Sistema financeiro

Créditos a empresas caem pelo segundo mês, o que não acontecia há quatro anos

Créditos a empresas caem pelo segundo mês, o que não acontecia há quatro anos
José Carlos Carvalho

Crédito à habitação abranda e carteira desce abaixo dos 100 mil milhões de euros. Crédito a empresas já cai mesmo em relação ao ano anterior. Depósitos crescem ao ritmo mais baixo em quatro anos - com certificados a substituí-los

O crédito a empresas em Portugal caiu em fevereiro pelo segundo mês consecutivo, um ciclo negativo que não se verificava desde os primeiros meses de 2019, há quatro anos, contam os dados publicados pelo Banco de Portugal esta segunda-feira, 27 de março.

“No final de fevereiro de 2023, o montante de empréstimos concedidos pelos bancos às empresas era de 74,5 mil milhões de euros, menos 0,3 mil milhões de euros do que no final de janeiro. Esta evolução corresponde a uma taxa de variação anual de -0,4%. Fevereiro foi, assim, o segundo mês consecutivo em que esta taxa apresenta valores negativos (-0,1% em janeiro)”, indica o destaque divulgado pela autoridade bancária.

Se nos dois últimos meses a taxa de variação anual é negativa, a verdade é que nos seis meses anteriores o crescimento já tinha registado um abrandamento. Afasta-se assim do recente máximo de uma década, de quase 77 mil milhões de euros de empréstimos às empresas (impulsionado pelos empréstimos com garantias estatais do combate à pandemia de covid-19), e ainda mais dos quase 120 mil milhões de euros dados a empresas até 2010, antes da crise da dívida soberana (de que o excesso de endividamento foi uma das causas).

O comportamento segue-se à inversão da política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que, para travar a inflação recorde, começou a subir abruptamente a taxa de juro diretora, o que, por consequência, agrava os juros nos novos créditos e penaliza também a economia (o que afeta a procura). Na zona euro, a taxa de variação anual dos empréstimos a empresas não financeiras sofreu um abrandamento, descendo de 6,1% para 5,7%.

Mas em Portugal houve mesmo queda. Segundo o Banco de Portugal, “a redução dos empréstimos foi mais expressiva para as grandes empresas”. Só nas microempresas, em que os volumes contratados são tendencialmente mais baixos, é que houve um comportamento positivo da taxa.

Para a descida do volume de empréstimos contam sobretudo “os setores da eletricidade, gás e água, do alojamento e restauração, dos transportes e armazenagem e das indústrias transformadoras”.

Crédito à habitação abranda

Não é só nas empresas que se verifica o impacto do novo ambiente de taxas de juro. Pelo sétimo mês consecutivo houve um abrandamento na concessão dos empréstimos à habitação: “a taxa de variação anual passou de 4,8% em julho de 2022 para 2,5% em fevereiro de 2023”. Na zona euro, a taxa desceu de 5,3%, em julho, para 3,7%, em fevereiro.

A subida dos juros para conseguir obter um novo crédito acaba por abafar o total da carteira de créditos, que também desliza à medida que há amortizações (e este ano há um incentivo para este abate a empréstimos em Portugal, já que o Governo eliminou a comissão bancária cobrada para as amortizações). Uma subida de juros que Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), manteve na semana mesmo apesar dos problemas que se têm vivido na banca americana e no Credit Suisse (agora com alastramento para Deutsche Bank).

Ainda numa nota da equipa de análise de mercado (research) de domingo, o Goldman Sachs escrevia que “o stress bancário deverá ter influência na perspetiva sobre a zona euro por via da redução do crédito bancário”.

Com esta evolução em Portugal, depois de quatro meses acima dos 100 mil milhões de euros, o stock de crédito à habitação desceu para os 99,8 mil milhões de euros. Em sentido inverso, “no final de fevereiro de 2023, os empréstimos ao consumo totalizavam 20,6 mil milhões de euros, o que reflete um crescimento de 4,6% relativamente a fevereiro de 2022”.

Depósitos ao ritmo mais baixo em mais de quatro anos

A inversão da política monetária castiga os créditos, mas também tem efeitos nos depósitos, tendo em conta a demora que os bancos têm tido em subir a remuneração nestas aplicações.

“Em fevereiro de 2023, o stock de depósitos de particulares nos bancos residentes reduziu-se 2,1 mil milhões de euros, totalizando 177,8 mil milhões de euros no final do mês”.

Este número corresponde a um abrandamento na comparação feita com o ano anterior: se a variação homóloga era de 3,7% em janeiro, em fevereiro abrandou para 2,1%. Foi o quarto mês consecutivo de abrandamento.

Já se sabe que com rendimento nos depósitos pouco atrativo (ainda que os bancos até apresentem campanhas promocionais de taxas nos depósitos), os portugueses procuram, como nunca antes, os certificados de aforro, que evoluem ao sabor das Euribor. “Neste último mês, as subscrições líquidas de certificados de aforro aumentaram 2,6 mil milhões de euros”, sublinha o supervisor.

Também as empresas marcam um deslize: “No final de fevereiro de 2023, o stock de depósitos de empresas nos bancos residentes era de 64,1 mil milhões de euros, menos 1,8 mil milhões de euros do que em janeiro. Estes depósitos cresceram 5,1% relativamente a fevereiro de 2022, um abrandamento em relação aos 9,1% observados em janeiro”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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