“Não vos posso apresentar resultados fantásticos”: as justificações, as promessas e o pedido da presidente do Banco de Fomento
José Fernandes
Celeste Hagatong quer que o Banco Português de Fomento chegue ao fim do ano “como um banco”, que ainda não é, admitiu. Propõe uma parceria com a Caixa Geral de Depósitos para chegar às empresas, perto de quem pretende promover a literacia financeira
O nome não foi mencionado, mas houve críticas à constituição do Banco Português de Fomento - BPF (pelo antigo ministro Pedro Siza Vieira). O nome não foi mencionado, mas houve farpas à forma como foram os primeiros momentos da vida do BPF (quando era dirigido por Beatriz Freitas). Houve avisos para se baixarem as expetativas face ao que, por agora, pode dar o BPF. Mas houve promessas de que daqui a um ano tudo possa ser diferente no BPF; aliás, houve, aqui, um convite para uma parceria dirigido à Caixa Geral de Depósitos. Houve, também, um pedido. “O meu apelo aqui é não estarem só à minha espera”.
Este é o resumo da intervenção de Celeste Hagatong, a presidente do conselho de administração do Banco Português de Fomento (BPF), numa conferência organizada pela CGD, na Culturgest, em Lisboa, esta sexta-feira, 3 de março. Um evento que contou com a presença do Governo, pela ministra responsável pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Mariana Vieira da Silva, e por Pedro Dominguinhos, o responsável pela Comissão de Acompanhamento do PRR e que muitas críticas deixou ao BPF na avaliação que fez recentemente.
Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência
Foi, aliás, em resposta a muitas dessas censuras feitas por essa comissão que Celeste Hagatong falou na sua intervenção, dizendo que o BPF não tem, por exemplo, “a capilaridade da banca comercial” para conseguir chegar a todos os potenciais clientes, as empresas. “Nunca vi incentivos na minha vida em que a banca não tenha um papel fundamental. Pedia muito que a Caixa Geral de Depósitos pudesse ser o nosso parceiro principal na distribuição de produtos”, deixou a antiga administradora do Banco BPI e ex-presidente da seguradora de seguros de crédito Cosec.
Daí que tenha dito que não podem só esperar pelo BPF, também outras entidades financeiras, neste caso a CGD, deveriam participar no apoio à distribuição dos produtos: “faço um apelo enorme”, deixou.
“Chegar ao fim do ano como um banco”
De resto, Celeste Hagatong gastou algum tempo da sua intervenção a justificar por que é que o BPF é ainda um centro de críticas por falta de ação. Falou na sua constituição, no fim de 2020, era Pedro Siza Vieira o ministro da Economia, vindo de três entidades públicas, “nenhuma delas bancárias”, sem tempo para maturação, porque foi logo preciso começar a trabalhar. E um trabalho que era aplicar as linhas de crédito covid e a aplicação do PRR: “e não se pode fazer duas coisas ao mesmo tempo”.
Depois, a antiga administradora que fez carreira no BPI lembrou que a nova administração só está em funções desde novembro, e que só em janeiro foi complementada com novos nomes. “Devem calcular que não vos posso apresentar resultados fantásticos”, disse. Aliás, só com o reforço da comissão executiva é que o banco pôde começar a trabalhar na integração dos seguros de crédito com garantia do Estado que até agora eram comercializados pela Cosec; só que como Celeste Hagatong e Ana Carvalho, a presidente executiva, vieram dessa sociedade, não podiam tomar decisões por conflitos de interesse.
Peso das exportações portuguesas no PIB atingiu os 50% em 2022
Daí que Hagatong tenha pedido para se baixar as expetativas face ao que se pede ao banco: “gostava que daqui a um ano estejam mais elevadas”. Há metas definidas, e um dos objetivos para 2023 foi assumido: “chegar ao fim do ano como um banco”. “Para termos um banco, precisamos de ter áreas de compliance, auditoria, de risco, todas devidamente estruturadas e a funcionar como existem na CGD, no BCP, em qualquer instituição financeira na praça”, disse – essa ausência de estrutura já foi alvo de censura por parte da própria comissão de auditoria interna do BPF.
Há muito por fazer – mas não há assim tanto dinheiro mobilizável como pretendia, já que Celeste Hagatong disse que o capital social de 505 milhões de euros, que até resultou de um reforço no ano passado, “não é muito grande”.
Aposta na literacia
Uma das coisas a fazer é, também em resposta a críticas já feitas, promover a literacia financeira. “Aquilo que acho que faltou desde o início são campanhas de lançamento destes produtos. Não são produtos habituais, são muito mais específicos”, disse a gestora, pelo que é preciso “colmatar alguma literacia financeira”. “Isso não foi feito. Um dos nossos objetivos vai ser começarmos campanhas de literacia financeira junto das empresas, para que se sintam mais habilitadas”, continuou.
Com 1,3 mil milhões de euros para fazer chegar à economia, com financiamentos diretos ou indiretos, o BPF foi colocado em tribunal por não ter divulgado pormenores sobre os concorrentes num dos seus programas, o Consolidar, de 500 milhões de euros. “As coisas passarão a estar no nosso site para todo o mercado poder acompanhar, nomeadamente o processo de seleção”, disse, admitindo que o banco aprendeu com os erros.
Sobre esse programa, em que o BPF selecionou 14 sociedades de capital de risco para fazer chegar o capital a empresas a precisarem de reforço de capital, Celeste Hagatong disse que já estavam fechados sete contratos. “É tudo bastante lento e difícil”, justificou-se, por haver sociedades que estão constituídas no estrangeiro. E, aí, veio crítica ao trabalho que estava feito antes de se sentar na instituição: “Quando chegámos, não havia nenhuma operação contratada”.