Carvalho da Silva e Torres Couto apelam à união de CGTP e UGT contra reforma laboral: "Não podemos aceitar esta regressão"

Dirigentes históricos das centrais sindicais ultrapassaram divergências para fazer um apelo conjunto
Dirigentes históricos das centrais sindicais ultrapassaram divergências para fazer um apelo conjunto
Os ex-líderes da CGTP e da UGT Carvalho da Silva e Torres Couto defenderam esta sexta-feira que a luta convergente das duas centrais sindicais contra as medidas laborais "desumanas e indecentes" tem de começar já, pois o Governo tem demonstrado pressa "antes que se descubra a careca".
Em conferência de imprensa, em Lisboa, os dirigentes sindicais históricos lançaram um apelo à CGTP e à UGT para "convergirem na mobilização dos trabalhadores na luta pela defesa dos seus direitos e interesses" e assinaram duas cartas com esse apelo que de seguida foram levadas às duas centrais sindicais, ao cuidado dos atuais secretários-gerais (Tiago Oliveira, da CGTP, e Mário Mourão, da UGT).
Para Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP entre 1986 e 2012, o pacote laboral apresentado pelo Governo (PSD/CDS-PP) é "uma das três ofensivas estruturais mais profundas feitas sobre a legislação do trabalho e enquadramento constitucional dos direitos e deveres dos trabalhadores nos 51 anos desde o 25 de abril", depois das que levaram às greves gerais de 1988 e de 2010, e considerou que "há que agir" rapidamente pois "há sinais claros da parte do Governo de que sente necessidade de andar depressa antes que se descubra a careca".
Antecipou ainda que com apoio do Chega e da IL é provável que o pacote laboral seja aprovado, ainda que com recuo em alguma medida com mais sensibilidade pública (como direitos de amamentação), mantendo-se as restantes alterações que considerou um "retrocesso civilizacional".
"É um apelo singelo às duas centrais sindicais pedindo-lhes para não terem qualquer hesitação [na convergência] porque o futuro de Portugal e dos trabalhadores portugueses está nas mãos destas duas organizações", disse José Manuel Torres Couto, secretário-geral da UGT entre 1978 e 1995.
O ex-líder da UGT iniciou a intervenção a dizer que tinha "ressuscitado" esta sexta-feira para a intervenção pública não porque queira pôr-se em bicos de pés mas porque o momento o exige perante propostas que qualificou de "desumanas e indecentes".
"As leis laborais são para definir equilíbrios entre trabalho e capital e nada disso acontece nesta proposta. [...] Um sindicalista não pode assinar este pacote laboral que o Governo quer apresentar", afirmou, defendendo que "a luta é já".
Recordou Torres Couto que teve uma vida sindical de conhecidas divergências com Carvalho da Silva mas que isso não os impediu de, face à urgência, se entenderem numa ação conjunta contra a reforma laboral do governo de Cavaco Silva (PSD) e que culminou na greve geral de 28 de março de 1988.
Sobre se defendem agora uma greve geral conjunta entre CGTP e UGT, ambos concordaram que "a greve geral é importante" mas é sempre o último instrumento da luta dos trabalhadores e que agora é o momento de encetar ações comuns.
Os históricos dirigentes sindicais defenderam que a atuação conjunta de CGTP e UGT se deve evidenciar na Concertação Social, junto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e dos partidos políticos da oposição, em especial do Partido Socialista (PS).
Torres Couto, militante socialista e ex-deputado do PS, considerou que o seu partido tem de ser mais interventivo neste tema como em outros para conseguir voltar a impor-se como partido fundamental da democracia portuguesa.
Para Carvalho da Silva, esta reforma laboral não é só mais uma alteração legislativa - até porque "não havia na sociedade portuguesa nenhuma dinâmica, vinda em particular dos setores empresariais, que pedisse a alteração da legislação laboral para desenvolvimento da sociedade e da economia" - mas surge num momento de dinâmicas nacionais e internacionais de "ruturas profundas" e de "retrocesso civilizacional" nos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos mais desfavorecidos.
Questionados sobre o que os preocupa em concreto nesta reforma, Carvalho da Silva referiu desde logo o "atrofiamento da contratação coletiva", considerando que acordos entre sindicatos e empresas para definir condições de trabalho (salários, horários, etc.) dão muito mais poder aos trabalhadores do que ser cada um isoladamente a discutir as condições com a empresa.
"Em 2009, na cimeira intergovernamental da OIT, foi assumido que a contratação coletiva era o instrumento mais importante criado a nível mundial para combater desigualdades e melhoria da distribuição da riqueza. Nós somos muito a favor dos direitos individuais mas não há direitos individuais sem compromissos coletivos", afirmou.
Considerou ainda que há várias medidas propostas pelo Governo que vão levar ao aumento dos horários de trabalho e criticou o aumento da dificuldade na presunção da existência de um contrato de trabalho (muito importante para trabalhadores de plataformas como Uber).
Foi ainda muito crítico para com a alteração da palavra 'salário' por 'rendimento', afirmando que o salário é um compromisso que em contratação coletiva tem força de lei e por isso não pode ser diminuído pelo que a alteração semântica não é inocente.
Sobre as questões da maternidade e amamentação, Torres Couto recordou que na década de 1960 trabalhou um ano numa fábrica têxtil com milhares de mulheres e que aí, durante o seu trabalho de supervisão, se apercebeu de choros de bebés e percebeu que vinha do armazém, onde as mães os deixavam durante as nove horas de laboração. "Não podemos aceitar esta regressão. Temos de nos sublevar contra este tipo de comportamento", disse.
O anteprojeto de reforma da legislação laboral aprovado pelo Governo, que está ainda a ser negociado com os parceiros sociais, prevê a revisão de "mais de uma centena" de artigos do Código de Trabalho.
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