Maria Luís Albuquerque passou na prova do Parlamento Europeu e é confirmada comissária dos serviços financeiros
Alain ROLLAND
Depois de quase quatro horas a responder às perguntas dos eurodeputados, os maus duros dos quais, à esquerda, Maria Luís Albuquerque recebeu luz verde para o novo cargo com 51 votos a favor em 57 possíveis
Depois da prova escrita, foi a vez do exame oral perante os eurodeputados, mas Maria Luís Albuquerque passou sem grandes dificuldades no teste que durou quase quatro horas, levando quase todos os partidos a votar a favor da nomeação da portuguesa como nova comissária europeia dos Serviços Financeiros e da União das Poupanças e dos Investimentos. Através do X (antigo Twitter) o grupo PPE já felicitou a confirmação de Maria Luís Albuquerque.
Fica a faltar apenas a eleição, em conjunto com os restantes comissários, algo que deverá acontecer na sessão plenária, em Estrasburgo, marcada para 21 de novembro, data em que o processo referente ao novo colégio de comissários europeus fica fechado.
O grupo parlamentar The Left, onde se sentam Catarina Martins e também João Oliveira, considerou que "a candidata não conseguiu demonstrar compreensão das lições aprendidas com a gestão falhada da crise da área do euro entre 2009 e 2015, na qual esteve diretamente envolvida. (...) Além disso, a candidata não cumpre os padrões de integridade exigidos para servir como comissária. Isto deve-se às suas fortes ligações com o setor financeiro privado e à aparente falta de consciência relativamente aos conflitos de interesses. Com a sua nomeação, o Parlamento Europeu pode arriscar-se a ter uma comissária que dá prioridade aos interesses das instituições financeiras sobre os dos cidadãos da UE".
A audição começou às 08h de Lisboa com uma mensagem para os espanhóis que sofreram com a catástrofe na região de Valência. A partir daí, o tom da sessão adensou-se com o conflito de interesses da antiga diretora não executiva do Morgan Stanley a tomar conta de grande parte da sessão. Regulação, criação de um supervisor único do mercado de capitais, o atraso face aos EUA e as criptomoedas foram outros temas a aquecer uma manhã nublada em Bruxelas.
As críticas vieram sobretudo dos eurodeputados portugueses e espanhóis. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, foi a primeira portuguesa a questionar Maria Luís Albuquerque, com duras críticas ao percurso profissional da antiga ministra das Finanças portuguesa.
“A sua longa experiência é um longo cadastro”, acusou, perguntando com ironia se já sabia “para que banco ia trabalhar”, quando saísse da Comissão Europeia. A bloquista entende que a nomeação de Albuquerque para este cargo é como uma "raposa a entrar no galinheiro", lembrando os casos polémicos em que esteve envolvida em Portugal, como a resolução do Banco Espírito Santo, a venda de ativo do Banif à Arrow (para onde iria trabalhar anos mais tarde), o Banco Português de Negócios (BPN) e a privatização da ANA.
O eurodeputado João Oliveira, do Partido Comunista Português (PCP) fez questão de realçar que a bancada d'A Esquerda - a que pertence também o BE - se iria opor à eleição da candidata portuguesa, uma vez que considera que Albuquerque defende "a roleta da especulação" no mercado de capitais e coloca em risco as poupanças e pensões dos cidadãos. Disse ainda que o projeto de União Bancária, defendido pela comissária-indigitada, apenas promove "a concentração do setor bancário" e a "criação de grupos económicos ainda maiores".
Durante a audição desta quarta-feira, também o socialista espanhol Jonás Fernández questionou a passagem de Maria Luís pelo setor privado. Na resposta, a economista pediu um voto de confiança: "Se me escolherem, vou estar os próximos cinco anos a defender os interesses dos europeus”. Ao mesmo tempo, defendeu-se, argumentando que o parlamento português não apontou qualquer conflito de interesses à sua ida para um cargo não executivo na Arrow Global, empresa britânica cotada na bolsa de Londres. Perante os eurodeputados defendeu que o cargo de “administradora não executiva” servia para garantir o cumprimento das regras. Recordou ainda os seus 30 anos de carreira, reforçando a sua presença sobretudo no setor público.
