Centeno avisa bancos de que têm de “poupar” para evitar “momentos de aflição”
TIAGO MIRANDA
Banco de Portugal conseguiu evitar prejuízos devido a almofadas constituídas anteriormente, e o governador, Mário Centeno, quer que os bancos comerciais também as tenham, para fazer face a situações mais complicadas que, embora não esperadas, podem ocorrer
O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, deixou esta quarta-feira, 19 de junho, um aviso aos bancos comerciais: não desbaratem os lucros recorde registados em 2023 e que ainda se mantêm no arranque deste ano.
“Os bancos têm de criar almofadas, porque os resultados são transitórios, temporários. Não vão permanecer. Os juros vão baixar, se a inflação nos ajudar, e a situação financeira dos bancos vai-se alterar de novo”, comentou o líder do Banco de Portugal na audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, na Assembleia da República.
Com a taxa de juro dos créditos a deslizar, a margem obtida pelos juros vai estreitar-se, depois de ter disparado, e os lucros vão ficar mais contidos.
Daí a ideia de criação de almofadas, porque o passado mostra que é preciso: “Os bancos devem hoje poupar, para depois poderem fazer face [a eventuais crises], e não voltarmos a viver os momentos de aflição no sistema bancário, que estão completamente fora dos cenários”. Não se espera, mas é preciso ter sempre a ideia de que crises podem acontecer.
TIAGO MIRANDA
BdP capaz de cobrir perdas operacionais esperadas
Se os bancos comerciais apresentam lucros recorde, o mesmo não é verdade para os bancos centrais, que, tendo em conta a subida abrupta dos juros, têm sido castigados nos seus resultados. Esse era, aliás, um dos temas da audição parlamentar desta quarta-feira, já que o Banco de Portugal apresentou perdas operacionais de 1054 milhões de euros.
Mário Centeno justificou os resultados operacionais negativos com o enquadramento europeu (“é uma situação generalizada e gostava que isso ficasse bastante claro”). O balanço dos bancos centrais do euro engordou com os programas de cedência de liquidez e de compra de ativos, chegando a um recorde em 2021, e desde aí, com a retirada e reversão dos programas, têm vindo a emagrecer. Só que isso tem vindo a acontecer ao mesmo tempo que houve um mudança das subidas de taxas de juro.
“O que aconteceu foi que a rentabilidade dos ativos do banco era superior ao custo do passivo, que é muito determinado pelas taxas de juro diretoras do Banco Central Europeu. E há uma inversão dessa situação ao longo de 2022”, explicou o governador. Deu-se, a partir de 2022, um aumento do custo do passivo de forma abrupta que não foi acompanhado pelo ativo, daí que o resultado da operação tenha sido negativo, de 1504 milhões de euros. O resultado líquido final foi negativo em 110 mil euros.
“O banco preparou-se para este período e tem almofadas que permitem responder a este desafio”, disse Centeno, falando na provisão para riscos gerais, constituída nos anos de mandato de Carlos Costa, que foi utilizada para conter os impactos negativos.
TIAGO MIRANDA
“Tranquilidade”, mas com uma “ressalva”
Para os próximos anos, o cenário será idêntico, declarou Mário Centeno, repetindo a perspetiva já deixada em conferência de imprensa, em maio: “este ciclo de resultados negativos vai prolongar-se pelo menos mais dois anos, esperando-se que em 2026 se retome uma situação mais regular. Aquilo que se espera que o banco faça, em face dos resultados dos próximos anos, é que recorra a estas provisões para acomodar”.
O governador transmitiu aos deputados estar descansado com os resultados negativos que espera pela frente. “Há uma perspetiva de tranquilidade”, afirmou, tendo em conta a constituição de provisões nos anos anteriores.
Mas há uma “ressalva”, para Mário Centeno: “A minha frase é válida para aquilo que é a perspetiva que hoje temos do ciclo de política monetária”. Ou seja, há tranquilidade se a inflação continuar próxima de 2%, se os juros continuarem a descer.
Além disso, o líder do Banco de Portugal também ressalvou que a capacidade de conduzir política monetária dos bancos centrais não está em causa por conta dos prejuízos, nem se tais perdas afetarem os capitais próprios: “Há bancos centrais que operam desde o início da existência, como o banco central da República Checa, com uma situação de insolvência, com capitais próprios negativos. Não é desejável, mas não afeta a atividade do BdP”.