O que já se sabe do Orçamento do Estado para entrar em vigor ainda este ano?
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Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2022 garantida pela posição agora maioritária no Parlamento, o PS poderá pôr em marcha as medidas propostas no documento chumbado no ano passado. Quais são?
A proposta de Orçamento do Estado para 2022 que foi chumbada no final do ano passado e levou a eleições antecipadas poderá agora, com o Partido Socialista (PS) maioritário no Parlamento, ser aprovada. Embora seja possível que o PS possa afinar diversas medidas então previstas no documento, são várias as ideias que o Governo apresentou em 2021 que terão agora “pernas para andar”.
Se em várias áreas o Orçamento do Estado para 2022 propunha para o país uma linha de continuidade (como sucedeu nas contribuições setoriais sobre a banca, empresas de energia e farmacêuticas), o documento do Governo de António Costa também trazia novidades, como o desdobramento de escalões do IRS, o fim do pagamento especial por conta e incentivos ao emprego jovem, entre outras medidas.
Veja de seguida qual o cenário macro-económico que o Governo tem para tirar o Estado do regime de duodécimos, e uma seleção de algumas das novidades que podem avançar este ano, se o Executivo de António Costa mantiver as promessas da proposta de Orçamento que apresentou no ano passado.
Que economia vamos ter em 2022?
A proposta chumbada de Orçamento do Estado para 2022 previa que no biénio 2021-2022 a economia portuguesa crescesse mais de 10%, com uma projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,8% em 2021 e de 5,5% em 2022.
Esta segunda-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que o PIB português afinal cresceu 4,9% em 2021. A reação do Ministério das Finanças veio acompanhada de uma antecipação de que “se possa ultrapassar o nível pré-pandemia já no primeiro semestre e inclusivamente superar as estimativas do Governo para este ano, de 5,5%”.
“Prevê-se, igualmente, que já a partir de 2022, o país retome o trajeto de convergência real com a média europeia que se verificou entre 2016-2019”. Em 2021, o crescimento português ficou aquém do crescimento médio na União Europeia (5,2%), embora no quarto trimestre a economia nacional tenha crescido acima da média.
O cenário traçado pelo Orçamento do Estado para 2022 coloca a taxa de desemprego em 6,5%, o que, segundo o Governo, será o valor mais baixo desde 2003. Em dezembro a taxa de desemprego, segundo o INE, estava em 5,9%, o registo mensal mais baixo desde maio de 2020.
Quanto ao défice orçamental, o Governo estima para 2022 um défice de 3,2% do PIB (após uma estimativa de 4,3% em 2021). Já em matéria de dívida pública, o Executivo previa na proposta orçamental um rácio de 122,8% do PIB. Esta terça-feira o Banco de Portugal reportou que a dívida pública (na ótica de Maastricht) fechou 2021 em 127,1% do PIB.
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Impostos das famílias
Dos descontos em IRS para famílias com filhos entre os 3 e os 6 anos ao aumento do número de escalões de IRS, passando pelas famílias que acolhem crianças e jovens em regime de apadrinhamento civil, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 contemplava algumas alterações com impacto nas famílias.
Filhos entre 3 e 6 anos anos valem desconto maior no IRS
Hoje em dia cada filho com mais de três anos vale um desconto de 600 euros no IRS dos pais e de 726 euros se tiver até três anos. Contudo, se houver dois ou mais irmãos, e um deles tiver menos de três anos, o desconto sobre de 726 para 900 euros. A proposta do Governo, que deverá ser mantida, é introduzir um outro escalão: quem tiver dois ou mais filhos, entre 3 e 6 anos, tem um desconto de 750 euros, em vez dos 600 euros atuais, por cada filho dentro deste intervalo etário.
Classe média e média alta com pequeno alívio do IRS
António Costa já sinalizou que pretende recuperar a tabela de IRS que estava na proposta de Orçamento do Estado que foi chumbada. A ser assim, haverá nove escalões de IRS (em vez dos sete atuais) que permitem à classe média e média alta poupar mais uns pozinhos no imposto (ao todo, são menos 150 milhões de euros em receita).
Equidade para o apadrinhamento civil
É um detalhe, mas faz muita diferença para as famílias que acolhem crianças e jovens em regime de apadrinhamento civil. Na proposta de Orçamento para 2022, que foi chumbada, constava a equiparação dos afilhados civis aos dependentes com mais de 18 anos para efeitos de deduções à coleta de IRS. Hoje os afilhados civis deixam de contar para o agregado familiar assim que atingem a maioridade, mesmo que continuem a estudar e não tenham rendimentos. Se a alteração entrar em vigor, os jovens em causa não podem ter mais de 25 anos nem auferir, por ano, rendimentos superiores ao salário mínimo. Tem a assinatura do ainda secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que em outubro de 2021 disse ao Expresso ser esta a mexida fiscal de que mais se orgulhava.