Nas últimas semanas, o Observatório Europeu das Empresas (CEO), com sede em Bruxelas, foi da opinião que existia um "grande conflito de interesses" na nomeação da portuguesa para o cargo europeu, para suceder à irlandesa Mairead McGuinness.
Outro dos pontos debatidos por Maria Luís com os eurodeputados presentes na sala foi a baixa literacia financeira revelada pelos europeus e as diferenças culturais face ao que se verifica nos Estados Unidos da América no que toca ao investimento. "Se me aprovarem, prometo que vou promover a literacia financeira, para que as pessoas possam tomar controlo das suas finanças pessoais e do seu futuro", disse.
Segundo um Eurobarómetro de 2023, muitos cidadãos europeus, principalmente dos Balcãs e do sul da Europa, revelaram uma literacia financeira fraca. Em cinco simples questões colocadas, a maioria dos portugueses não conseguiu responder de forma acertada a pelo menos metade. Neste índice, Portugal foi o segundo país da região a revelar menor literacia financeira, apenas à frente da Roménia.
Para Maria Luís Albuquerque, é esta falta de conhecimento financeiro que leva grande parte dos europeus a não transferir as suas poupanças para instrumentos de investimento. Em 2022, os europeus tinham investido no mercado de ações cerca de 50% do PIB europeu desse ano, segundo dados do FMI e da OCDE citados pelo Politico, enquanto nos EUA essa percentagem aumentava para perto dos 170%. Os europeus mostram-se mais conservadores, colocando mais dinheiro em depósitos bancários.
"Não temos um mercado financeiro funcional na UE e isso acarreta um custo elevado para todos”, disse Albuquerque, acrescentando que “para o setor empresarial, é muito difícil encontrar financiamento". E, do lado dos investidores, disse que era também "muito difícil encontrar oportunidades para fazer render as poupanças".
Ainda assim, Albuquerque sabe que impulsionar o mercado de capitais da UE “não resolverá todos os problemas”, mas é uma das partes que têm de ser consideradas, caso seja eleita.
"Tenho três filhos e não faço ideia de quando conseguirei que eles saiam de casa"
Tempo houve também para alguns comentários sobre o atual estado do mercado imobiliário em toda a Europa, com o crescimento dos preços a fazer-se sentir por toda a região. Albuquerque admite que este tema se tornou cada vez "mais preocupante", lembrando o caso concreto de Portugal: “Tenho três filhos pequenos e não tenho ideia de quando poderei expulsá-los de casa”, disse.
Em resposta aos eurodeputados, teceu críticas ao facto de o Banco Central Europeu (BCE) ter mantido as taxas de juro tão baixas durante tanto tempo no passado, algo que provocou uma distorção no valor dos ativos, criticando o ritmo lento do crescimento da oferta imobiliária face ao aumento da procura.
Uma das soluções para este cenário poderá passar pela construção da União de Poupança e Investimento que, segundo a portuguesa, irá fazer com que a distribuição dos investimentos seja maior e menos concentrada no imobiliário.
Aos 57 anos, a antiga governante portuguesa é uma das 11 mulheres entre 27 nomes (uma quota de 40% para mulheres e de 60% de homens) do próximo executivo comunitário de Ursula Von der Leyen, agora sujeito a aval parlamentar, que tem como principal missão a competitividade económica comunitária.
À saída da audição, em declarações aos jornalistas, Maria Luís Albuquerque falou da "necessidade de a União Europeia se tornar mais autónoma", mas, ao mesmo tempo, espera que mantenha "uma relação positiva com os EUA" com cooperação de parte a parte.