situações de vulnerabilidade ou irregularidade prolongada. A dificuldade em encontrar habituação a preços acessíveis é também um dos maiores desafios, agravada pelo atual contexto do mercado imobiliário, que apresenta elevados custos e critérios de acesso exigentes, como rendimentos mínimos ou garantias que muitas famílias migrantes não conseguem cumprir.

Por fim, persistem situações de discriminação social, que afetam negativamente a integração plena destas pessoas na sociedade portuguesa. Estas dificuldades exigem um esforço constante de adaptação, articulação com parceiros e reforço da intervenção, para garantir uma resposta digna, eficaz e centrada nos direitos humanos.

Como se financia a vossa organização?

O JRS é financiado através de projetos apoiados pela União Europeia, pelo Estado Português, por parcerias privadas e ainda por campanhas de angariação de fundos e donativos particulares.

Os imigrantes têm de ser católicos para serem acolhidos pelo JRS?

Não. O JRS acolhe todas as pessoas, independentemente da sua religião, origem ou crença.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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