Impostos sobre as empresas
Ao contrário dos partidos à sua direita, o PS não dá prioridade à descida da taxa de IRC sobre as empresas, o que não significa que, globalmente, não tenha propostas para baixar o valor do imposto que as empresas (ou, pelo menos, algumas) pagam. A proposta de Orçamento do Estado para 2022 tinha algumas medidas que deverão manter-se na nova versão, que os socialistas conseguem, agora, aprovar sozinhos.
O enterro definitivo do PEC
O pagamento especial por conta (PEC), uma espécie de coleta mínima para garantir que as empresas que apresentam sistematicamente prejuízos fiscais pagam algum IRC, deverá ser definitivamente enterrado em 2022. Ao todo, por ano, eram chamadas a pagar PEC cerca de 60 mil empresas e a medida sempre foi muito impopular. O Governo foi reduzindo progressivamente o PEC e, este ano, quer mesmo acabar com ele. Acredita que, com o e-fatura, e com o novo SAF-T da contabilidade, conseguirá cruzar informação suficiente para garantir que as empresas que apresentam sistematicamente prejuízos não estão a fugir ao fisco.
Supercrédito fiscal regressa
Já se chamou super-crédito fiscal, credito fiscal ao investimento e, em 2022, deverá ser rebatizado de Incentivo Fiscal à recuperação, mas, na prática, faz tudo parte da mesma família. Na prática, é um incentivo fiscal às empresas que invistam, mantendo os postos de trabalho e não distribuindo lucros. Estas empresas poderão abater à coleta de IRS 10% do investimento se ele for inferior ou igual à média do investido nos últimos três anos, ou 25% se ultrapassar a média. Durante cinco anos as empresas podem poupar entre 500 mil e 1,25 milhões de euros.
Patent-boxreforçada
As empresas que vendem patentes e modelos industriais relacionados com a atividade de investigação e desenvolvimento deverão ter um alívio fiscal adicional. Até aqui as empresas podem excluir de IRC metade das suas receitas ou royalties, uma percentagem que o Governo quer subir para 85%. O reforço do benefício fiscal estava na proposta de Orçamento do Estado para 2022 e deverá ser retomado entretanto.
Descida no IRC para quem aumentar salários (sem cortar postos de trabalho)
Não é claro que avance já este ano, mas, uma das novidades da campanha eleitoral foi a promessa de criação de incentivos fiscais às empresas que aumentem os salários dos funcionários. O desenho da medida é ainda vago, mas, no podcast do Expresso Money, Money, Money, António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, já deu umas ideias sobre o que pode aí vir: as empresas que aumentem salários e tenham um aumento líquido de emprego poderão ter uma taxa reduzida de IRC. O tema é para levar à concertação social, pelo que é pouco provável que consigam pô-la em marcha ainda este ano. Será preciso esperar para ver quando entra em vigor – e qual a sua verdadeira eficácia.
Contribuições sobre a banca
A banca quer acabar com elas, mas o Governo não. A contribuição sobre o sector bancário, criada como extraordinária em 2011, vai manter-se em 2022, tal como o adicional de solidariedade, com origem em 2020 por conta da pandemia. Ambas estavam previstas no Orçamento do Estado chumbado, ambas foram mantidas por via do diploma aprovado pelo Governo já após a queda da Assembleia da República, e deverão voltar a constar do novo documento orientador das contas públicas. Afinal, a primeira contribuição dá a grande ajuda para que o Fundo de Resolução possa vir, ao longo dos anos, a devolver ao Estado os empréstimos de mais de 6 mil milhões de euros recebidos do Tesouro português, e essa devolução está acordada com a Comissão Europeia.
Contribuições sobre a energia e empresas farmacêuticas
A proposta de Orçamento do Estado para 2022 previa igualmente a continuidade de outras contribuições setoriais, como a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), com uma arrecadação de 125 milhões de euros (em linha com o valor previsto para 2021), a Constribuição Extraordinária sobre a indústria farmacêutica (13,9 milhões de euros, como em 2021) e a Contribuição dos Dispositivos Médicos (16,3 milhões de euros em 2022, contra 15,1 milhões estimados para 2021).
Salários
Estancar a saída de jovens qualificados do país e repor a desigualdade na distribuição entre os rendimentos do trabalho e capital foi um dos focos da campanha do PS. O Orçamento do Estado já tinha preparadas algumas medidas, às quais se somam outras, prometidas na campanha.
Menos IRS para jovens no primeiro emprego
Os jovens que estejam no primeiro emprego depois de terem concluído uma formação igual ou acima do nível 4 do Quadro Nacional de Qualificações (parte do ensino secundário e superior) vão continuar a beneficiar de um desconto no IRS, como o iniciado em 2020, mas com duas novidades. Uma das novidades é que, além dos contratos por conta de outrem, vai aplicar-se também a rendimentos do trabalho independente. A segunda diferença é que, em vez de três anos, o desconto será de cinco. Haverá uma isenção de 30% nos dois primeiros anos, de 20% no terceiro e quarto e de 10% no quinto, mas com limites máximos. O desconto no IRS aplica-se a cinco anos seguidos ou interpolados, a jovens com idades entre os 18 e os 26 anos, mas poderá estender-se nos casos de doutorados. A medida estava desenhada na proposta de Orçamento do Estado para 2022, e deverá avançar.
Emigrou durante a crise? IRS dá desconto a quem voltar
Há dois anos o Governo criou um beneficio fiscal para atrair os portugueses que emigraram durante a crise financeira e entretanto regressem. A proposta de Orçamento do Estado deverá estendê-la por mais três anos, e concede um desconto de 50% no IRS durante cinco anos, a quem foi residente em Portugal até 31 de dezembro de 2015 (e não tenha sido residente em território português em qualquer os três anos anteriores ao regresso).
Pensões de reforma
Subida mínima de 10 euros nas pensões
No início do ano, a generalidade dos pensionistas já tiveram um aumento do valor das suas pensões, entre 0,24% e 1%, consoante o montante. Contudo, BE e PCP exigiram que todos os pensionistas até €1097 por mês tivessem, pelo menos, uma subida mínima de €10. O Governo começou por ser relutante, depois aceitou aplicar esta subida adicional apenas a partir de agosto mas, durante a campanha eleitoral, António Costa acabou a prometer aplicar este aumento com efeitos retroativos a janeiro. A manter a promessa, a esmagadora maioria dos reformados beneficiará de um novo pequeno acrescento no valor da sua pensão.
Foto: ANA Aeroportos
CP, TAP e Novo Banco
A proposta de Orçamento do Estado para 2022 incluía uma dotação de mais de 1,8 mil milhões de euros para a CP, confirmando também a capitalização da TAP. No tema dos dossiês mais quentes, o Novo Banco não era contemplado com novidades com implicações nas contas públicas.
Pagamento da dívida histórica da CP
Foi uma das grandes surpresas do Orçamento do Estado para 2022 e que agora poderá regressar. Para pôr fim à dívida histórica da CP, o Governo, satisfazendo o apelo do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, previu uma dotação de capital para a empresa ferroviária no valor de 1,815 mil milhões de euros – um salto de gigante face aos 70 milhões de euros de dotação registados no OE de 2021. Sanear a dívida é um passo fundamental para preparar a CP para a nova fase de crescimento. Já que só sem dívida a empresa poderá financiar-se no mercado financeiro e simultaneamente libertar-se das limitações provocadas pelo facto de estar no perímetro orçamental do Estado. Sem estes dois instrumentos a CP não poderá investir verdadeiramente nas linhas que estão abertas à concorrência, já que fica por exemplo impedida de compra comboios Alfa Pendular. É que o Estado não pode financiar operações abertas à concorrência – ao fazê-lo estaria a violar as regras da concorrência europeia, e seria considerado um auxílio de Estado ilegal.
TAP: mais 990 milhões em 2022
São 990 milhões de euros o montante que foi destinado para a TAP na proposta de Orçamento de Estado para 2022, e que irá entrar nas contas da empresa este ano. Apesar do chumbo do Orçamento, no final de outubro, esta transferência nunca esteve em risco. Se tudo correr como o previsto será a última vez que a TAP, pelo menos no âmbito do plano de reestruturação que estará concluído em 2025, irá ser capitalizada através do Orçamento do Estado. Em breve será pedido, no entanto, um empréstimo de 360 milhões de euros no mercado, com garantia de Estado. Em 2021, a TAP recebeu 998 milhões do OE, montante que já foi transformado em capital. Estava prevista a entrada nos primeiros meses do ano mais cerca de 50 milhões de euros de compensação Covid. O pedido já foi feito. As ajudas de Estado à TAP ascenderão no final do processo a 3,2 mil milhões de euros.
Sem verbas para Novo Banco
Não se antecipa que, em 2022, possa haver novos gastos (não previstos) com o Novo Banco para além daqueles que vêm de diferendos anteriores com o Fundo de Resolução. Na primeira versão da proposta de Orçamento do Estado para 2022 nada constava para o Novo Banco. De qualquer forma, o escudo protetor que a Lone Star negociou quando comprou o banco podia obrigar o Fundo a injetar até 3,89 mil milhões de euros; e até ao fim do ano passado já tinham sido usados na capitalização do Novo Banco 3,4 mil milhões; há, portanto, 485 milhões de euros que podem ser usados até esse limite.
O Fundo de Resolução não acredita que haja razão para novas injeções por via das perdas de valor nos ativos tóxicos, como até aqui, mas sabe que, se perder o diferendo em discussão no tribunal arbitral de Paris, avaliado em torno de 300 milhões de euros, o montante terá de ser descontado desses 485 milhões. O Orçamento do Estado não tem qualquer previsão para essa eventualidade, mas pode haver mexidas de dotações orçamentais entre departamentos do Ministério das Finanças, como aconteceu em 2021, para permitir tais pagamentos.
Além do Novo Banco, e como estava já no documento chumbado, o Estado português continua a gastar recursos com as intervenções bancárias de anos anteriores. O BPN, nacionalizado em 2008, e o Banif, alvo de resolução em 2015, continuam a pesar na esfera do Estado, com encargos de 295 milhões de euros previstos no OE, como noticiou o Dinheiro Vivo.